A aprovação da chamada PEC das Prerrogativas reacendeu uma campanha orquestrada para submeter o Legislativo à tutela do Supremo Tribunal Federal (STF). A operação tem rosto, método e objetivos bem definidos: Rede Globo à frente, ONGs do imperialismo atuando como correia de transmissão, e o velho agrupamento golpista do PSOL, com Boulos como vitrine, convocando atos para intimidar o Congresso. O esquema já é conhecido: inventaram um nome para desmoralizar o projeto (“PEC da Bandidagem”) e encobrir a essência do ataque — preservar o poder do STF de chantagear e caçar representantes eleitos.
A PEC nada mais faz do que restabelecer um princípio já consagrado na Constituição de 1988: parlamentar só pode ser investigado e julgado com autorização do Congresso. A formulação original, embora limitada aos atos e palavras no exercício do mandato, já trazia o núcleo da questão — proteger o mandato popular contra perseguições de ocasião. O correto, do ponto de vista democrático, é que a autorização valha para qualquer caso.
Não se trata de “privilégio”, mas da salvaguarda do exercício parlamentar. A história ensina: na Revolução Francesa, a imunidade foi exigência elementar para impedir a prisão política de deputados pela monarquia. O argumento “todos são iguais perante a lei”, brandido para desmoralizar a proposta, é uma farsa: a igualdade não exclui regimes de proteção quando a função pública o exige. O próprio ordenamento prevê tratamentos diferenciados (como leis específicas para proteção das mulheres) sem que isso agrida a igualdade formal.
O que está em jogo não é blindar “A, B ou C”, mas impedir que a função de representar o povo seja anulada por arbitrariedades de togados ou do Executivo. Num país onde qualquer denúncia fabricada vira instrumento de perseguição, quem ousa enfrentar interesses poderosos fica vulnerável à armação — “estuprador”, “traficante”, “pedófilo”. Por isso, a PEC precisa abranger tanto o chamado “crime político” quanto o “comum”. Separar um do outro, na prática, é a porta de entrada para a farsa persecutória.
Daniel Silveira permanece preso por delito de natureza política — uma transmissão ao vivo com críticas a ministro do STF. Nikolas Ferreira é processado por usar uma peruca no Congresso. Goste-se ou não das figuras, é perseguição política. E é exatamente isso que os inimigos da PEC desejam preservar: a capacidade de encarcerar e processar parlamentares por posições e falas. Daí a campanha “antidemocrática” monumental, que busca carimbar a proposta como “golpe”. Juntá-la ao problema da anistia aos manifestantes do 8 de janeiro, por sua vez, serve para confundir ainda mais.
O cinismo salta aos olhos. A Globo, emissora que sempre acobertou criminosos de alta patente, agora posa de guardiã da moralidade, fala em “paraíso para o PCC e Comando Vermelho” e supõe, com isso, que o Congresso é majoritariamente composto por bandidos. Se assim fosse, a PEC nada mudaria — a mesma “maioria criminosa” negaria qualquer autorização. O que se tenta vender ao povo é uma troca indecente: abrir mão de uma garantia democrática essencial em nome da prisão de “meia dúzia de corruptos”. Há algo mais lavajatista que esse tipo de política?
Enquanto isso, a Globo mobiliza seu exército de celebridades. Cantores, atores e influenciadores reaparecem em massa para atacar a PEC, muitos deles financiados diretamente pela CIA por meio de organizações como o Washington Brazil Office, conforme denunciado por este Diário.
Misturam-se bravatas contra “a bandidagem”, frases feitas sobre “o crime organizado”. É a volta da campanha cívica da imprensa burguesa que, por detrás de toda a propaganda, tem como objetivo encobrir seu objetivo central: sustentar o STF como poder de exceção sobre a vida política nacional, um poder absoluto que controla o regime político.
A esquerda pequeno-burguesa cumpre seu papel nessa história. O PSOL de Boulos aparece como “a esquerda que convoca”, enquanto o PT — onde 12 deputados votaram a favor da PEC -– recua, com medo do bombardeio da imprensa burguesa. Intelectuais de aluguel e influencers “vermelhos” decretam que “progressistas votaram com Bolsonaro”, omitindo que todos os partidos participaram da votação. Sobram, portanto, duas escolhas: ou você se submete à tutela do STF, ou “apoia bandidos”. Uma farsa para moralizar a ditadura togada.
Trata-se de um problema eleitoral. O esquema de prisões arbitrárias, interdição de candidaturas e anulação de leis pretende seguir controlando a próxima disputa presidencial. Para impor um candidato sem voto, como Tarcísio (Republicanos), é preciso manter o Congresso sob chantagem. A PEC das Prerrogativas rompe essa coleira. Por isso a histeria: se a autorização parlamentar volta a ser requisito, cai o poder de intimidação que hoje cala deputados, anula decisões e derruba pautas inconvenientes aos interesses do bloco golpista.
A esquerda não tem o direito de cair no conto moralista que embasou a Lava Jato. O combate à corrupção, base ideológica para o golpe de Estado de 2016, voltar a ter relevância com outro pretexto: a “bandidagem no Congresso”. Nesse sentido, entre prender “quatro ou cinco” e defender uma garantia constitucional, a escolha é óbvia. Um regime minimamente democrático precisa ter um Parlamento que não possa ser controlado por outros Poderes. Sem isso, a vontade do povo é substituída pela caneta de ministros que não foram eleitos por ninguém e que estão no Supremo para acabar com os direitos do povo.
A PEC das Prerrogativas é um passo no sentido correto: retirar do STF a mordaça com que vem estrangulando o Legislativo e recolocar a política no terreno de quem tem voto. O resto — a gritaria patrocinada, o desfile de artistas, o moralismo de auditório, a propaganda das ONGs — é cortina de fumaça para sustentar a ditadura judicial.





