Em artigo publicado pelo Brasil 247 no dia 5 de setembro, o jornalista Paulo Henrique Arantes defende com entusiasmo a ditadura que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem implantando no Brasil. O título em si já é bastante sugestivo: Defender o Congresso, hoje, não é defender a democracia. Mas o que seria, então, uma “democracia”? O autor responde sem pudores: “hoje, o Congresso está muito longe de encarnar a democracia, papel que na prática vem sendo exercido pelo STF”.
Independentemente do que o autor pensar que seja uma “democracia”, é ponto pacífico que a base de um regime pretensamente democrático é o parlamento, que é o poder representativo por excelência. O Judiciário é o contrário disso: é uma burocracia formada por pessoas cuidadosamente recrutadas pela classe dominante. Ninguém elege os juízes no Brasil, o que os torna altamente suscetíveis à pressão do grande capital.
Arantes até diz concordar, em teoria, com a ideia de que o Congresso seria a expressão mais correta do sistema representativo — “deve-se ter cuidado ao criticar o Congresso Nacional, em tese a mais importante instituição representativa da vontade popular”. No entanto, faz um malabarismo para tentar explicar porque, nos dias de hoje, a ação explicitamente autoritária do STF, que está passando por cima dos demais poderes, seria legítima. Diz o autor:
“Os parlamentares da atual legislatura estimulam o bombardeio verbal contra a “casa do povo”, justamente por tramarem à luz do dia e sem sombra de vergonha pela destruição completa de tudo que lembre democracia. O povo não quer livrar criminosos da cadeia, o povo não quer anistiar golpistas, o povo não quer Jair Bolsonaro solto nem quer sustentar Eduardo Bananinha a conspirar contra o Brasil nos Estados Unidos. Quem quer isso são deputados, senadores e governadores em busca de motes eleitorais e impunidade.”
A questão é: de onde que o autor tirou isso? Como ele sabe o que “o povo não quer”? A rigor, isto é o que ele não quer e o que o STF não quer, por isso Arantes defende suprimir o poder do Congresso. Já quanto ao povo, o autor não pode falar por ele.
A maneira de conhecer a vontade do povo é justamente por meio das eleições. Se o povo é contra o que o Congresso está fazendo, nas eleições seguintes pode substituir os parlamentares. Se, por outro lado, o Judiciário age como poder legislador, o regime inteiro se torna mais autoritário, pois um poder não eleito se fortalece.
Não necessariamente o povo precisaria, em um regime democrático, aguardar as próximas eleições para expressar a sua vontade. Ele também pode se manifestar pelos seus tradicionais métodos de luta política. Pode fazer manifestações, pode opinar por meio da imprensa das organizações populares, pode fazer greves. Fica, então, a pergunta: Arantes viu alguma grande manifestação “do povo” contra a anistia?
Na verdade, as maiores manifestações de rua dos últimos meses têm sido aquelas dirigidas pelo bolsonarismo — e, portanto, a favor da anistia.
A argumentação de Arantes, portanto, não tem nenhum pé na realidade. Sua tese, então, pode ser assim resumida: acima do Congresso e acima do povo, está a sua opinião. E, por isso, dá carta branca para o STF governar o País. Mal sabe ele, no entanto, que em breve o STF irá revelar que a opinião dos ministros não é a mesma da esquerda.




