Na última quinta-feira (27), a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em São Paulo, foi palco do 2º Congresso Internacional Vida e Família, um evento que reuniu ativistas contrários ao aborto legal, mesmo nos casos previstos pela legislação brasileira, como estupro, risco de morte à gestante e anencefalia. A iniciativa, realizada entre os dias 28 e 30 de março, contou com a presença de representantes do governo municipal de Ricardo Nunes (MDB), como o secretário da Casa Civil, Enrico Misasi, e teve como objetivo discutir estratégias para restringir ainda mais o acesso ao procedimento, pressionando por uma política que pode levar ao aumento da repressão e da criminalização de mulheres, incluindo aquelas que se enquadram nas exceções legais.
O congresso, sediado no Memorial da América Latina, na zona oeste da capital paulista, foi marcado pela participação de figuras ligadas à administração municipal. Enrico Misasi, em discurso na sexta-feira (28), destacou a proximidade da gestão Nunes com os grupos anti-aborto: “queria só realmente dar um abraço, deixar também a proximidade da gestão municipal, do prefeito Ricardo Nunes, da nossa equipe”. Ele ainda completou: “a gente tem desafios sérios e bastante complexos aqui, na cidade de São Paulo, mas deixar esse canal de conversa, de diálogo e de proximidade para que a gente possa juntos pensar estratégias eficazes de defesa da vida aqui no âmbito da cidade de São Paulo e no nosso país”.
Também esteve presente a secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania Stella Verzolla, que declarou estar representando sua pasta e se disse honrada com o convite. Segundo a Folha de S. Paulo, no entanto, seu discurso gerou críticas entre os participantes por usar a expressão “todas as formas de família”, evitando tratar diretamente da política anti-aborto defendida no evento. Já a secretária de Relações Internacionais Angela Gandra, confirmada na programação, não compareceu nos dias acompanhados pela imprensa e não fez menção ao congresso em suas redes sociais.
O evento também contou com a participação de representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), como Raphael Câmara Medeiros Parente, conselheiro pelo Rio de Janeiro e ex-presidente do órgão, e Francisco Cardoso, conselheiro por São Paulo. Ambos defenderam a resolução do CFM que proíbe a assistolia fetal em gestações acima de 22 semanas oriundas de estupro, além de reforçarem o direito à objeção de consciência por parte dos médicos.
Organizado por entidades como a Rede Colaborativa Brasil e a Brazil4Life International, o congresso reuniu dezenas de participantes. Essas organizações, conhecidas por atuar como “casas de acolhimento de gestantes” e por táticas que incluem páginas falsas nas redes sociais para atrair mulheres em busca de aborto, discutiram manobras legislativas para restringir o procedimento.
Presente no evento, a deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) declarou que “aborto não conserta o estupro”, defendendo a proibição do procedimento mesmo em casos de violência sexual. A vereadora Sonaira Fernandes (PL-SP), ex-secretária estadual de Políticas para Mulher, também criticou a decisão judicial que obriga o Hospital da Mulher a realizar abortos em situações de como retirada do preservativo sem consentimento, afirmando que tal medida deve ser revertida.
O governo Nunes já tem um histórico de ataques aos direitos das mulheres no comando da capital paulista. Desde dezembro de 2023, o serviço de aborto legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha foi fechado, reduzindo de 29% para 15% a proporção de procedimentos realizados pela rede municipal. Em março deste ano, a Justiça determinou a reabertura do centro, mas a Prefeitura informou que o atendimento aos casos previstos em lei ocorre em outros quatro hospitais municipais: Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé), Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo), Tide Setúbal e Prof. Mário Degni (Jardim Sarah). Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, o Vila Nova Cachoeirinha agora foca em cirurgias como endometriose e procedimentos intrauterinos.
A Prefeitura, em nota, afirmou que a participação de Misasi foi uma “saudação de caráter pessoal”, não representando oficialmente o governo, e que segue “estritamente a legislação”. A Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência esclareceu que apenas cedeu o auditório e não organizou o evento nem responde por seu conteúdo. Entre os palestrantes, estiveram o cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, e Bradley Mattes, da ONG norte-americana Life Issues Institute.
A realização do congresso reflete uma política que, ao buscar restringir o aborto legal, pode ampliar a repressão contra mulheres, mesmo nas situações previstas em lei. Diante disso, a mobilização da esquerda torna-se essencial para enfrentar o que se configura como uma ofensiva fascista contra os direitos reprodutivos.