Ao menos 89 mortos e mais de 100 feridos. Este é o saldo, até o momento, de uma das mais graves explosões de violência interna na Síria em anos. Confrontos armados entre facções drusas e grupos tribais beduínos irromperam na madrugada de segunda-feira (14) no sul do país, especialmente na província de Sweida, provocando uma onda de deslocamentos e aprofundando a instabilidade política e social da região.
Segundo informações da rede libanesa Al Mayadeen, os combates mais intensos ocorreram nas imediações do aeroporto militar de al-Thalaa e na ponte da vila de Hazm, ao norte da província. Fontes locais relatam que grupos armados tomaram temporariamente o controle da vila de al-Surah, no campo de Sweida, enquanto milícias drusas reconquistaram a vila de al-Tayra, na parte oeste da província. Famílias inteiras começaram a fugir da região de Khalkhala em direção à capital provincial, temendo que a violência atinja áreas urbanas.
O chamado Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR), sediado no Reino Unido, informou que o Ministério da Defesa da Síria mobilizou reforços militares significativos para a região. Em nota posterior, o Ministério do Interior afirmou que as forças de segurança intervirão imediatamente para resolver o conflito, enquanto o Ministério da Defesa pediu cooperação das partes envolvidas e moderação por parte das facções.
Rejal al-Kara2mah denuncia abandono estatal
A principal organização política e militar da comunidade drusa em Sweida, o movimento Rejal al-Karamah (Homens da Dignidade), emitiu um comunicado contundente ainda na madrugada de segunda-feira, responsabilizando diretamente o governo sírio pela deterioração das condições de segurança. Segundo a nota, o estopim da crise atual foi o “abandono deliberado do papel do Estado” na manutenção da estrada que liga Damasco a Sweida — eixo vital para a economia local, o transporte e a educação —, que vem sendo palco de repetidas agressões e assaltos contra civis.
Embora tenha defendido a mediação de lideranças religiosas e comunitárias como caminho para o fim dos combates, o movimento declarou que “o princípio da autodefesa é inegociável”. Em resposta à ameaça dos grupos armados beduínos, o Rejal al-Karamah decretou mobilização geral e afirmou que sua prioridade é “proteger a ordem pública e impedir o colapso da paz civil”. A nota enfatiza: “não buscamos vingança, mas sim dissuadir os inimigos da segurança coletiva”.
Todos os detidos são libertados após mediação
Em um raro sinal de contenção, fontes locais confirmaram que todos os detidos durante os confrontos — tanto por facções drusas quanto por tribos beduínas — foram libertados na manhã de segunda-feira. A medida foi resultado direto da mediação conduzida pelo xeique al-‘Aql Yusuf Jarbou, em conjunto com líderes religiosos drusos e anciãos tribais. A libertação dos prisioneiros foi interpretada como um primeiro passo para a redução das tensões, embora a situação continue volátil.
População exige atuação do Estado
Lideranças religiosas, intelectuais, chefes tribais e cidadãos de Sweida divulgaram um manifesto conjunto apelando por calma, diálogo e responsabilização dos autores da violência. Os signatários denunciaram a proliferação descontrolada de armas e grupos armados não oficiais, pediram o restabelecimento da autoridade legal do Estado e reiteraram a “responsabilidade moral e nacional” de evitar que a província mergulhe no caos total.
“O sangue dos nossos filhos vale mais do que qualquer disputa”, afirma o texto, que exige a reativação dos serviços civis e das forças de segurança para impedir a conversão dos bairros residenciais em campos de batalha. Os moradores também solicitaram a abertura de canais de comunicação entre o governo central e a elite intelectual e social da província, de forma a garantir a paz civil e conter a violência.
A estabilidade da estrada que liga Sweida à capital foi novamente apontada como prioridade absoluta. A via é considerada um “cordão umbilical” para a sobrevivência econômica, educacional e social da província.
Autoridade espiritual drusa clama por cessar-fogo
Em pronunciamento próprio, a liderança espiritual da comunidade drusa condenou a violência e apelou por uma trégua imediata, reiterando que “nunca buscou o derramamento de sangue”. A autoridade reafirmou seu compromisso com o respeito à legalidade e à soberania nacional, declarando-se aberta a coordenar esforços com o governo interino de Damasco para reorganizar a segurança da província através de uma força policial local e estruturas administrativas autônomas.
A nota também rechaça a presença de grupos extremistas e milícias ilegais, apresentando a defesa da integridade territorial e da segurança como responsabilidade coletiva da comunidade. “As mãos da reconciliação seguem estendidas para curar as feridas”, afirma o comunicado.
Estado sírio acuado
A escalada em Sweida revela o aprofundamento da fragmentação interna da Síria e a incapacidade do governo de restabelecer controle efetivo sobre vastas regiões do território nacional. Com o país devastado por mais de uma década de guerra e sob a tutela direta do imperialismo, a autoridade estatal se vê corroída pela presença de grupos armados locais, milícias religiosas e influência estrangeira — elementos que favorecem a proliferação de conflitos como o atual.
Sem resolver as questões políticas e sociais de fundo, a mobilização da população e a autodefesa comunitária continuam sendo a única barreira contra a completa desintegração do país.





