O banqueiro e youtuber Eduardo Moreira, dono do think tank Instituto Conhecimento Liberta (ICL), lançou o curioso manifesto Somos 99%. O título do manifesto faz referência à ideia de que 99% da população brasileira viveria em péssimas condições de vida, enquanto uma minoria rica concentraria mais de 60% da riqueza nacional.
A oposição 99% x 1% não é, contudo, precisa. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o 1% mais rico do Brasil têm um renda média superior a R$21 mil por mês. Portanto, não apenas a burguesia brasileira, que domina a economia nacional, é muito inferior a 1% da população, como o próprio Eduardo Moreira integra o 1% mais rico!
O manifesto, logo em seu título, já mostra a que veio: substituir a luta de classes por uma oposição despolitizada entre “pobres” e “ricos”. Em vez de propor diminuir o poder político e econômico da burguesia, o movimento lançado por Eduardo Moreira se limita a pedir uma plataforma que, ainda que seja aprovada, não mudará nada de significativo.
“Por um Estado Ético, Justo e Transparente”, começa o manifesto. Os mesmos dizeres poderiam ser encontrados em qualquer manifesto em favor da Operação Lava Jato. Por que a preocupação com a “ética” e a “transparência” do Estado, e não a preocupação com a quem ele serve?
Em seguida, mais demagogia: “o Brasil precisa de coragem para romper com os privilégios, enfrentar os abusos e devolver o Estado ao povo. Não aceitaremos mais um país em que poucos concentram riquezas e benefícios, enquanto a maioria paga a conta”. Tudo muito bonito, mas a questão é: como Moreira pretende romper com os privilégios?
O banqueiro se nega — por razões óbvias — a defender o cancelamento da dívida pública. Este é o principal mecanismo de roubo do orçamento nacional, que impede o desenvolvimento do País e que faz com que qualquer ideia de “justiça social” pareça uma piada. Da mesma maneira, o manifesto de Eduardo Moreira ignora completamente o problema do Banco Central “independente”, responsável pela taxa de juros pornográfica imposta ao País.
Se o manifesto do banqueiro não propõe atacar os eixos centrais da dominação dos bancos sobre o povo brasileiro, que tipo de “Estado Justo” Moreira defende?
Como se propusesse grande coisa, o manifesto diz: “isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais. E que o 1% mais rico finalmente pague sua parte justa, com taxação de dividendos milionários e combate às estratégias que driblam impostos”.
De fato, é uma monstruosidade que alguém que receba menos que R$5 mil de salário pague imposto de renda. No entanto, a própria ideia de um imposto sobre o salário já é criminosa. Afinal, salário não é renda, e o salário no Brasil é, em geral, um salário de fome.
A única política sensata em relação aos impostos no Brasil seria a abolição do imposto de renda e a abolição do imposto sobre o consumo. Em contrapartida, a taxação sobre a especulação financeira deveria ser pesadíssima — e não uma “parte justa”, como diz Moreira —, uma vez que se trata de um setor parasitário da economia.
Até aí, estamos diante de um movimento que, na melhor das hipóteses, distrai os explorados de suas reais reivindicações. Vejamos agora, no entanto, o aspecto abertamente reacionário do manifesto:
“Deputados e senadores que roubam, descumprem a lei ou traem a confiança pública devem ser julgados e punidos como qualquer cidadão. A revisão do foro privilegiado para proteger criminosos é urgente.”
Podemos afirmar, sem tirar nem por, que estamos diante de um manifesto da Operação Lava Jato. A “revisão do foro privilegiado” nada mais é que um eufemismo para a demolição de mais um direito democrático. Trata-se de tornar o regime político ainda mais arbitrário para que o Judiciário, e não o povo, intervenha. Por Judiciário, obviamente, entendam: bancos.
O manifesto em defesa do 1% — ou 0,1% — não é uma apologia inocente dos criminosos que escravizam a população brasileira. Há não muito tempo, o mesmo Eduardo Moreira lançou outro manifesto — “Somos 70%”, assinado por vampiros como o banqueiro Armínio Fraga, responsável pelo Plano Real. À época, o manifesto serviu para que a direita golpista, envolvida diretamente na derrubada de Dilma Rousseff, se reciclasse e fosse apresentada como parte dos “70%” da população que seria “democrática”.





