Nesta segunda-feira(22), Bepe Damasco assinou um artigo no Brasil247 com o título enganoso de Esquerda vira o jogo nas ruas e avança para derrotar anistia e PEC da Blindagem. Por que estaria a esquerda virando o jogo se o ato (com cara de showmício) foi convocado pela Rede Globo e pela grande imprensa golpista?
Qualquer pessoa de esquerda deveria se preocupar com tudo o que faz a Globo, Folha de São Paulo e Estadão, inimigos do povo brasileiro, apoiadores de primeira hora de todos os golpes de Estado que o imperialismo orquestrou no Brasil. Toda pessoa de esquerda, por instinto, deveria se opor a tudo o que essa gente põe a mão.
É preciso ser muito ingênuo para acreditar que aqueles que apoiaram ditadura e tortura, que foram fundamentais para derrubar Dilma Rousseff, que exigiram o fim dos direitos trabalhistas e previdenciários, estejam agora lutando contra a corrupção, contra a “bandidagem do Congresso”.
Sucesso ou fracasso?
Damasco inicia seu artigo dizendo que tem “algum tempo de estrada acompanhando e participando de manifestações políticas. Seus sucessos ou fracassos, em geral, se medem por um critério objetivo: a quantidade de gente que atraem”. Sendo assim, qual é a explicação do articulista para o fiasco no 7 de Setembro, no Grito dos Excluídos, convocados pela esquerda? O que mudou o panorama em questão de dias?
Portanto, o “sucesso” da manifestação convocada pela direita golpista amplia o fracasso da esquerda, que há tempos desistiu de convocar a classe trabalhadora para as ruas. Igualmente, é um fracasso, e um grande perigo, ficar a reboque do imperialismo, pois é disto que se trata.
Falando de si, Damasco escreve o seguinte: “no meu caso, tento levar em conta também alguns fatores subjetivos. Neste domingo, em Copacabana, ao notar o semblante, o brilho nos olhos das centenas de milhares de pessoas presentes, percebi que uma fagulha cívica havia sido acesa”. Essa coisa de “fagulha cívica”, além da propaganda usando o verde-amarelo, denota grande semelhança com o bolsonarismo.
Falsificação
Em tom ufanista, Damasco escreve que “no meio da multidão, o ar estava impregnado por uma atmosfera positiva. A praia mais famosa do Brasil fora tomada pela esperança coletiva de que os inimigos da democracia não passarão, que os golpistas não ficarão impunes e que os congressistas brasileiros serão forçados a recuar em sua tentativa de se colocar acima da lei”.
É difícil dizer que os golpistas não passarão, pois eram eles os donos do ato. Esses golpistas, que retiraram Dilma do poder, respaldaram Temer, que colocaram Lula na cadeia e elegeram Bolsonaro, já estão impunes e devidamente anistiados. A esquerda pequeno-burguesa simplesmente fecha os olhos para essa dura realidade.
Os tais congressistas que serão “forçados a recuar”, eram todos muito bem tratados em 2016, puderam avançar à vontade. Eduardo Cunha, por exemplo, nunca foi denunciado enquanto sabotava o governo Dilma Rousseff.
Damasco diz que “os brasileiros mostraram que não vão abrir mão do seu protagonismo político e que, mais uma vez, querem escrever a história nas ruas”. É curioso o raciocínio, pois a esquerda pequeno-burguesa sabotou o 1º de Maio. Foi preciso o PCO convocar uma manifestação em favor da Venezuela, e os pequeno-burgueses só se animam a ir a atos em favor da Palestina se a grande imprensa tocar no assunto. E esta só toca no assunto para retirar os sionistas de uma derrota vergonhosa.
Por falar em escrever a história, Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO, publicou uma importante mensagem no X: “Para quem não sabe qual a aparência de uma revolução colorida, estude bem os atos convocados pela Rede Globo e toda a imprensa pró-imperialista: esquerdistas desnorteados e esquerdistas da burguesia, artistas globais, ONGs, etc., tudo a serviço do imperialismo combatendo a corrupção. Não tiraram nenhuma conclusão dos coxinhatos contra a Dilma e da operação Lava-jato”.
