Um homem foi preso em flagrante na última sexta-feira (21) em Belém, acusado de gerenciar uma clínica clandestina de abortos e atuar como médico sem autorização legal. A prisão, resultado da segunda etapa da operação “Nascituro”, realizada pela Polícia Civil do estado, não se deu por um crime isolado, mas reflete a intensa repressão aos direitos reprodutivos das mulheres, que, sem acesso a opções seguras e legais, recorrem a serviços como o desmantelado no bairro da Marambaia.
A operação, conduzida pela Delegacia do Consumidor (DECON), ligada à Divisão de Investigações e Operações Especiais (DIOE), culminou no fechamento do estabelecimento, supostamente, devido à descoberta de medicamentos vencidos e inadequados para uso. Segundo Yuri Villanova, diretor da DECON, os produtos, armazenados para comercialização, eram provavelmente aplicados em procedimentos de interrupção de gravidez:
“No local, nós conseguimos encontrar grande quantidade de medicamentos vencidos, armazenados para venda, e que, provavelmente, eram utilizados em pacientes submetidas aos procedimentos de aborto. O dono da clínica foi autuado em flagrante no crime previsto no Artigo 7.º, inciso IX, da Lei Federal n.º 8.137/1990”, explicou o delegado.
O caso começou a ganhar forma dias antes, em 18 de março, quando a primeira fase da operação “Nascituro” levou à prisão do mesmo indivíduo na clínica situada na Avenida Pedro Álvares Cabral. Na ocasião, três mulheres aguardavam atendimento. A investigação revelou que o homem, identificado como Arlindo de Aquino Pedrosa, tinha o registro médico cassado desde 2015 pelo Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM-PA).
Apesar da proibição, ele seguia atuando, o que reforça a tese de que a falta de alternativas legais alimenta redes clandestinas. Após ser solto por decisão judicial em 19 de março, com condições como recolhimento noturno e monitoramento eletrônico, Pedrosa voltou a ser detido na sexta-feira (21).
A presença de instrumentos médicos, como uma máquina de ultrassom sem registro na Anvisa, e de substâncias como ocitocina, usadas para induzir partos, aponta para um funcionamento precário e perigoso, uma consequência, porém, da ilegalidade da atividade. O cenário em Belém não é isolado.
A repressão ao aborto no Brasil, onde a prática só é legalmente permitida em casos de risco à vida da mãe, estupro ou anencefalia fetal, força mulheres a buscar alternativas arriscadas. Dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 estimam que cerca de 1 milhão de interrupções ocorrem anualmente no país, a maioria na clandestinidade. A operação “Nascituro” mostra como a ausência de direitos reprodutivos não elimina a demanda, apenas a desloca para ambientes insalubres, como a clínica de Pedrosa, que, segundo a imprensa, operava há mais de 20 anos.
A reivindicação pelo direito ao aborto legal é uma demanda democrática e observando o caso, não é difícil entender o motivo. Posto na ilegalidade, a prática do aborto ameaça as mulheres brasileiras não apenas com a repressão estatal, mas também com as condições de total precariedade para as mais desesperadas, que se aventuram a abortar, mesmo em tais condições. A esquerda, historicamente alinhada à luta por direitos, deve encabeçar esse debate, pressionando pela legalização do aberto.
