Foi publicado no dia 16 deste mês uma coluna escrita por Moisés Mendes para o sítio Brasil 247, intitulada Com o fiasco no Rio, Malafaia abre a porta da cadeia para a prisão de Bolsonaro. Segundo o texto, a manifestação bolsonarista ocorrida no Rio de Janeiro teria sido um fiasco, o que abriria as portas para a prisão de Bolsonaro, como nos trechos selecionados a seguir:
“O vexame da aglomeração em Copacabana foi a segunda armadilha preparada por Malafaia para a extrema direita. Em abril do ano passado, esperavam mais de 500 mil pessoas na praia e apareceram 33 mil.
Nesse domingo, chegaram a anunciar uma multidão de mais de 1 milhão de bolsonaristas. O cálculo mais preciso, com direito a número com vírgula, chegou a 18,3 mil, segundo estimativa de técnicos da USP.”
Não vamos aqui entrar no mérito dos números. No entanto, fica a dúvida, o ato bolsonarista realmente foi um fiasco?
Temos de lembrar que, antes da eleição de Bolsonaro para presidente em 2018, a esquerda repetia à exaustão os mesmos argumentos que repete agora, como os de que os bolsonaristas seriam “meia dúzia de gatos pingados”, que não conseguiam juntar pessoas, que seus eleitores eram em sua maioria crianças (depois, seriam todos idosos) e muitas outras críticas ao tamanho do movimento que se iniciava.
Em pouco tempo, porém, o bolsonarismo cresceu e Bolsonaro se tornou a principal figura política de toda a direita, evidenciando que subestimar o adversário nunca é uma política sábia.
Se subestimar o adversário quando esse ainda é pequeno já levou a esquerda a um desastre no passado bem recente, neste caso em específico é ainda pior. Isso porque ao contrário da extrema direita, o campo não tem levado ninguém às ruas. Se o ato bolsonarista parece pequeno, em relação ao que a esquerda faz é gigantesco.
É preciso lembrar que no ano passado, a esquerda não conseguiu levar ninguém ao ato de Primeiro de Maio, uma data de luta histórica que sempre levou muitos trabalhadores às ruas. Neste ano, com exceção do PCO que realizou uma manifestação no Oito de Março, nenhum partido de esquerda fez nada minimamente relevante.
Já as manifestações pela Palestina, que levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas no mundo todo, no Brasil não tiveram grande alcance por conta do boicote da maioria da esquerda aos atos.
Moisés segue:
“Alguém deveria ter avisado o pastor de que não daria certo. Que há um cansaço com o discurso de que é preciso salvar os manés do 8 de janeiro para assim livrar também Bolsonaro e seus generais golpistas.”
Seria esse parágrafo uma confissão de que a esquerda não quer lutar? Porque, se os bolsonaristas se cansaram e por isso não colocaram um milhão de pessoas nas ruas, o que dizer da esquerda, que não coloca sequer um centésimo dos 18 mil?
Isso demonstra a falência da política da esquerda. Quantas pessoas estariam dispostas a fazer um ato pedindo a prisão dos presos políticos do oito de janeiro?
Fora isso, em crises do governo Lula, como foi a crise do Pix, a extrema direita conseguiu demonstrar que possui influência sobre a população. Subestimá-la não é o caminho.
Mas Moisés continua se esforçando para não ver o óbvio: “Malafaia, o organizador do ajuntamento, conseguiu chamar até Tarcísio de Freitas ao Rio, mas não teve forças para atrair apoiadores para os ataques ao STF. Malafaia, o anfitrião, é o principal culpado pelo fiasco, por não ter avaliado as chances de que daria tudo errado.”
Num mesmo parágrafo, ele diz que “até Tarcísio de Freitas” foi levado por Malafaia ao ato para, na sequência, dizer que Malafaia não levou nenhum apoiador. Como é possível acreditar que levando às manifestações o governador do principal estado brasileiro, que governa quase 45 milhões de pessoas, os bolsonaristas não teriam “forças para atrair apoiadores”?
Moisés, no entanto, continua desdenhando da força do bolsonarismo e, sem querer, revela detalhes interessantes daquilo que pensa:
“Bolsonaro sai alquebrado para enfrentar a última etapa do seu purgatório, até o que acontecerá dia 25 de março no Supremo, quando os ministros vão aceitar a denúncia da PGR e transformá-lo em réu.”
Em primeiro lugar, é horrível a metáfora do “purgatório”. Isso porque, segundo a tradição do catolicismo, de onde Moisés tirou a palavra, a “a última etapa” do purgatório seria justamente a antessala do paraíso, ou seja, se a caminhada até dia 25 de março é o purgatório de Bolsonaro, significa dizer que ele será inocentado e que a PGR não aceitará a denúncia.
