Nessa terça, dia 12, foi publicado uma coluna na Folha de São Paulo de autoria de Wilson Gomes intitulada “A crença na ‘ditadura de toga’, arma política do Bolsonarismo”.
O professor, que se apresenta como “Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de “Crônica de uma Tragédia Anunciada””, começa seu texto citando conhecidos que supostamente seriam favoráveis ao enforcamento de Alexandre de Moraes, além de outros que se colocariam a favor do impeachment do ministro.
Moraes seria, na visão de Gomes, a personificação do STF e das demais instituições do regime político, que deveria ser destruído, segundo o que o autor acredita que seja a opinião política dos bolsonaristas. A partir disso, ele traça uma análise de como funcionaria a psicologia bolsonarista, de maneira a tentar provar como a ideia de que Moraes é um ditador serve apenas aos propósitos dos seguidores de Bolsonaro. No entanto, não consegue provar que a ditadura não existe.
Após declarar que conhece pessoas que seriam contrárias ao ministro do STF, com algumas que supostamente o querem morto, Wilson Gomes diz:
“Não deveria ser necessário dizer, mas, por mais severas que sejam as críticas a decisões polêmicas do STF, os elementos essenciais de uma ditadura não se verificam. Conheço ditaduras, vivi numa delas as duas primeiras décadas da minha vida. Hoje, mesmo as decisões mais contestadas foram tomadas dentro de um marco institucional reconhecido pela Constituição, aprovadas por colegiado e passíveis de revisão. Não houve suspensão de garantias constitucionais, supressão sistemática do Legislativo ou do Executivo nem ausência de freios e contrapesos.”
O parágrafo é o único que realmente aborda a tese de que o STF não exerce uma ditadura no Brasil. O professor cita a Constituição, espécie de chave para provar qualquer coisa sem provas nos dias de hoje. No entanto, não é capaz de citar os trechos da Constituição que permitem as ações de Alexandre de Moraes.
Por exemplo: em qual lugar da Constituição está escrito que é permitido impedir que alguém dê entrevistas? Onde Alexandre de Moraes encontrou embasamento para retirar as redes sociais do PCO durante um ano inteiro? Em qual parte da Carta Magna está escrito que um juiz do STF pode exigir, por fora dos procedimentos legais da justiça brasileira, pedindo para que redes sociais cancelem contas de cidadãos brasileiros? Onde Alexandre de Moraes encontrou na Constituição que o STF, que é a suprema corte do Brasil, poderia iniciar o processo judicial contra Bolsonaro e os envolvidos nas manifestações do 8 de janeiro de 2023, impedindo que, assim, os réus tivessem o direito de recorrer das decisões em instâncias superiores?
Wilson diz que de ditaduras ele entende. Realmente, entende e até simpatiza com algumas delas, o que deixaria uma pulga atrás da orelha sobre os motivos que o fazem defender as ações do STF.
Um exemplo claro do que estamos dizendo são algumas matérias de Wilson Gomes em defesa de Israel. Por exemplo, no dia 10 de outubro de 2023, Wilson publicou um texto com o título “Nenhuma moralidade justifica o assassinato de israelenses pelo Hamas”. O leitor não precisa ler a matéria para saber do que se trata, basta ler a matéria que criticamos aqui, já que se trata de uma análise psicológica quase idêntica à que é feita em relação aos bolsonaristas.
Já em 10 de fevereiro do ano passado, Wilson se somou aos bolsonaristas que criticavam Lula por ter comparado o genocídio em Gaza – descrito apenas como “tese de genocídio” por Wilson Gomes – com o holocausto, em uma coluna intitulada “Lula fez provocação que ofende até quem condena premiê de Israel”.
Continuando com o texto, o professor começa sua análise psicológica com alguns trechos como:
“A crença é funcional: insucessos eleitorais, investigações contra lideranças e derrotas legislativas encontram no “STF ditatorial” um inimigo externo e personalizado. Atribuir-lhe todo o peso da frustração preserva a autoestima do grupo e a imagem positiva da liderança. É também um mecanismo de projeção, já que defeitos e fracassos atribuídos ao próprio campo são percebidos como agressões externas. Não há necessidade de assumir responsabilidade por eles.”
Com “assumir responsabilidades” ele se refere à mulher que pegou 17 anos de cadeia por escrever “perdeu, mané” de batom em uma estátua?
A análise não é séria. O bolsonarismo quase venceu as eleições presidenciais de 2022, levando uma parte do congresso e dos governos dos estados, e venceu uma boa parte das prefeituras em 2024. Como isso pode ser descrito como “insucessos eleitorais” que justificassem acreditar que vivemos em uma ditadura?
Continuando:
“Além disso, encaixa-se perfeitamente na simplificação moral da política, reduzida à luta entre um povo inocente e virtuoso (os “patriotas”) e seu líder abnegado, de um lado, e um vilão centralizado e onipotente (o STF), de outro. Essa divisão atende à necessidade de organizar o mundo em categorias rígidas de certo/errado, amigo/inimigo —algo típico de estruturas de personalidade menos tolerantes à ambiguidade.”
Não faz sentido e, não é exatamente a mesma coisa que quem defende a ação do STF faz com o Bolsonaro ao dizer que ele é contra a democracia enquanto o STF é o defensor?
Já em outro trecho, o professor tenta dar a ideia de que o bolsonarismo, movimento social de milhões de pessoas, seria apenas um “grupo” de pessoas malucas e contrárias às instituições:
“Tais narrativas convertem predisposições latentes —hostilidade a limites institucionais, desconfiança de instituições pluralistas, necessidade de autoridade forte, rejeição de controle judicial sobre líderes carismáticos— em ação política: manifestações, discursos violentos e ataques à legitimidade judicial. Grupos que partilham essas predisposições tendem a interpretar decisões judiciais contrárias ao seu campo político como prova da existência de uma “ditadura”.”
A teoria do autor esbarra em que não é somente o “campo político” de Bolsonaro que é contra a ditadura do STF. Por exemplo, o PCO não é bolsonarista, mas sim um partido de esquerda, e diz o mesmo. O partido não teria motivo algum para defender Bolsonaro, já que foi o único partido que lutou pelo “Fora Bolsonaro” desde o começo de seu governo.
Por fim, temos vemos a aula do que seria uma democracia na visão de Wilson Gomes:
“Por fim, se o Judiciário é visto como ditatorial, medidas fora da normalidade democrática —da desobediência civil aos ataques à credibilidade judicial, dos apelos por intervenção estrangeira até propostas abertas de golpe de Estado— passam a ser tratadas como atos legítimos. Esse é o perigo maior: a crença não apenas reorganiza a realidade para caber no enredo que o grupo já abraçou como fabrica a licença moral para romper com a democracia sob o pretexto de salvá-la.”
O democrata que escreveu o texto é contra a desobediência civil. Ou seja, a democracia seria o regime em que o Estado manda e o indivíduo obedece. Talvez por isso a defesa do regime israelense. Em uma democracia real, o cidadão teria o direito de dizer o que quisesse, independente do que fosse. O simples fato de que ele justifica que no Brasil não haja essa liberdade, prova que o que vivemos é uma ditadura.





