Polêmica

Bolsonarismo não será extinto com manobras judiciais

Para colunista de O Globo, Bolsonaro não é majoritário na direita e candidatos do "centro político" seriam mais competitivos para enfrentar o "impopular" presidente Lula

Na última terça-feira (26), o jornal O Globo publicou matéria intitulada: “Bolsonaro está acabando. A febre passou.” O título do texto de Pedro Doria resume sua ambição: decretar a morte política do ex-presidente. Mas ao longo da coluna, cada argumento revela-se mais desejo do que realidade. Trata-se de uma coluna que se apresenta como análise jornalística, mas funciona como propaganda de uma linha política muito clara: sustentar o “nem Lula, nem Bolsonaro” para abrir espaço aos candidatos da burguesia.

Logo no início, o colunista sustenta sua tese com números: “61% dos brasileiros diziam que não votariam num candidato que prometa anistia a Bolsonaro.”

As pesquisas são tratadas como argumento, quando na verdade são instrumento político. A própria formulação das perguntas pode induzir respostas ao atrelar a ideia de “anistia” a Bolsonaro, sugere-se previamente um crime.

Mas, se a rejeição fosse tão definitiva, como explicar o que o próprio Doria admite? “Com exceção do governador gaúcho Eduardo Leite, todos os pré-candidatos à direita do presidente Lula estão em disputa aberta por sua bênção.” Ou seja, os mesmos números que serviriam para “enterrar” Bolsonaro revelam que ninguém à direita sobrevive sem seu aval.

Curiosamente, o único nome que não estaria “dependente” de Bolsonaro, segundo Doria, é “o governador gaúcho Eduardo Leite”. Não é coincidência. Trata-se do tucano que, ao aplicar uma política neoliberal no Rio Grande do Sul, desmontou serviços públicos e mergulhou o estado em crise — culminando nas tragédias das enchentes. Mas no texto aparece como alternativa “limpa”.

Doria insiste: “Se a disputa fosse entre Lula e o governador paulista, Tarcísio de Freitas? Aí seria 50,4% para o presidente, 46,6% para Tarcísio. É um empate técnico. Também Ratinho Junior, governador do Paraná, é um candidato que aparece mais forte, contra Lula, que Bolsonaro.”

E seguiu: “O ponto aqui é o seguinte: em todas as últimas pesquisas que fizeram a comparação, Bolsonaro deixou de ser o candidato mais forte na direita. É o terceiro em competitividade. E, segundo a Quaest, carrega consigo rejeição de 44%. A de Tarcísio é 17%; a de Ratinho, 21%.”

É a velha mágica das pesquisas: transformar em competitivos políticos sem qualquer base popular. Em um ambiente polarizado, é natural que figuras mais populares, como Bolsonaro, tenham também maior rejeição. Mas rejeição é o outro lado da moeda da popularidade. Medir “força” apenas pelo índice de rejeição é ignorar que quem polariza concentra tanto apoio quanto rejeição.

O colunista reforça a ideia: “A proximidade com Donald Trump prejudica um candidato para 53% dos brasileiros. Esse número, a rejeição ao presidente americano, salta para 69% entre os mais centristas.”

Mas a tentativa de transferir automaticamente a suposta impopularidade de Trump para Bolsonaro não encontra eco na realidade. Em pesquisa Datafolha, 47% dos entrevistados apoiaram a revogação do passaporte norte-americano de Alexandre de Moraes, contra 42%. Se as medidas de Trump fossem parâmetro absoluto de prestígio, como explicar que quase metade dos brasileiros tenha apoiado uma retaliação contra um ministro do STF?

Para justificar que “tanto faz” o candidato de direita, Doria recorre ainda à Quaest: “quase 60% acreditam que Bolsonaro provocou Alexandre de Moraes; 52% acreditam que ele participou da tentativa de golpe de Estado. E apenas 10% questionam que tenha havido tentativa de golpe.”

Mas, afinal, provocar Moraes virou crime? Seria motivo de condenação? É uma loucura completa. E ainda que apenas 10% questionem a tese do golpe, isso não significa que os outros 90% a validem. O próprio número mostra que metade da população não acredita que Bolsonaro tenha participado de golpe algum. 

O autor afirma: “17% dos brasileiros se consideram petistas. Outros 17% são de esquerda, mas não petistas. (…) 12% dos brasileiros se consideram bolsonaristas. E 26% são de direita, mas não bolsonaristas.”

O objetivo é evidente: minimizar tanto o PT quanto Bolsonaro. Ao inflar uma “esquerda não petista”, o texto busca diluir o peso real do PT, que historicamente concentra a quase totalidade do campo da esquerda. Ao inventar uma direita “não bolsonarista” majoritária, tenta deslocar o eixo conservador de Bolsonaro para figuras artificiais. 

Outro ponto central: “Lula não é um presidente popular. Seus números melhoraram, sim, mas não a ponto de torná-lo mais popular que impopular. (…) Tanto ele, quando brigou pela reeleição, quanto Dilma eram mais bem avaliados que rejeitados um ano antes da disputa. Com Fernando Henrique também foi assim. Lula, neste terceiro mandato, tem rejeição maior que aprovação.”

É uma distorção grotesca. Falar em “impopularidade” de um presidente eleito três vezes, que ainda elegeu uma sucessora em duas oportunidades, é falsificar a história. A comparação só serve para sugerir que Lula estaria fadado à derrota, igualando-o a Bolsonaro — justamente o raciocínio necessário para dar fôlego à política do “nem Lula, nem Bolsonaro”.

Doria encerra com a sentença: “Bolsonaro está acabando. A febre passou. É hora de todos começarmos a ouvir o que os brasileiros estão dizendo por meio das pesquisas.”

E completa: “Por que continuamos a desenhar a próxima eleição como se ainda estivéssemos em 2018?”

O problema é que o bolsonarismo não chega ao fim porque a imprensa deseja ou porque uma pesquisa “pintou” uma nova realidade. O Globo pode defender o fim de Bolsonaro em manchetes. Mas a realidade é que o bolsonarismo não se encerra por decreto É difícil prever se Bolsonaro tentará impugnar o pleito, se buscará acordos. Mas justamente a insistência em negar essa realidade é, no fundo, a maior prova de que Bolsonaro segue vivo — e o regime sabe disso e ainda não sabe como lidar com ele.

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