Nesta terça-feira (2), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete aliados — o chamado “núcleo crucial” da suposta “trama golpista”, de acordo com a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República (PGR), o lavajatista Paulo Gonet. Bolsonaro não compareceu pessoalmente ao próprio julgamento, que deverá durar cerca 10 dias.
Chamado de “julgamento do século” pela imprensa golpista, avalizadora dos abusos cometidos ao longo de todo o processo, o julgamento de Bolsonaro teve início com a fala do relator, Alexandre de Moraes, que também acumula as funções de juiz, promotor e vítima. Moraes foi seguido por Paulo Gonet, que apresentou a acusação contra os réus. Por fim, a defesa dos acusados tomaram a palavra, encerrando o primeiro dia de julgamento. A sessão será retomada nesta quarta-feira (3), às 9h, com as defesas do ex-presidente e de três generais.
Falando por mais de 1h30, Moraes fez de seu relatório uma tribuna para a politicagem. O início de seu discurso nada tinha a ver com o processo. Não apresentava os fatos, não apresentava as versões. Era tão-somente um discurso para que aparecesse na imprensa como o “defensor da democracia”:
“Presidente, antes de iniciar propriamente o relatório, acho importante esclarecer. Nós chegamos hoje, o Brasil chega hoje em 2025, quase 37 anos da Constituição de 1988 e 40 anos da redemocratização, com uma democracia forte, as instituições independentes, uma economia em crescimento e a sociedade civil atuante. Obviamente, isso não significa que foram 37 anos de tranquilidade política, econômica ou social, mas significa, presidente, que as balizas definidas pela Constituição Federal para nosso estado democrático de direito se mostraram acertadas e impediram inúmeros retrocessos. Estado democrático de direito e estabilidade institucional, que é exatamente o momento em que vivemos, não significam, necessariamente, tranquilidade ou ausência de conflitos, mas sim respeito à Constituição e aplicação da lei, com absoluto respeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.”
O discurso político de Moraes, no entanto, já introduz a posição do ministro diante do julgamento. Como já era de se esperar — afinal, ele é vítima e, portanto, parte interessada —, Moraes compareceu ao tribunal com o intuito de defender o que chama de “Estado de democrático de direito”. Isto é, defender os interesses do Estado conta seus cidadãos.
Moraes seguiu, então, com auto-elogios, citando a atuação do STF — com ele à frente — diante dos demais acusados pela participação na suposta “tentativa de golpe” de 8 de janeiro de 2023:
“Esse julgamento que se inicia do denominado “núcleo crucial” pela Procuradoria-Geral da República é mais um desdobramento do legítimo exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, de sua competência penal conferida pelo legislador constituinte em 1988 e, embora obviamente de grande importância, segue exatamente o mesmo rito processual, o mesmo respeito ao devido processo legal que este Supremo Tribunal Federal vem seguindo já nas 1.630 ações penais ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República referentes à tentativa de golpe de estado do dia 8 de janeiro de 2023. Dessas 1.630 ações penais, já ocorreram 683 condenações, 11 absolvições, 554 acordos de não persecução penal e ainda permanecem 382 ações em andamento.”
Novamente indicando a sua tendência à condenação dos réus, Moraes seguiu com seu discurso sobre o momento histórico que a “democracia” estaria vivendo:
“Presidente, nesses momentos a história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil e só aparentemente, que é o da impunidade, o da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia, como lamentavelmente o passado recente do Brasil demonstra. A pacificação do país, que é o desejo de todos nós, depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições. Não há possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição Federal e, mais, significa incentivo a novas tentativas de golpe de estado.”
No momento seguinte, o caráter político e parcial do discurso de Moraes se tornou ainda mais evidente, quando ele abordou as supostas tentativas de coação do Poder Judiciário por meio da intervenção de um país estrangeiro:
“Lamentavelmente, no curso dessa ação penal, constatou-se a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar coagir o Poder Judiciário, em especial este Supremo Tribunal Federal, e submeter o funcionamento da Corte ao arbítrio de outro estado estrangeiro. Essa coação, essa tentativa de obstrução, não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes deste Supremo Tribunal Federal, que darão, como estamos dando hoje, presidente, a normal sequência no devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e toda a imprensa brasileiras.”
O que chama a atenção particularmente neste caso é que, em primeiro lugar, as ações referidas não constam no processo, cujos acontecimentos não são referentes ao ano de 2025. É uma extrapolação que tem como único objetivo jogar a opinião pública contra os réus, que estariam associados àqueles que teriam supostamente coagido o Judiciário.
Em segundo lugar, chama também a atenção que Moraes, que é um juiz, um integrante do Poder Judiciário, decidiu, mesmo sem nunca ter havido um único julgamento a respeito do acontecimento, chamar um grupo de “organização criminosa”.
De forma semelhante, a acusação de Gonet ficou marcada pelas frases de efeito, e não pelas provas apresentadas contra os acusados. Colocações como “não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem recrudesce o autoritarismo e põe em risco o modelo de vida civilizada” e “nenhuma democracia se sustenta se não contar com efetivos meios para se contrapor a atos orientados à sua decomposição” tiveram grande destaque na imprensa, apenas reforçando que o objetivo de Gonet é a condenação dos réus.
Ao mesmo tempo em que se concentrou nos chavões, Gonet defendeu o mecanismo ditatorial da delação premiada, chamando-a de “negócio jurídico em que o réu reconhece a prática dos delitos”.
Em seu momento, as defesas de todos os acusados rejeitaram as acusações, declarando-os inocentes.