Os inimigos do povo
Bepe Damasco diz que “se tiverem um mínimo de juízo, os deputados que atuam como inimigos do povo, no mínimo, colocarão suas barbas de molho”. Primeiro, é preciso dizer que, até outro dia, o Congresso era uma maravilha, pois Lula escolheu tentar compor com o Centrão em vez de buscar apoio popular. Bastou a “base” do governo começar a desembarcar com vistas à próxima corrida presidencial, e a enfrentar o Supremo Tribunal Federal, que a percepção de setores da esquerda mudou.
Que o Congresso seja inimigo do povo, não chega a ser novidade. O que salta aos olhos é que setores inteiros da esquerda enxerguem no STF um aliado, e um defensor do povo e da democracia.
O governo Lula, se já estava emparedado entre o Congresso e Supremo, com apoio da esquerda pequeno-burguesa, fica completamente refém desta instituição golpista e extremamente reacionária.
Enfraquecer o Executivo e o Legislativo e fortalecer o Judiciário é a principal política do imperialismo. Conforme já escrevemos inúmeras vezes, os golpes “brancos” iniciados em 2009 em Honduras; em seguida no Paraguai, no Brasil, na Argentina, Equador, e inúmeros países, têm se mostrado eficientes e menos custosos, pois os militares ficam apenas na retaguarda, dando a impressão de que as derrubadas dos governos seriam ações democráticas e legítimas.
Os judiciários têm se apresentado como aliados diretos do imperialismo e, consequentemente, os piores inimigos da população. São mais fáceis de controlar. No caso do Brasil, por exemplo, são 11 ministros indicados para o Supremo, enquanto no Congresso somam-se 594 parlamentares, entre deputados e senadores.
Pisando na mina
Na metade de seu texto, Damasco alerta que “mesmo evitando o terreno minado das comparações, foi impossível não sentir uma energia que lembrava campanhas memoráveis, como a das Diretas Já ou o Fora Collor”. É uma ótima lembrança.
O movimento pelas Diretas, Já!, no início dos anos 1980, foi completamente sabotado pela Rede Globo e pela grande imprensa. A emissora, para proteger a ditadura militar, dizia que se tratava de passeatas pela “democracia”, não falava em eleições diretas. Como havia milhões de pessoas nas ruas e o número só aumentava, a Globo não conseguiu mais contornar o fato, mas tratou logo de capturar as manifestações, transformar tudo em um grande show, como este que Damasco comemora.
Finalmente, o movimento foi derrotado, a eleição foi levada para o Colégio Eleitoral e Tancredo Neves, homem de confiança do regime militar, foi transformado em herói da democracia. Se fosse ministro do STF, seguramente seria um “Xandão”. O saldo das Diretas, Já! foi o governo Sarney, verdadeiro desastre para o Brasil e a classe trabalhadora.
Nos anos 1990, 11 mil estudantes secundaristas saíram em passeata pelas ruas de São Paulo. Do bairro da Santa Cecília, tomaram a avenida Amaral Gurgel e rua da Consolação, em direção à avenida Paulista. A grande imprensa e a Globo, obviamente, esconderam o fato, pois a reivindicação dos estudantes era nada menos que “Fora, Collor!”.
Despolitização
Damasco comemora, diz que “o show dos gigantes da música popular brasileira — Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, entre outros — foi a cereja do bolo, provocando uma verdadeira apoteose”. Mas, infelizmente, isso só faz lembrar a sabotagem do movimento pelas eleições diretas; e o quanto o imperialismo está jogando peso para intimidar o Congresso e tornar o STF, seu principal instrumento, em instituição todo poderosa.
Para Damasco, “as placas tectônicas da política se moveram neste domingo histórico”, mas não há o que comemorar, pois estão em cena os mesmos atores de 2013, a grande imprensa, o imperialismo, George Soros e seus funcionários.
No final, Bepe Damasco, não se sabe bem o porquê, conclui que “cabe agora aos segmentos populares aproveitarem a onda para emplacar também a isenção de pagamento de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e o fim da jornada desumana de 6 x 1”. Quer dizer que as forças que apoiam teto de gastos, fim da CLT, etc., vão deixar que transformem seu movimento em reivindicações populares? Só pode ser piada.




