Um dos textos que servirão de base para o curso A política revolucionária para as eleições é o famoso folheto Nenhum compromisso, nenhum acordo eleitoral, elaborado pelo revolucionário alemão Wilhelm Liebknecht em 1899. O curso, que será ministrado por João Jorge Caproni Pimenta, ocorrerá nos dias 16 e 17 de agosto, com transmissão exclusiva pela plataforma da Universidade Marxista. Para se inscrever, basta acessar agora mesmo unimarxista.org.br.
O folheto de Liebknecht tem uma importância tal que foi traduzido para o russo durante a luta contra a ditadura tsarista e recebeu um prefácio de ninguém menos que Vladimir Lênin, o homem que viria a dirigir a primeira revolução proletária da história e que fundaria a Terceira Internacional. No prefácio à edição russa, Lênin resume a obra do revolucionário alemão e procura tirar as conclusões necessárias para a luta de sua época.
Leia na íntegra o prefácio escrito por Lênin:
Prefácio à Tradução Russa do Folheto de W. Liebknecht: Nenhum Compromisso, Nenhum Acordo Eleitoral
O panfleto de Liebknecht, cuja tradução ora é oferecida ao leitor russo, é de especial interesse neste momento, às vésperas das eleições para a Segunda Duma, quando a questão dos acordos eleitorais despertou vivo interesse no partido operário e na burguesia liberal.
Não nos deteremos aqui sobre a importância geral do panfleto de Liebknecht. O leitor deverá consultar a história do movimento social-democrata alemão escrita por Franz Mehring e uma série de outras obras de nossos camaradas alemães para obter uma compreensão clara de sua importância e entender corretamente certas passagens que podem ser mal interpretadas se forem separadas da situação concreta em que foram escritas.
O importante para nós aqui é observar o método de raciocínio de Liebknecht, mostrar como ele abordou a questão dos acordos, a fim de ajudar o leitor russo a encontrar seu próprio caminho na solução da questão que nos interessa, a saber, a dos blocos com os cadetes.
Liebknecht não nega de modo algum que acordos com os partidos da oposição burguesa sejam “úteis”, tanto do ponto de vista da obtenção de “cadeiras no parlamento”, quanto do ponto de vista de conseguir um “aliado” (um suposto aliado) contra o inimigo comum — a reação. Mas a verdadeira acuidade política e a firme social-democracia deste veterano socialista alemão se revelam no fato de que ele não se limita a essas considerações. Ele examina a questão de saber se o “aliado” não é, na verdade, um inimigo disfarçado, cuja entrada em nossas fileiras seria particularmente perigosa; se e de que modo ele realmente combate o inimigo comum; se os acordos, apesar de úteis para conseguir mais cadeiras no parlamento, não são prejudiciais aos objetivos mais permanentes e profundos do partido proletário.
Tomemos ao menos as três questões que indiquei e vejamos se um defensor dos acordos entre os social-democratas russos e os cadetes, como Plekhanov, por exemplo, compreende o que elas implicam. Veremos que a apresentação da questão dos acordos por Plekhanov é extremamente estreita. Os cadetes querem combater a reação, logo… acordos com os cadetes! Plekhanov não vai além disso; acha que seria doutrinarismo aprofundar mais a questão. Não é de admirar que um social-democrata tão desatento às exigências da política social-democrata encontre-se na companhia e colaboração de renegados social-democratas como Prokopovich e os outros publicistas do Tovarishch. Não é de admirar que até mesmo os mencheviques, que partilham os princípios deste social-democrata, mantenham silêncio embaraçado, sem ousar dizer em voz alta o que pensam de Plekhanov, repudiando-o em reuniões operárias, ou simplesmente zombem dele, como fazem os bundistas no Volkszeitung e na Nasha Tribuna.
Liebknecht nos ensina que um social-democrata deve saber expor os aspectos perigosos de todo aliado no campo burguês e não ocultá-los. Nossos mencheviques, porém, clamam que devemos combater não os cadetes, mas o perigo dos cem-negros! Seria útil a essas pessoas refletirem sobre as seguintes palavras de Liebknecht: “As estúpidas e cruéis atrocidades cometidas pelos políticos policiais, as investidas da Lei Anti-Socialista, a lei draconiana, a lei contra os partidos que advogam a revolução, podem suscitar sentimentos de desprezo e piedade; mas o inimigo que nos estende a mão para um acordo eleitoral e se infiltra em nossas fileiras como amigo e irmão é o inimigo, o único inimigo que devemos temer.”
