O artigo de Elvino Bohn Gass, Lula tem soluções, Bolsonaro tem problemas, publicado no Brasil247 nesta sexta-feira (15), chama a atenção pelo seu tom de campanha eleitoral.
O primeiro parágrafo do artigo diz textualmente que “na mesma semana em que Lula apresenta medidas maduras, coerentes e construídas de forma democrática para enfrentar o tarifaço abusivo de Donald Trump — um problema que ele não criou, mas que está resolvendo —, a Presidência da Câmara finalmente destrava os pedidos de cassação de Eduardo Bolsonaro por quebra de decoro. Não é qualquer quebra: ele traiu o Brasil, conspirando contra a democracia e agindo contra os interesses nacionais”.
Primeiro, houve o anúncio de que o governo Lula daria respostas duras, e que soberania não se negocia. No entanto, a primeira coisa que o governo fez foi negociar. Foram mandadas cartas, representantes; se falou de tudo, até na comercialização de terras raras. Dizer que a resposta foi “madura” é uma admissão de que não foi aquilo que o governo prometeu.
Muito se tentou encobrir o fato de que a resposta não estava em sintonia com o discurso. A imprensa, especialmente a progressista, falou o tempo todo em soberania. Conforme a poeira foi baixando, a realidade foi ficando mais nítida. A resposta foi fraca.
O governo Lula, de início, deveria ter chamado o representante dos EUA para dar explicações, ou mesmo retirar o embaixador, pois nenhum governo tem o direito de tentar interferir na política interna. Por mais que o Supremo Tribunal Federal seja inimigo da classe trabalhadora, e que atropele a Constituição e os direitos democráticos da população, isso é assunto nosso.
Socorro à burguesia
Em seu segundo parágrafo, Bohn Gass escreve que “o Plano Soberano, bem recebido pelo setor produtivo, oferece soluções reais: crédito, proteção ao mercado e alternativas para produtores prejudicados, tudo fruto de diálogo com empresas, estados e municípios. Ao mesmo tempo, é marcado para 2 de setembro o julgamento de Jair Bolsonaro, o mentor de todo o projeto golpista que manchou a imagem do país”.
A pergunta que fica é: Por que o deputado misturou no mesmo parágrafo dois assuntos tão diferentes? É como se, para encobrir uma má notícia, desse uma boa na sequência para amenizar, ou apagar, os efeitos da primeira.
O “Plano Soberano” deve ter sido, claro, bem recebido pelo setor produtivo, mas o trabalhador ficou com aquela impressão negativa de que o governo não é tão rápido para atender suas necessidades. Em pouquíssimo tempo, surgiram bilhões para socorrer quem já tem muito, enquanto a população sofre com um SUS sucateado e com os preços dos alimentos nas alturas.
Golpismo
O STF está tratando de acelerar o julgamento do processo-farsa de Bolsonaro. Como sempre, se bate na tecla de “projeto golpista” para com isso se justificar toda sorte de ilegalidades e arbitrariedades. O devido processo legal, o amplo direito de defesa, tudo isso foi jogado na lata do lixo. Mas, quem se importa? Afinal, vale tudo contra um “criminoso”. Talvez tenham se esquecido que, até outro dia, os petistas e Lula é que eram os criminosos e foram tratados como lixo pelo Judiciário. E nada garante que isso não se repetirá.
No terceiro parágrafo, o deputado diz que “enquanto o bolsonarismo acumula crimes, tentativas de golpe e traições, o Brasil de Lula segue batendo recordes na economia, no emprego e nas políticas sociais. O desemprego caiu de novo e, no segundo trimestre do ano, ficou em 5,8%, o menor da série histórica. Não é sorte, não; é Lula!”. Qual tentativa de golpe? Os manifestantes desarmados na Praça dos Três Poderes, é isso? A esquerda, em sua maioria, não se dá conta de pessoas comuns estão sendo condenadas a penas duríssimas sem que tenham o direito de se defenderem.
Em qual “democracia” um cidadão pode ser julgado sem que tenha direito a recursos? É inacreditável, mas em nome de se “combater o fascismo”, práticas fascistas estão sendo utilizadas. Fala-se em “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. Mas julgar pessoas em grupo, determinar penas sem a tipificação do crime, não levar os casos para a primeira instância, que nome se deve dar a isso? É o Estado passando por cima da democracia e dos direitos. Quem está abolindo o Estado Democrático de Direito é quem diz que o está protegendo.
No fundo, o que se tem no Brasil é uma política de pão e circo. Finge-se estar dando o pão, ou melhor, alguns estão recebendo o pão; enquanto a população tem que se divertir com algumas pessoas atiradas aos leões.
Isso bater recordes na economia, no emprego, políticas sociais etc., não comove mais ninguém. O trabalhador quando abre o armário quer encontrar ali alimentos, não números. Ninguém come índices. Enquanto o governo socorre os produtores de carne e café, os preços andam proibitivos.
Depois que Bolsonaro for preso, o que vai restar? O que vai mudar? O governo continua refém do Congresso e se aliando com o STF, está cercado por golpistas de todos os lados. Tudo isso porque se negou a buscar apoio na base, na classe trabalhadora.
É vingança
Finalizando seu artigo, Bohn Gass faz comparações “de um lado, quem constrói; do outro, quem destrói”. E completa afirmando que “Justiça não é vingança — é a garantia de que traidores nunca mais coloquem a democracia em risco”.
Não se sabe que qual democracia o deputado está falando. Ainda mais em um país em que a justiça é, sim, vingança, pois encarcerar por 17 anos um homem que sentou na cadeira de um juiz, ou 14 de pena para uma mulher que passou batom em uma estátua, é vingança com requintes de crueldade.
Chama a atenção esse artigo, pois mesmo que Bohn Gass seja deputado federal (PT/RS) e vice-líder do governo Lula no Congresso Nacional, os leitores do Brasil247 são majoritariamente eleitores de Lula e não seria necessário, em tese, um texto que mais parece um discurso de palanque. A menos, é claro, que o petista esteja sentindo que o terreno não anda lá muito sólido.





