Publicado no sítio da ConJur, o artigo A banalização contemporânea do crime de promoção do terrorismo, assinado por autores formados sob influência política e acadêmica dos Estado norte-americano, acusa manifestações de solidariedade à Palestina de configurarem promoção ao terrorismo. Na realidade, trata-se de uma tentativa de incriminar os defensores da resistência e encobrir o genocídio que “Israel” promove em Gaza.
O texto da ConJur começa associando a solidariedade à Palestina a um suposto aumento do “antissemitismo”:
“Depois disso, o número de discursos de ódio e atos violentos contra o povo judeu cresceu de forma assustadora… passou a ser comum utilizar um suposto discurso de defesa dos direitos humanos como desculpa para apoiar grupos extremistas, terroristas e fundamentalistas como o Hamas e o Hezbollah.”
Um ponto importante: o genocídio na Palestina não é nominalmente citado nem uma única vez, mas não é segredo para ninguém que “utilizar um suposto discurso de defesa dos direitos humanos” se refira a isso.
A formulação dos autores ignora um fato elementar: “Israel” se define oficialmente como Estado judeu e o sionismo utiliza argumentos religiosos para justificar a ocupação e limpeza étnica da Palestina. É natural, portanto, que a religião apareça nas críticas políticas — antissemitismo é diferente de antissionismo. A prova disso é a participação de judeus contrários ao genocídio em atos e manifestações pelo mundo. Existem até mesmo setores do próprio judaísmo, como os Neturei Karta, que atuam em atos pró-Palestina e são sempre bem recebidos.
O artigo prossegue:
“Os incitadores e promotores desses grupos extremistas e terroristas também podem incorrer na prática de crimes relacionados à Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016).”
A própria Lei 13.260/2016, no §2º do art. 2º, é explícita: “O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios”. Ou seja, protestos contra o massacre em Gaza ou apoio político à resistência palestina não configuram terrorismo. Trata-se de exercício das liberdades garantidas nos artigos 5º, IV, IX e XVI da Constituição Federal.
Em outro ponto, o texto afirma:
“Todas as condutas perpetradas, por exemplo, pelo Hamas no dia 7 de outubro… se enquadrariam nos termos do artigo 2º da Lei Antiterrorismo.”
No Brasil, não há lista oficial de organizações terroristas, e nenhum ato normativo classifica automaticamente o Hamas ou o Hesbolá dessa forma. O Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra (1977), no art. 1º(4), reconhece o direito à luta armada de povos sob ocupação colonial ou estrangeira. Rotular toda resistência como “terrorismo” é a prática de todo regime opressor.
O artigo da ConJur também reproduz interpretações judiciais que afirmam:
“Promover equivale a diligenciar, fomentar, encorajar, estimular… fazer propaganda positiva de algo.”
Isso atenta contra o artigo 5º da Constituição Federal, uma vez que opiniões políticas estão sendo tratadas como crime. No julgamento da ADPF 187 foi decidido que a defesa de ideias não equivale automaticamente à incitação de crime, tratando da ação movida pela PGR em 2009 que visava colocar as chamadas “Marchas da Maconha” na lei de apologia ao crime.
Enquanto se esforçam para enquadrar as manifestações, os autores se calam sobre os números do genocídio na Palestina. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, mais de 61 mil palestinos foram mortos desde 7 de outubro de 2023, com mais de 50% desse número sendo de mulheres, crianças e idosos — essa estimativa seria inclusive conservadora: o escritório de Direitos Humanos da ONU afirma que esse número seria de 70%, considerando os diversos corpos que continuam sob os escombros ou que simplesmente não foram encontrados.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura afirma que “mais de 500 mil pessoas enfrentam fome catastrófica” em Gaza, o nível mais grave de insegurança alimentar registrado pelo IPC. Já foram registradas quase 100 crianças que morreram de fome.
As destruições são igualmente documentadas: segundo dados da ONU, 70% das residências de Gaza foram destruídas ou danificadas, além de escolas, universidades, mesquitas e igrejas. A ONU também relata “casos de prisioneiros palestinos submetidos a tortura severa, incluindo espancamentos, choques elétricos e privação prolongada de sono, resultando em danos físicos e mentais irreversíveis”.
Perseguir o apoio à Palestina não apenas viola a Constituição e tratados internacionais, como contraria o artigo 4º, III, da Carta Magna, que estabelece a autodeterminação dos povos como princípio das relações internacionais brasileiras. A luta palestina é uma luta por libertação nacional. Usar a Lei Antiterrorismo para sufocar essa solidariedade é inverter seu sentido: de instrumento de proteção, ela se torna ferramenta para blindar um genocídio.