Vejam, Liebknecht também leva em conta as atrocidades policiais e as leis dos cem-negros. No entanto, diz aos trabalhadores com ousadia: não é esse inimigo que devemos temer, mas sim o acordo eleitoral com o falso amigo. Por que Liebknecht pensava assim? Porque ele sempre considerou que a força dos combatentes só é real quando é a força das massas operárias conscientes de classe. A consciência de classe das massas não é corrompida pela violência nem pelas leis draconianas; ela é corrompida pelos falsos amigos dos trabalhadores, os liberais burgueses, que desviam as massas da luta real com frases vazias sobre a luta. Nossos mencheviques e Plekhanov não compreendem que a luta contra os cadetes é uma luta para libertar as mentes das massas operárias das ideias e preconceitos cadetes sobre a possibilidade de conciliar a liberdade popular com o velho regime.
Liebknecht enfatizou tanto que os falsos amigos são mais perigosos que os inimigos declarados, que chegou a dizer: “A introdução de uma nova Lei Anti-Socialista seria um mal menor do que o obscurecimento das contradições de classe e das linhas divisórias partidárias por meio de acordos eleitorais.”
Traduzamos esta frase de Liebknecht em termos da política russa ao final de 1906: “Uma Duma cem-negra seria um mal menor do que o obscurecimento das contradições de classe e das linhas divisórias partidárias por meio de acordos eleitorais com os cadetes.” Se Liebknecht tivesse dito isso, que gritaria não teriam levantado contra ele os que desertaram do socialismo para o liberalismo e agora escrevem para o Tovarishch e jornais semelhantes! Quantas vezes ouvimos os bolcheviques “condenados” em reuniões operárias e nas colunas da imprensa menchevique por expressarem ideias semelhantes às que Liebknecht foi atacado (ver p. 54 do panfleto). Mas os bolcheviques não se deixarão intimidar por essas gritas e condenações, assim como Liebknecht não se deixou. Apenas maus social-democratas podem menosprezar o mal causado às massas operárias pelos liberais traidores da causa da liberdade do povo que se insinuam entre elas por meio de acordos eleitorais.
A propósito desta traição dos liberais. Nossos oportunistas, Plekhanov entre eles, clamam: é inoportuno em nosso país, e neste momento, dizer que o liberalismo é traiçoeiro. Plekhanov chegou a escrever um panfleto inteiro para ensinar os socialistas “sem tato” a serem educados com os cadetes. Mas o panfleto de Liebknecht mostra claramente que as ideias de Plekhanov são de segunda mão e que suas frases já estão gastas de tanto uso pelos liberais burgueses alemães. Acontece que o “trunfo” com que Plekhanov tenta combater os social-democratas revolucionários é a mesma fábula infantil do pastor e do lobo que os oportunistas alemães usavam para amedrontar Liebknecht. O argumento é: o povo vai se acostumar a ouvir gritar “lobo, lobo!” e, quando o lobo vier de fato, ninguém acreditará. Liebknecht deu uma resposta certeira aos numerosos parentes espirituais do atual Plekhanov na Alemanha: “Em todo caso, os interesses do Partido estão mais bem protegidos pelos cautelosos do que pelos zombadores.”
Tomemos a segunda questão: nossos liberais burgueses, isto é, os cadetes, estão realmente combatendo o perigo cem-negro e, se estão, como o fazem? Plekhanov é incapaz de formular essa pergunta ou respondê-la com uma análise cuidadosa da política dos cadetes na Rússia revolucionária. Plekhanov, violando os princípios elementares do marxismo, deduz as relações concretas entre os social-democratas russos e os cadetes do “conceito geral” de revolução burguesa, em vez de estudar as características específicas da revolução burguesa russa para obter uma concepção geral das relações mútuas entre a burguesia, o proletariado e o campesinato na Rússia contemporânea.
Liebknecht nos ensina a raciocinar de modo diferente. Quando lhe diziam que os liberais burgueses combatiam a reação, ele respondia analisando cuidadosamente o modo como combatiam. E mostrava — no presente panfleto e em muitos outros escritos — que os liberais alemães (assim como nossos cadetes) estavam “traindo a liberdade”, que buscavam entendimento com os Junkers [os latifundiários] e o clero; que se mostraram incapazes de ser revolucionários numa época revolucionária.
Liebknecht diz: “Logo que o proletariado começa a se apresentar como uma classe distinta da burguesia e com interesses hostis a esta, a burguesia deixa de ser democrática.”
Mas nossos oportunistas, como que zombando da verdade, chamam os cadetes de democratas (inclusive em resoluções de conferências do Partido Social-Democrata), apesar de os cadetes repudiarem a democracia em seu programa, reconhecerem o princípio de uma câmara alta, etc., e apesar de, na Duma, terem proposto leis draconianas contra a realização de reuniões e se oposto à formação, sem permissão superior, de comitês fundiários locais com base no sufrágio universal, igual, direto e secreto!
