Em artigo publicado no dia 16 de setembro no portal Esquerda Online, a presidente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Paula Coradi, celebra o julgamento que resultou na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos de cadeia. O texto, intitulado Uma lição para a história, começa dizendo que “o Brasil tem, no julgamento da trama golpista no STF, a chance de acertar suas contas com o passado e buscar um novo caminho no século 21, um caminho em que quem conspira contra a democracia encontre a justiça”.
A questão que aparece de imediato é: como “acertar” as contas com “o passado”, se o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma representação deste mesmo passado? O STF nunca foi fechado durante a ditadura militar, o que mostra o caráter conservador, reacionário e pró-imperialista desta instituição.
A autora segue dizendo que “a anistia de 1979, que sugeria um rompimento com a ditadura ‘lenta, gradual e restrita’, impediu que torturadores e assassinos fossem condenados pelos seus crimes contra o povo brasileiro” e que, “até agora, o Brasil nunca tinha encarado seu passado autoritário de frente”. Verdade. Não apenas nenhum militar foi punido, como fundamentalmente quem comandava a ditadura militar continua comandando o atual regime político. O STF, como falamos anteriormente, é exemplo disso.
“Pela primeira vez, militares de alta patente, financiadores e mentores intelectuais de crimes contra a democracia foram condenados e isso representa um momento histórico.”
O que a autora não diz, contudo, é que os militares que foram julgados não têm grande importância dentro das Forças Armadas. Eles constituem um núcleo com menos poder dentro da cúpula militar, que é controlada diretamente pelo imperialismo. A cúpula permanece intocada e tutelando o regime político. Por acaso os militares que coagiram o STF a não conceder habeas corpus a Lula estão sendo punidos? Por acaso os militares não estão cogitando invadir a Venezuela, caso o imperialismo ordene? Por acaso os militares não estão pressionando o governo Lula a não romper com o Estado de “Israel”?
Dizer que o país “acertou” as “contas” é uma falsificação. E ela serve exclusivamente para desviar a atenção do fato de que o julgamento foi absolutamente ilegal. Tanto que Coradi não se propõe, em nenhum momento, a discutir a forma como ele foi realizado.
Coradi continua com o mesmo método, discursando sobre a ditadura militar, até que conclui:
“Com a punição dos golpistas, a lição para quem não entende o que é democracia se torna nítida: quem atenta contra ela será punido. Que os golpistas paguem, com justiça, por terem conspirado para destruir nossas instituições, direitos e a liberdade do povo brasileiro. Que essa seja uma boa lição para a nossa história.”
O problema do qual Paula Coradi tentou, a todo custo, fugir é, na verdade, a questão central a ser discutida. Afinal, como demonstramos, não há vínculo algum entre o julgamento e uma luta contra a memória da ditadura militar — a não ser o fato de que alguns dos réus são assumidamente adoradores dos anos de chumbo.
A questão central aqui é que o Supremo Tribunal Federal, valendo-se do pretexto de defender a “democracia”, está avançando na transformação do regime político em uma ditadura cada vez mais fascista. Paula Coradi deixa isso escapar quando ela mesmo diz: “a lição para quem não entende o que é democracia se torna nítida”. E desde quando o papel do Judiciário é punir alguém por “não entender” algo? E mais ainda: desde quando o papel da esquerda seria defender a “democracia” — palavra que, neste caso, significa “Estado”?
O julgamento de Bolsonaro, para além de toda a parafernália antidemocrática que será assimilada por todos os tribunais do País, como o dispositivo da delação premiada, visa manipular as eleições de 2026 e, assim, garantir que o candidato do imperialismo vença, mesmo sem apoio popular nenhum. Se “democracia” for a vontade do povo, o que Coradi defende é o oposto disso.




