“Julgar Bolsonaro é sinal de maturidade democrática”, este é o título do artigo do opinião, de autoria de Marcos Augusto Gonçalves publicado nesta sexta-feira (29) na Folha de São Paulo. É um jogo de palavras que tenta acobertar a ilegalidade, a inconstitucionalidade que envolve esse julgamento.
A Constituição, o devido processo legal, os direitos democráticos, tudo isso está sendo pisoteado; no entanto, segundo o autor, essa ditadura judiciária imposta no Brasil seria um sinal de “maturidade democrática”. É aquilo que George Orwell, no seu livro 1984, batizou de Novilíngua e Duplipensar, a utilização de termos que subvertem o sentido real das coisas mascarando sua evidente contradição como, por exemplo, escravidão é liberdade, guerra é paz, ignorância é força etc.
No primeiro parágrafo, Gonçalves diz que “marcado para começar no próximo dia 2 de setembro, o julgamento dos acusados de tentativa de golpe de Estado no Brasil terá como ápice a decisão que envolverá seu principal personagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro. A proximidade do evento, como disse Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, envolve o país em “momento tenso”, o que é compreensível dado o ineditismo da situação” – grifo nosso.
Como já foi dito, e demonstrado, diversas vezes por este Diário, não houve tentativa de golpe. Bolsonaro pode ser o principal personagem dessa farsa, no entanto, há diversas pessoas “anônimas” sendo julgadas e condenadas a penas absurdas por terem se sentado na cadeira de um juiz, ou passado batom em uma estátua que limparam em menos de 5 minutos.
Nenhuma dessas pessoas deveria estar sendo julgada na primeira instância, o que seria o correto, e muito menos por um crime coletivo, sem a devida tipificação. Na verdade, é estranho que o Supremo Tribunal Federal, não as polícias a procuradoria sejam a fonte do inquérito. E mais estranho ainda que um tribunal investigue, processe e julgue, tendo um de seus ministros como vítima. Fica difícil enxergar aí qualquer resquício de maturidade democrática.
Chama a atenção que Gonçalves utilize o termo “evento”, é praticamente um ato falho, pois se trata mesmo de um espetáculo. De certa maneira, inclusive, parecido com o que fizeram com o PT inúmeras vezes.
A “constitucionalidade”
O segundo parágrafo é cômico, o autor diz que, citando Luís Roberto Barroso, “trata-se do encerramento de um ciclo ‘em que se considerava legítimo e aceitável a quebra de legalidade constitucional por não gostar do resultado eleitoral’”. Logo o STF, com voto de Barroso, que prendeu Lula, vem falar em quebra de legalidade? O Supremo está por cima de todas as legalidades nesse caso de “tentativa de golpe”, é um escárnio.
Em seu artigo demagógico, Gonçalves escreve que “o que estamos por presenciar reveste-se de grandeza histórica numa cultura política sempre inclinada às acomodações, ao favorecimento violento e oportunista das elites, às ambiguidades no tratamento das leis, às tergiversações com a defesa de direitos e aos casuísmos que solapam as instituições”. E é preciso perguntar: por que os oportunistas que acomodam, favorecem, tergiversam, estariam agora agindo corretamente? Seria uma iluminação divina? Ninguém pode acreditar nisso.
Gonçalves reclama que a república brasileira teria nascido de um golpe militar. Omite, no entanto, que a própria Folha de S. Paulo, para a qual escreve, participou do golpe de 64 e também do de 2016, o que levou Bolsonaro ao poder.
Para o autor, “o caso transcorre em momento conturbado, tanto pela proximidade do ano eleitoral quanto pela tentativa extemporânea de nova intervenção dos Estados Unidos em defesa da extrema direita no Brasil. Desta vez a investida é personificada pelo descompensado Donald Trump, que na mesma direção procura solapar a democracia em seu país —cada vez mais parecido com uma autocracia”.
Qual é a novidade? A proximidade do ano eleitoral vem a calhar, a burguesia cansou de fazer isso contra o PT. Seja em petrolões, mensalões, lava jatos, quanto mais próximo de eleições, melhor, pois é disso que se trata: eleições.
Gonçalves escreve que a democracia nos Estados Unidos, por obra de Trump, está “cada vez mais parecido com uma autocracia”. Onde estava o autor quando se aprovou a “Lei Patriótica” nos EUA? Seria desde sempre autocracia um país que promove guerras e golpes (como no Brasil) e impede que países consigam até comprar remédios?
Cinismo
Depois de pisotear a Constituição, atropelar o devido processo legal, Marcos Augusto Gonçalves diz esperar que “o Supremo conduza o julgamento de modo sereno e fundamentado, com respeito às garantias dos réus, para que o país possa passar por essa etapa difícil —fruto da persistência de velhos impulsos golpistas— e consolidar sua democracia”.
É óbvio que Alexandre de Moraes, imperador do Brasil, figurando como vítima em um processo que ele mesmo investiga, será muito sereno no julgamento de Bolsonaro. Tudo bem que o Supremo tenha sido peça-chave no golpe de 2016, mas os “impulsos golpistas”, pela primeira vez, serão deixados de lado e a justiça será feita com a maior isenção. Acredite quem quiser.