Liebknecht condenava com razão o uso da palavra “revolução” como uma senha vazia. Quando falava de revolução, ele realmente a queria dizer; analisava todas as questões e todas as etapas táticas não apenas do ponto de vista dos interesses do momento, mas também dos interesses vitais da revolução como um todo. Liebknecht, como os social-democratas revolucionários russos, teve de passar pelas dolorosas transições da luta revolucionária direta para uma constituição cem-negra miserável, abominável e vil. Liebknecht soube adaptar-se a essas transições dolorosas, soube trabalhar pelo proletariado mesmo nas circunstâncias mais adversas. Mas ele não se regozijava por passar da luta contra uma constituição infame ao trabalho sob essa constituição; ele não zombava dos que haviam feito tudo para impedir o surgimento de tal “constituição”. Para Liebknecht, “cautela” não significava chutar a revolução assim que começasse a declinar (mesmo que temporariamente) e adaptar-se o quanto antes à constituição mutilada. Não. Por “cautela”, este veterano do movimento revolucionário entendia que um dirigente proletário deve ser o último a “adaptar-se” às condições criadas pelas derrotas temporárias da revolução; que ele só deve fazê-lo muito depois de os covardes e pusilânimes burgueses já o terem feito. Liebknecht diz: “A política prática nos obrigou a nos adaptar às instituições da sociedade em que vivemos; mas cada passo que dávamos nessa direção era penoso para nós, e o dávamos apenas com grande hesitação. Isso provocava muitas zombarias. Mas aquele que teme pisar essa ladeira escorregadia é, em todo caso, um camarada mais confiável do que aquele que ri de nossa hesitação.”
Lembrem-se destas palavras de ouro, camaradas operários que boicotaram a Duma de Witte. Lembrem-se especialmente delas quando pedantes miseráveis zombarem de vocês por terem boicotado a Duma, esquecendo que foi sob a bandeira do boicote à Duma de Bulygin que o primeiro (e até agora o único, mas certamente não o último) movimento popular contra instituições desse tipo irrompeu. Que os traidores cadetes se orgulhem de terem sido os primeiros a rastejar voluntariamente sob as leis da contra-revolução. Os proletários conscientes se orgulharão de terem mantido suas cores e a luta aberta por mais tempo que todos os demais, de terem caído apenas sob golpes pesados no calor da luta, e de terem sido os últimos a continuar os esforços e a conclamar o povo a levantar-se novamente e avançar em massa, esmagando o inimigo.
Finalmente, tomemos a terceira e última questão. Os acordos eleitorais não serão prejudiciais àquilo que mais prezamos: a “pureza dos princípios” da social-democracia? Infelizmente, essa questão já foi respondida pelos fatos da vida política russa, que fazem os operários conscientes corarem de vergonha.
Os mencheviques nos asseguravam em suas resoluções, juravam em reuniões que não iriam além de acordos técnicos, que continuariam a luta ideológica contra os cadetes, que por nada neste mundo se desviariam um milímetro de seus princípios social-democratas, de suas palavras de ordem puramente proletárias.
E qual foi o resultado? Ninguém menos que Plekhanov bateu à porta da imprensa cadete para oferecer ao povo uma palavra de ordem “intermediária”, nem cadete nem social-democrata, mas aceitável a todos e ofensiva a ninguém: “uma Duma com plenos poderes”. Que importa se essa palavra de ordem é um engano descarado ao povo, se lança poeira em seus olhos — contanto que haja acordo com os senhores liberais! Mas os cadetes repeliram Plekhanov com desprezo; e os social-democratas se afastaram dele, uns com embaraço, outros com indignação. Agora ele está sozinho, destilando seu rancor atacando os bolcheviques por seu “blanquismo”, os articulistas do Tovarishch por sua “falta de modéstia”, os mencheviques por sua falta de diplomacia — contra todos, menos contra si mesmo! Pobre Plekhanov! Quão cruelmente se provaram corretas, em seu caso, as palavras francas, altivas, diretas e orgulhosas de Liebknecht sobre o caráter nocivo, em princípio, dos acordos!
E o “camarada” Vasiliev (que também espiou a revolução da janela da cozinha suíça) propôs no Tovarishch (17 de dezembro), com referência direta a Plekhanov, que dissolvêssemos simplesmente o Partido Social-Democrata e — temporariamente, apenas temporariamente! — nos fundíssemos com os liberais. Sim, bem que Liebknecht disse que no Partido alemão também mal havia alguém que quisesse se desviar “dos princípios partidários”. Mas a questão não é o que se quer, e sim o que a força das circunstâncias leva o Partido a fazer ao cometer um passo em falso. Plekhanov também tinha as melhores intenções: paz e boa vontade com os cadetes contra o perigo cem-negro; mas o resultado foi infâmia e desonra para os social-democratas.
Camaradas operários, leiam com muito cuidado o panfleto de Wilhelm Liebknecht e sejam mais críticos com aqueles que lhes aconselham acordos com os cadetes, que seriam fatais para o proletariado e para a causa da liberdade.


