Na última terça-feira (1), a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei (PL) da Reciprocidade Econômica, que autoriza o Brasil a adotar medidas comerciais contra países que prejudiquem sua competitividade no mercado internacional. A proposta, que tramita em caráter terminativo, pode seguir diretamente para a Câmara dos Deputados, caso não haja recurso para votação no plenário, e surge como uma reação direta às políticas protecionistas do governo norte-americano, liderado por Donald Trump, que impôs tarifas de 25% sobre o aço brasileiro e ameaça ampliar as taxações a outros produtos. O texto também reflete preocupações com possíveis barreiras da União Europeia à soja e à carne bovina produzidas em áreas desmatadas.
A aprovação na CAE ocorreu em duas etapas e reflete um esforço para equipar o País com instrumentos legais que permitam retaliar ações econômicas consideradas desleais. O PL concede à Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), vinculada à Presidência da República, poderes para suspender concessões comerciais, restringir importações, interromper remessas de royalties e até aplicar tarifas adicionais contra nações ou blocos econômicos que afetem negativamente os produtos brasileiros.
O projeto foi ajustado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora e autora do substitutivo, que trabalhou em conjunto com técnicos do Itamaraty para alinhar o texto às necessidades do comércio exterior. Presidente da CAE, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) anunciou que solicitará ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a tramitação do projeto em regime de urgência ainda nesta semana: “vamos pedir rapidez na análise, para que o Brasil tenha ferramentas prontas diante dessas ameaças”.
A urgência se justifica pela conjuntura internacional, especialmente após o governo norte-americano intensificar sua guerra comercial com tarifas que atingem diretamente exportações brasileiras. Caso o texto seja aprovado pelas duas Casas legislativas, a CAMEX poderá agir imediatamente contra medidas que violem a isonomia econômica, como as impostas pelo país imperialista.
Originalmente, o PL focava em equilibrar exigências ambientais com outros países, mas foi ampliado para abarcar barreiras econômicas de qualquer natureza. Hoje, pelas normas vigentes, o Brasil está impedido de aplicar tarifas unilaterais sem aval da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que limita sua capacidade de resposta às ações de Trump.
Com a nova lei, o País ganharia autonomia para retaliar, por exemplo, a taxação de 25% sobre o aço, implementada recentemente, e eventuais tarifas recíprocas que o governo norte-americano planeja impor. Há ainda a possibilidade de uma tarifa linear, que atingiria todos os itens da pauta de exportações brasileiras, algo que preocupa autoridades e setores produtivos.
Negociações entre Brasil e Estados Unidos já ocorreram em quatro rodadas, com mais encontros previstos, na tentativa de evitar que o País seja um dos principais alvos das políticas de Trump. Representantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliam que, sem um acordo em curto prazo, o risco de sobretaxas generalizadas é real.
Um dos desafios apontados é a complexidade de retaliar produtos específicos, como etanol e automóveis, que possuem alíquotas mais altas no Brasil (35%) do que nos EUA (25% para carros a partir da próxima quinta-feira (3). Segundo um executivo do setor automotivo, a exportação de veículos brasileiros para o mercado norte-americano é mínima, mas o impacto simbólico das tarifas preocupa: “mesmo sendo pouco, é um sinal de hostilidade”.
A falta de clareza sobre quando as tarifas recíprocas dos EUA entrarão em vigor aumenta a incerteza. Para calcular alíquotas equivalentes, seria necessário analisar milhares de produtos exportados.
Isso reforça a percepção de que o governo norte-americano pode optar por uma taxação ampla, afetando desde commodities até bens industrializados. O PL da Reciprocidade, nesse caso, é visto como um mecanismo essencial para dar ao Brasil flexibilidade e poder de resposta diante de decisões unilaterais que ignorem acordos comerciais ou imponham condições desproporcionais.
A articulação no Senado reflete a gravidade do momento. A senadora Tereza Cristina destacou a importância de proteger a economia nacional: “o Brasil precisa de instrumentos para se defender numa guerra comercial que já está em curso”.
O texto final prevê que as medidas da CAMEX sejam proporcionais ao dano sofrido, mas abre espaço para ações como suspensão de patentes e restrições a investimentos estrangeiros, ampliando o leque de retaliações possíveis. A tramitação em caráter terminativo agiliza o processo, mas uma votação suplementar no plenário ainda pode ser solicitada nos próximos dias, dependendo de eventuais recursos.
Além dos Estados Unidos, a União Europeia também adotou medidas como a lei antidesmatamento, que pode barrar produtos agrícolas brasileiros. A proposta no Senado, portanto, não se limita ao embate com o governo norte-americano, mas a enfrentar ataques contra a economia nacional. A expectativa é que, na Câmara, a análise seja igualmente célere, dado o apoio tanto do governo quanto de setores da oposição como a bancada ruralista, que veem no PL uma salvaguarda contra prejuízos iminentes.




