Na última segunda-feira (24), o portal Em defesa do comunismo, órgão de imprensa do PCBR, publicou um artigo intitulado Uma crítica marxista ao camarada Euclides Vasconcelos sobre a guerra da Ucrânia. O artigo é uma polêmica com um vídeo do referido militante do PCBR, em discussão por dentro da agremiação. Uma série de argumentos são levantados, mas o que nos interessa aqui é polemizar com este artigo em questão, em particular na sua posição de apoiar a OTAN e seu fantoche, a Ucrânia, no ataque à Rússia.
Vamos aos argumentos.
E a Finlândia?
“Durante dois terços do vídeo, se afirma sem qualquer contraponto o argumento de que a razão política para a Rússia invadir a Ucrânia foi impedir que a Ucrânia entrasse na Otan ou permitisse que seu território fosse utilizado como base para aproximações militares. Sim, é esta a versão oficial da chancelaria russa, o que, espera-se, não deveria se traduzir como a nossa análise. Mesmo porque essa desculpa caducou em abril de 2023, quando a Finlândia ingressou oficialmente na Otan e aumentou essa fronteira em mais de 1300km sem que a Rússia disparasse um único tiro. Por óbvio, o argumento realista da ameaça militar que justifica uma guerra preventiva aqui é vazio.”
A colocação é absurda, pois as situações não são comparáveis. A aproximação da Ucrânia para sua entrada na OTAN foi precedida de um golpe de Estado naquele país, em 2014, organizado pela União Europeia e pelos EUA, ou seja, quem comanda a OTAN. O golpe instaurou uma ditadura nazista, sustentada em milícias nazistas armadas como o Batalhão Azov e o Setor Direito (Pravy Sektor), e ficou marcado pelos ataques à população russa ou que falasse a língua russa em território ucraniano. Vale lembrar, o golpe na Ucrânia foi seguido por tentativas de golpe na Bielorrússia, na Geórgia e no Cazaquistão, todos países na fronteira russa.
Na região do Donbas, de maioria russa, tanto a região de Donetsk como de Lugansk realizaram plebiscitos para se incorporarem à Rússia, deixando a Ucrânia, e os plebiscitos foram afirmativos por larga margem. Frente a isso, o governo golpista na Ucrânia iniciou uma guerra contra essas regiões e sua população civil, bombardeando-a e realizando incursões militares agressivas desde 2014, até a entrada da Rússia na situação em 2022, como uma força de libertação, em apoio às proclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk, que não foram incorporadas pela Rússia naquele primeiro momento e até a Operação Militar Especial de 2022.
Mais, os planos para a Ucrânia incluíam a instalação de sistemas de lançamento de mísseis no país, e o estabelecimento de grande contingente de tropas internacionais, da OTAN. Além disso, um outro ponto que demonstra a preparação da Ucrânia como ponta de lança para uma ofensiva contra a Rússia é que, logo no início da operação russa em território ucraniano, foram descobertos uma série de laboratórios secretos de desenvolvimento de armas biológicas próximos à fronteira, laboratórios esses operados por forças internacionais, como os EUA. Não é esse o papel da Finlândia, nem hoje, nem historicamente, e seu ingresso na OTAN foi realizado sem, ao menos até o momento, pretensões agressivas contra a Rússia por parte deste país, no que pode ser compreendido a princípio como uma realização mais diplomática que militar, comparando-se à situação com a Ucrânia.
