O artigo Trump anuncia taxação ao Brasil e ameaça o mundo, publicado no Brasil 247, apresenta a análise de Cândido Vaccarezza sobre a mais nova crise envolvendo o governo brasileiro.
No segundo parágrafo, lemos que “o presidente dos Estados Unidos da América anunciou que aplicará ao Brasil as suas famosas tarifas punitivas de 50%, vistas por ele como um castigo a quem ousar desagradá-lo. No caso do Brasil, sua motivação é uma franca tentativa de interferência em decisões do Judiciário, de proibir a negociação do Brasil com os BRICS”.
De fato, trata-se de uma tentativa inaceitável esta de querer dizer como devem se comportar as instituições brasileiras. Não podemos aceitar de nenhuma maneira. Por outro lado, a guerra comercial, vista em si mesma, é “normal” no capitalismo, sempre ocorreu. Mesmo o Brasil impõe taxas altas para a importação de determinados produtos. Então, não se deve cair no alarmismo de “isso é o fim do mundo”.
Vale lembrar que, antes de Trump, por exemplo, o aço brasileiro foi taxado, e não se fez todo esse barulho.
Ao falar das ações do STF, Vacarezza foi extremamente ameno ao criticar a corte. Disse que “independentemente de a ação do Supremo ter sido certa ou errada — acho, por exemplo, a proibição de Bolsonaro falar com seu filho Eduardo incorreta”.
Não foi apenas “incorreta” a proibição, foi uma verdadeira arbitrariedade. Devemos dizer que é no STF que temos um Luís XIV que diz “A Lei sou eu”. É disso que se trata. Onde, no código penal, está escrito que um pai deve ser proibido de falar com um de seus filhos? No Brasil reina um verdadeiro absolutismo judiciário.
Apesar de todos os conflitos que estão ocorrendo, Vaccarezza afirma que “vivemos hoje o começo de uma nova Guerra Fria, diferente da iniciada depois da Segunda Guerra Mundial, num mundo cada vez mais multipolarizado, com situações e tipos de disputas muito diferentes do período em que o mundo era dividido entre EUA e URSS”.
É preciso dizer que o mundo nunca foi dividido entre EUA e URSS, mas entre países ricos e países pobres. A guerra da Ucrânia, os inúmeros conflitos no continente africano, as agressões sionistas à Síria, Líbano, Iraque e Gaza; o cerco que a China sofre com coalizões militares e a questão de Taiuã estão muito longe de serem análogas à Guerra Fria, estão quentes e o imperialismo se prepara para a guerra total.
Vaccarezza escreve que “o mundo é outro. A China, diferente da União Soviética, investe no mundo, não distribui armas nem incentiva revoluções; defende (a partir dos seus interesses) o livre mercado, faz a Rota da Seda e é a opção de mercado para diversos países”.
Essa afirmação é completamente falsa. A URSS, especialmente sob o stalinismo, foi contrarrevolucionária e impediu todas as revoluções que conseguiu. Por outro lado, essa visão do articulista justifica a política criminosa norte-americana que dizia proteger o mundo do avanço comunista. Foi o imperialismo que deu golpe em todos os continentes, armou todo tipo de ditaduras sanguinárias, e institui um banho de sangue em escala global.
Ainda que tenha atribuído a Trump a frase “Eu mando no mundo”, o próprio artigo trata de a contradizer, pois reconhece que “Trump, até agora, não conseguiu uma vitória definitiva. Disse que acabaria a guerra entre Rússia e Ucrânia em 24 horas; ameaçou uma taxação gigante para produtos chineses e recuou; falou em comprar a Groenlândia e anexar o Canadá, mas não toca mais nesses assuntos; ameaçou e bombardeou o Irã, mas não destruiu as usinas de enriquecimento de urânio; humilhou Zelensky na Casa Branca e continua gastando dinheiro americano na guerra”.
Como se viu, o presidente norte-americano enfrenta forças contrárias muito poderosas, o grande capital internacional e o complexo industrial militar, e manda muito pouco, apesar da retórica.
Além do absurdo de dizer que a China é socialista, Vaccarezza diz que, “em relação ao Brasil, Trump rompe com uma longa tradição comercial de amizade e respeito mútuo, consolidada por mais de dois séculos. m nenhum momento da nossa história o Estado ou a nação brasileira teve qualquer postura hostil aos EUA, fator importante para o equilíbrio da América do Sul,”.
O que seria um “respeito mútuo” quando os norte-americanos já deram pelo menos dois golpes de Estado no Brasil, além das tentativas? A falta de hostilidade do Brasil é muito mais um sinal de fraqueza, de sua condição semicolonial, do que de “respeito”. As Forças Armadas, como vimos em 1964, estão a serviço do imperialismo. A Polícia Federal é praticamente um escritório do Mossad e da CIA em território brasileiro.
O maior problema da análise de Vacarezza é que ele apresenta a retórica trumpista como uma grande novidade nas relações entre o Brasil, país atrasado e oprimido, e o imperialismo norte-americano. A relação entre o Brasil e os Estados Unidos, desde pelo menos o fim da Primeira Guerra Mundial, é uma relação de subserviência, responsável por todo o atraso que o País vive até hoje.
A desindustrialização brasileira, a pobreza e o regime político antidemocrático são resultado direto da intervenção norte-americana no Brasil. Nada disso é invenção de Trump — pelo contrário, é o resultado fundamentalmente da política do Partido Democrata.