No entanto, Moisés quis dizer o contrário, que o STF aceitará a denúncia e iniciarão o julgamento contra Bolsonaro, já que o ex-presidente não teria tido o apoio suficiente durante os atos.
Isso evidencia a perseguição política contra Bolsonaro, já que Moisés acredita que, caso os atos fossem imensos, Bolsonaro teria apoio e não seria preso. Se a quantidade de pessoas que vão às manifestações é relevante e não as acusações em si, o motivo para a prisão só pode ser político. Caso contrário, caso se tratasse de um julgamento sério e orientado pela lei, o STF analisaria tudo friamente, sem olhar quem ou quantos apoiam Bolsonaro.
Mais para o fim do texto, Moisés passa a atacar as pessoas que caminham na Avenida Paulista aos domingos, tentando justificar um provável aumento dos atos bolsonaristas, que devem acontecer na cidade de São Paulo:
“A Paulista das aglomerações já funciona aos domingos como um ímã de todos os tédios da classe média da velha e da nova direita das proximidades, que não tem o que fazer nos fins de semana além de arrastar chinelos e puxar seus poodles pela coleira na avenida ou no Ibirapuera.”.
Moisés é da ala da esquerda contra as “aglomerações”, o que significa dizer que é contra a realização de atos públicos, inclusive se utilizando de argumentos da época da pandemia, quando a esquerda se negava a enfrentar Bolsonaro nas ruas.
Se tivesse participado do movimento pelo Fora Bolsonaro, Moisés talvez teria caminhado na Paulista em um domingo e teria visto a quantidade de pessoas que se animavam com os adesivos, panfletos e palavras de ordem. Muitas das pessoas “aglomeradas” ali, inclusive, são apoiadoras do PT e o próprio PCO chegou a fazer pelo menos uma manifestação pelo Fora Bolsonaro na avenida em questão.
Também não há sentido nenhum em tentar fazer chacota das manifestações bolsonaristas, chamando-as de pequenas, quando se critica as “aglomerações”. Até porque para que o movimento seja grande, sem dúvida as pessoas se aglomerarão.
No entanto, o trecho destaca que já há uma preparação para caso as manifestações em São Paulo sejam maiores. Moisés não vai mais chamá-las de “pequenas”, mas partirá para a política de que a população não pode se aglomerar.
Por fim, Moisés fala sobre o governador de São Paulo, que seria o responsável pelas próximas manifestações bolsonaristas:
“E Tarcísio de Freitas, que apareceu com a camiseta azul da Seleção, na tentativa de se diferenciar do amarelo periquito de Bolsonaro e Malafaia, pode até disfarçar que não é, mas também está entre os perdedores. Poucos apareceram para vê-lo como a salvação do bolsonarismo.
É dele agora a responsabilidade de fazer em São Paulo o que Malafaia não conseguiu em Copacabana. O Projeto T precisa provar que, com Bolsonaro morto, Tarcísio fica mais vivo e tem condições de seguir em frente sem o sujeito que o inventou.”
É surreal a declaração, pois, segundo o colunista, Tarcísio teria ido ao Rio de Janeiro, participado da manifestação bolsonarista, teria subido ao carro de som da manifestação, feito declarações para o público presente e tirado fotos com Bolsonaro, mas teria feito tudo isso com a camisa azul e não amarela para se distanciar de Bolsonaro.
Segundo essa ideia, qualquer um poderia participar das manifestações bolsonaristas, mas, bastaria ir com outra camiseta para não ser confundido.
É a velha cegueira da esquerda que só consegue ver o fascismo quando o fascista usa suástica, mas não quando faz as mesmas coisas que um fascista faria, porém, com roupa normal.
Tarcísio não quer se distanciar de Bolsonaro. Pelo contrário, Tarcísio necessita da proximidade de Bolsonaro para conseguir ser presidente. Caso se afaste, acabará como um político qualquer da direita, sem voto.
Sua tática reside em que Tarcísio precisa esperar até que Bolsonaro não possa concorrer e, a partir de então, tentar conquistar o voto dos bolsonaristas. No entanto, sem a “benção” de Bolsonaro, Tarcísio não é capaz de nada. Assim como a política derrotista e direitista de Mendes, que se seguida, levará a esquerda a uma derrota ainda pior do que as sofridas desde o golpe de 2016.
Em primeiro lugar, é preciso parar de subestimar a força da extrema direita, especialmente quando a esquerda não consegue colocar ninguém nas ruas. Em segundo, mudar radicalmente essa política anti-povo, que é o que Mendes expressa ao menosprezar aglomerações em geral, por atos ou passeios públicos. Faz muito sentido para quem quer ver a direita mais forte, mas é um suicídio político o que o colunista pede.