Um outro ponto a colocar, que também demonstra o caráter da ofensiva imperialista, da OTAN contra a Rússia, que utilizava a Ucrânia como vassalo para tanto, é o caráter da própria ofensiva. Imediatamente, ao atacar a base militar que era organizada em sua fronteira, a Rússia teve seus jornais bloqueados em todo o mundo, em plataformas como Google, YouTube, Facebook, Twitter, etc. Artistas russos foram impedidos de participar em concursos e apresentações a não ser que renunciam a seu país e declarasse apoio à Ucrânia (à ofensiva da OTAN contra a Rússia). Músicas clássicas de procedência russa deixaram de ser tocadas, pratos de origem russa deixaram de ser servidos. Estabeleceu-se um cerco mundial à Rússia, movido pelo conjunto do imperialismo, que se utilizou para isso de todos os seus vassalos no planeta. Inclusive o uso da letra “Z”, em vários países, como a Alemanha, foi banido, por ser um símbolo do apoio à Rússia na guerra. Como sustentar, portanto, tratar-se de uma agressão da Rússia frente a tal campanha?
A questão militar
Como demonstrado, a operação russa na Ucrânia foi uma operação defensiva, para impedir o fim da preparação que se dava para atacar o país por parte da OTAN. A seguir, o artigo trata do que seria uma questão militar da Rússia:
“A ‘indiscutível superioridade russa’ no campo de batalha, como coloca, e que seria suficiente para explicar a mudança de postura do governo americano sob os princípios da teoria realista, se trata do estagnado controle do equivalente aproximado de quatro estados a leste e sudeste da Ucrânia, que não se movem dos cerca de 18 a 20% do território ucraniano total há um ano e meio […] qualquer perspectiva mais simpática a essa irredutibilidade das conquistas russas diante do aporte de recursos europeus precisa igualmente considerar a incapacidade de avançar para além disso, e vice-versa. Um impasse, portanto, retratado como ‘indiscutível superioridade’.”
Ora, esse ponto demonstra o que foi colocado. A Rússia anexou o Donbas, a região de maioria de falantes russos, que já haviam inclusive pedido para serem anexados pela Rússia, e evitou uma progressão militar. A estabilização das fronteiras do conflito é demonstrativo disso, visto que sequer a Rússia bombardeou a infraestrutura da Ucrânia, nem perto do que poderia. O número de vítimas do lado ucraniano, apesar de gigantesco, é de forças militares. A incursão russa evitou deliberadamente os alvos civis, e não desenvolveu a guerra, também propositalmente, a uma intensidade maior, situação em que seria visível o sacrifício da população civil ucraniana.
Imperialismo russo?
A seguir, a matéria volta à acusação de imperialismo da Rússia:
“A ‘economia [russa] assumindo cada vez mais um caráter também imperialista para os países com os quais se relacionam’. Dito assim, como nota de rodapé, em vez de assumir a devida centralidade da conceituação de um dos dois lados do conflito e a explicação central de por que países como Ucrânia, Geórgia e Cazaquistão são mais suscetíveis à intervenção russa do que a Finlândia ou os países bálticos.”
Seria preciso primeiro, para o autor, que caracteriza a Rússia como imperialista, demonstrar por que um país imperialista conseguiria influenciar apenas seus vizinhos imediatos. Mais, teria que demonstrar como a Rússia “interviria” nos mesmos. A Ucrânia, vizinha da Rússia, teve seu governo derrubado pela OTAN. Ora, onde está a intervenção russa? Tentativas de golpe se proliferam ainda na fronteira russa, mesmo agora, como na Romênia, e em países com proximidade histórica com Moscou, como na Sérvia. Assim, a colocação a seguir se demonstra uma farsa completa:
“Sem a devida ênfase no caráter interimperialista do conflito, abrindo margem para proliferação de interpretações campistas e pró-russas da política internacional.”
Campismo aqui, é importante ressaltar, é um termo hoje utilizado pelo imperialismo para combater uma política clara do cenário internacional, que opõe o imperialismo a setores nacionalistas e soberanistas nos países atrasados. Isso é o chamado “campismo” atual. A denúncia do “campismo” é apenas mais uma demonstração da política profundamente pró-imperialista defendida pelo PCBR. E a equivalência, utilizando o termo “pró-russas” como se fosse um fenômeno como o real pró-imperialismo do veículo, é apenas mais uma das confirmações do alinhamento do mesmo.