Na última sexta-feira (30), uma matéria publicada no Brasil 247 intitulada O cerco ao STF e assinada por Márcio Chaer apresenta a tese de que a liberdade de expressão estaria servindo de “pretexto” para chantagear o Brasil. Mas o que o autor chama de “Brasil” não passa, na realidade, de um sinônimo para Supremo Tribunal Federal (STF) — um poder antidemocrático, não eleito por ninguém, que vem atuando como ponta de lança do golpe de Estado iniciado em 2016.
Não é o Brasil que está sendo chantageado, mas sim o STF que está chantageando o povo brasileiro para acabar de vez com as liberdades democráticas, em conluio com a imprensa golpista e o imperialismo.
Segundo Chaer, a “campanha internacional das big techs contra o Supremo” teria como objetivo enfraquecer a regulação das plataformas. O julgamento marcado para 4 de junho, conforme escreve, serviria para conter as “práticas predatórias” das empresas.
O autor pinta os ministros como heróis que estariam se colocando entre os tubarões do Vale do Silício e o consumidor brasileiro. Mas quando o STF esteve preocupado com o preço de alguma coisa? Quando impediram a venda do pré-sal, vetaram reformas contra os trabalhadores ou protegeram o patrimônio nacional? Nunca. O que o STF busca agora é impor censura, tomando o lugar do Congresso Nacional e legislando por conta própria — numa completa violação do regime democrático que dizem defender.
O autor afirma que, de um lado estariam os ministros do Supremo, preocupados com a “ética” e o consumidor. Do outro, “forças que querem defender seus interesses financeiros” usando “fábricas de mentiras”. O autor abraçou um truque velho para colocar os maiores inimigos do povo — os ministros do STF — como guardiões da verdade. Mas quem impediu Lula de concorrer em 2018? Quem rasgou a Constituição para prender sem provas? Quem transformou a delação premiada em sentença? Não foram as big techs, foram esses mesmos ministros.
O texto não economiza nas caricaturas. Compara Trump a Pinky e Cérebro e diz que os “donos do planeta” tomaram posse junto com ele. Mas a realidade é o oposto: Trump, assim como Lula no Brasil, são alvos de perseguição brutal da imprensa e dos bancos centrais. Ele não representa o imperialismo, mas sim um setor marginalizado da própria burguesia norte-americana, que entrou em choque com o bloco dominante. Prova disso é que as operações contra Trump, Lula e Bolsonaro seguem a mesma cartilha usada contra lideranças populares. A campanha contra as big techs, na verdade, não é dirigida contra a manipulação ou as mentiras, mas sim pelo controle total da informação e da opinião pública.
Chaer chega ao cúmulo de comparar a defesa da liberdade de expressão ao tráfico de drogas e ao homicídio, com apoio de um tal “constitucionalista” Georges Abboud. Para esse setor da burguesia, qualquer tentativa de manifestação popular é crime. Mas o 8 de janeiro, apesar do vandalismo contra o patrimônio histórico e cultural, foi um protesto sem armas. A suposta “tentativa de golpe” nunca passou de uma fantasia usada para justificar mais repressão. Agora querem empurrar até Trump e as big techs nessa salada — como se fossem todos parte da mesma “conspiração”.
A matéria se vale ainda de clichês anti-imperialistas completamente deslocados. Compara a atuação das empresas de tecnologia com a Guerra do Vietnã e a invasão do Iraque. Mas os genocídios promovidos pelo imperialismo norte-americano continuam em curso — basta olhar para a Palestina. E é justamente a esses interesses que o STF está a serviço. Foi essa Corte que viabilizou a Lava Jato, que entregou o pré-sal e que agora atua para impedir qualquer oposição política organizada. O Judiciário brasileiro não é combatente do imperialismo, mas seu agente.
Ao citar Gore Vidal e sua frase sobre os “Estados Unidos da Amnésia”, Chaer tenta dar um ar de erudição à sua tese. Mas esquece convenientemente que o maior instrumento de amnésia e manipulação no Brasil é a imprensa burguesa — a mesma que ele finge criticar. Quando ele fala em “chantagem contra o STF” e acusa jornalistas de extorsão, reconhece, ainda que de forma torta, que os grandes meios de comunicação atuam a serviço de interesses obscuros. Mas o problema, para ele, não é a existência dessa imprensa, e sim a existência de vozes dissonantes nas redes sociais. A censura que ele defende não é contra a Globo, mas contra qualquer um que ouse se manifestar contra o regime.
No fim, o próprio autor admite, ainda que de forma confusa, que o controle da política nacional sempre esteve nas mãos da imprensa e do Judiciário: “o apoio alucinado ao golpe de 1964, à Lava Jato e à manipulação das eleições de Maluf, Collor e Bolsonaro” mostram que o problema não é novo. E nunca foi a Internet. A repressão aos direitos democráticos vem de longe, e se intensificou com o golpe de 2016.
A tentativa de regular as big techs não é um movimento pela “democracia”, seja lá o que isso signifique. É a continuação do golpe. É a tentativa desesperada de setores do regime de suprimir qualquer oposição ao Estado policial que estão montando no Brasil. Querem calar a esquerda, a extrema direita, o povo, qualquer um que questione o poder absoluto do Judiciário. A liberdade de expressão está sob ataque. Mas o ataque vem de cima: do STF, da Globo, do imperialismo.
É preciso dizer com todas as letras: a censura judicial não é a solução, é o problema. Defender a liberdade irrestrita de expressão é hoje a única posição verdadeiramente democrática.



