É normal que a burocracia que controla o PT faça bom uso da situação proporcionada por Trump para reorganizar a sua base, particularmente os setores politicamente mais atrasados, cuja tendência era a dispersão, dado o caráter antipopular, ainda que moderado, do terceiro governo Lula. Dito isso, o surto “patriótico” dos oportunistas da esquerda, particularmente os governistas, tem nos brindado com delírios cada vez mais exóticos. O espécime a destrinchar da vez é a coluna de Miguel do Rosário intitulada Despertar patriótico pode garantir vitória de Lula no primeiro turno, publicada no sítio do jornal Brasil 247.
Antes de entrar nos deméritos da tese de do Rosário, a escolha de foto para a sua coluna diz muito sobre o “patriotismo” em questão: Lula usando um boné azul, em que está escrito “o Brasil é dos brasileiros”. Se os russos chamam a batalha de vida ou morte no fronte oriental contra os exércitos do imperialismo liderados por Hitler de “Grande Guerra Patriótica”, deve ser comparável em importância (!) o grande levante soberanista dos petistas e psolistas contra o Laranjão, Donald Trump. Viva a Grande Guerra Patriótica dos Bonés! O azul dos Democratas contra o vermelho dos Republicanos!
Do Rosário escreve:
“O ataque desprezível de Donald Trump à nossa soberania provocou um verdadeiro terremoto na política brasileira, com reflexos imediatos na aprovação do governo e nas perspectivas eleitorais de 2026. As placas tectônicas se movimentaram, e não foi em favor da direita entreguista, corrupta e subserviente.
[…]
Segundo a Atlas/Bloomberg, a aprovação de Lula subiu de 47,3% para 50%, enquanto sua desaprovação caiu de 51,8% para 50,3%. Uma melhora total de 4 pontos em favor de Lula.”
Realmente, da dimensão da erupção do Krakatoa em 1883, que pôde ser ouvido a uma distância de cinco mil quilômetros.
A realidade é que o “patriotismo” da cúpula petista está subordinado à política da “democracia contra as ditaduras”: a política do setor principal do imperialismo. Não fosse a confusão causada pela presença de Trump na Casa Branca, o caráter altamente subserviente do governo Lula neste momento não seria questionável. A ideia defendida pelo presidente na cúpula do BRICS de uma retomada democrática da ONU, do multilateralismo, é uma indicação disso.
Contrariando a impressão falsa do autor, que escreve “será complicado para mídia conservadora e liberal, partidos de direita, e influencers da Faria [Lima], desconstruírem um sentimento patriótico que vem emergindo das entranhas da consciência popular”, o que vimos na última semana foi o “patriotismo” da Globo, da Folha de S.Paulo e companhia. Está demonstrado que não existe patriotismo nenhum. Só oportunismo.
Finalmente, do Rosário escreve
“Analistas experientes costumam dizer que uma aprovação superior a 50% gera possibilidade de vitória no primeiro turno em eleições presidenciais.”
Ao terminar o seu primeiro governo, em 2006, Lula tinha aprovação superior a 55%. Não ganhou no primeiro turno. Ao terminar o seu segundo governo, em 2010, Lula tinha aprovação superior a 80%. Dilma, uma continuadora de Lula para boa parte do eleitorado, não ganhou no primeiro turno. Certamente não será agora, com o Congresso trabalhando dia-e-noite para impedir a vitória eleitoral do PT, que a vitória eleitoral se dará no primeiro turno.
A verdade pergunta é: quanto tempo até a pressão da burguesia sobre o governo for tal que o breve respiro causado por Trump seja afogado por novas medidas impopulares? Propaganda não enche a barriga de ninguém, alguma hora a realidade se reimpõe, mais rápido quando se trata de um governo sitiado.



