O órgão esquerdista Esquerda Diário, do MRT, publicou, no último dia 19, o artigo Sem anistia para Bolsonaro, generais e golpistas do Congresso! Fora Trump! Nenhuma confiança no STF!, trazendo curioso paradoxo: denunciam que a PEC das Prerrogativas visa “garantir a impunidade” de uma “corja privilegiada”. Ao mesmo tempo, acrescenta: “mas fazemos isso sem nenhuma confiança no STF e em seus ministros”. Mas como?
Pode ter escapado ao órgão esquerdista, mas a suposta “garantia a impunidade” consiste, concretamente, em garantir que os parlamentares não possam ser processados, condenados e presos pelo STF, restituindo a barreira constitucional que proíbe a prática, o que torna a colocação expressa no Esquerda Diário uma peça cômica. Seria preciso explicar como o MRT defende “nenhuma confiança no STF” e, ao mesmo tempo, apoia o fortalecimento do poder repressor da instância máxima do Judiciário.
Como isso não pode ser feito, os esquerdistas recorrem à tradicional fórmula “contra tudo o que está aí”. Curiosamente, o órgão elenca os motivos pelos quais a política da defesa do Judiciário é uma posição reacionária e contrária aos interesses populares:
“O mesmo STF que hoje condena Bolsonaro articulou junto ao imperialismo o golpe de 2016, prendeu Lula e avalizou reformas, como a Lei de Terceirização Irrestrita […] Tudo isso demonstra que não podemos aceitar que nosso ódio ao Congresso reacionário seja utilizado para legitimar o autoritarismo do Poder Judiciário, que também pavimentou e segue pavimentando o caminho para figuras de extrema direita.”
Ora, é exatamente para não “legitimar o autoritarismo do Poder Judiciário” que iniciativas como a PEC das Prerrogativas são importantes. Solto, o Judiciário já provou ser capaz de muita loucura, inclusive de intervir no Executivo e no Legislativo, fazendo hoje, sem provocar alarde, o que a Ditadura Militar (1964-1985) fez durante o período mais tenebroso do regime.
Conquista do movimento operário em sua luta contra a Ditadura Militar, a imunidade parlamentar estava prevista na redação original da Constituição de 1988, que, para impedir a perseguição comum ao período de terror, estabelecia que o aparelho repressivo precisava de autorização do Congresso para investigar deputados e senadores. Trata-se, contudo, de um direito ainda mais antigo.
Originado na Revolução Francesa, quando os parlamentares buscavam se proteger da perseguição do rei Luís XVI para poderem representar o povo, a imunidade parlamentar se tornou um padrão, desde então, para regimes democráticos, sendo também um alvo do fascismo. A novidade, portanto, não reside no direito em si, mas no fato de que setores da esquerda também apoiam o ataque reacionário a essa conquista civilizatória.
Como passou despercebido a incongruência lógica no que está defendendo, é possível que o MRT também não tenha registrado, mas está em uma frente que os une não apenas ao STF, mas também a outros direitistas golpistas menos disfarçados, como a notória porta-voz do imperialismo: a Rede Globo. O órgão continua, em seu artigo:
“O PT garantiu a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados com votos para acenar aos partidos reacionários que compõem o seu governo, mostrando que a conciliação de classes segue fortalecendo a extrema direita e o Centrão.”
Ora, como falar em “conciliação de classes” do PT quando o MRT está em uma frente ainda pior: não com a extrema direita, mas com a Globo e o imperialismo. Como falar “que os capitalistas paguem pela crise” quando, na prática, se defende o setor mais poderoso dos capitalistas, os impulsionadores da campanha contra a imunidade parlamentar?
Ante tal quadro de loucura, é preciso enfatizar que os trabalhadores e estudantes não devem endossar ataques aos direitos democráticos duramente conquistados. A imunidade parlamentar é importante sobretudo para os congressistas da esquerda, que tendem a ser os mais perseguidos, de modo que possam exercer o papel de representantes dos trabalhadores. Unir-se à Globo e ao imperialismo para atacar tais direitos equivale a um suicídio político.




