O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) publicou em seu sítio uma matéria chamada O PSOL, o PT, o Governo Lula e a extrema direita em que polemiza com seu antigo membro e atual integrante do PSOL Valério Arcary. A posição de Arcary, conforme veremos, é de fato absurda. Mas a crítica do PSTU, por sua vez, revela que o partido não fica atrás do oportunismo de seu ex-dirigente.
Comecemos pelo que diz Arcary:
“Não estamos numa etapa em que a relação de forças entre a revolução e a contra revolução evoluía favoravelmente à revolução nos países periféricos. Ao contrário. Estamos à beira do abismo, do perigo de um inverno siberiano, de uma derrota histórica. Logo, precisamos do Lula, do Lula moderado, do Lula que negocia com o Centrão a governabilidade no Congresso Nacional, do Lula que apoiou o Hugo Motta. Nós precisamos desse Lula para derrotar a extrema direita porque estamos à beira do abismo, de uma catástrofe histórica que vai exigir o intervalo de uma geração para ser superada.”
É uma política criminosa. Embora se diga “militante trotskista”, Arcary está defendo abertamente que o governo Lula, um governo de base popular, fique a reboque da direita e da extrema direita nacional. A tal “negociação” que ele trata não é sequer um compromisso no qual o governo faz algumas concessões para a direita e, em troca, recebe a permissão para avançar em algumas reformas sociais. Conforme os dois anos de governo Lula mostraram, a “negociação” não é uma política de “toma lá, dá cá”, e sim uma política de “toma lá, toma lá”.
A única coisa que o governo está conseguindo – de forma temporária – ao ceder tanto a direita é evitar que a pressão contra ele se torne mais explícita. Isto é, que a imprensa não faça uma campanha tão intensa contra o governo como fez na época do golpe de 2016, que os militares não ameacem abertamente derrubar o governo, que os norte-americanos não sancionem o País etc. No entanto, do ponto de vista do interesse dos trabalhadores – que é o único ponto de vista que um “militante trotskista” deveria defender -, essa política não traz nenhum benefício. Pelo contrário, desmoraliza o governo perante as massas, causando o seu enfraquecimento e, portanto, deixando o caminho livre para que o imperialismo invista contra o País.
O PSTU, ao criticar a política hiper-oportunista de Arcary, acaba revelando, no entanto, a sua própria faceta oportunista. Vejamos.
“Quer dizer, Valério diz que dá para derrotar a extrema direita e o “fascismo” apoiando o governo Lula, com Arcabouço Fiscal e tudo (…). Valério não exige que o governo rompa com a burguesia ou com o Arcabouço Fiscal. Está contra inclusive que se exija do governo a revogação das reformas Trabalhista e da Previdência, ou que Lula pare as privatizações e reestatize as empresas de energia e o saneamento, por exemplo”.
A tese de que é impossível combater a extrema direita sem combater a política neoliberal é absolutamente correta. A extrema direita, independentemente da diversidade de seus partidos e lideranças, cresce, como regra, diante da insatisfação social causada pela política de rapina dos grandes banqueiros. Se a esquerda não combate essa política, acaba sendo associada a ela, o que joga água no moinho da extrema direita. Uma política combativa, que se volte contra a política neoliberal, enfraqueceria a base social da extrema direita e a obrigaria a ser sustentada diretamente pelo grande capital.
O erro do PSTU está, no entanto, com a confusão que faz com a ideia de “apoiar o governo”. Apoiar o governo significa, rigorosamente, apoiar a sua política. Então, de fato, não, o papel da esquerda não deveria ser o de “apoiar o governo”, pois isso implicaria em apoiar a contemporização com a política neoliberal e, portanto, jogar água no moinho da extrema direita. Mas dizer isso não é suficiente. Se a esquerda revolucionária não deve apoiar o governo, que política deve ter diante dele?
Embora não o diga abertamente, para o PSTU, a política correta seria a de apresentar o governo como um inimigo dos trabalhadores. Isto é, apresentar os erros do governo como fruto de um “projeto” pessoal do presidente Lula. O obstáculo maior, assim, não seria o grande capital, que pressiona o governo, mas sim a mentalidade do presidente da República:
A queda de popularidade do governo mostra a inviabilidade do seu projeto capitalista “social liberal”, que gera cada dia mais frustração na classe trabalhadora e nos setores médios, porque, apesar de pequenas concessões (que estão sendo atacadas), como o aumento do mínimo acima da inflação, a promessa de isenção dos R$ 5 mil do IR (que, se aprovada para 2026, não valerá a mesma coisa que em 2024) ou o aumento do emprego (precário e com baixos salários) não são suficientes para melhorar a vida. A carestia dos alimentos é muito superior ao aumento do salário; o trabalho precário tem longas jornadas e baixíssimos salários, enquanto o governo dá generosos subsídios aos monopólios capitalistas e mantém intocado os lucros do sistema financeiro. Não bastasse, o governo que botou simbolicamente os pobres e oprimidos para subir a rampa na posse, rifa suas pautas para aliar-se ao Centrão e à direita.
Se o problema é tão somente o “projeto”, então a única política sensata seria propor a derrubada do governo. Afinal, o PSTU apresenta Lula como alguém acima das classes sociais, como se estivesse seguindo uma política econômica direitista não porque estivesse sendo pressionado, mas sim porque ele representaria essa política em si.
Isso não é fato. As posições mais direitistas do governo Lula, como o Plano Haddad, que mais afetam negativamente os trabalhadores, são fruto da pressão exercida pelo imperialismo contra o governo. O governo é fraco perante a pressão do grande capital e, por isso, capitula ou se adapta a ele. Lula em si não tem um “projeto” neoliberal, mas sim uma política de tipo nacionalista, que visa desenvolver o País. Mas, diante da pressão, está cedendo e abrindo mão do que ele mesmo se propunha a fazer.
Essa caracterização é importante para definir qual a política revolucionária em relação ao governo. É preciso apoiar os seus acertos, uma vez que eles enfraquecem a posição do imperialismo no País, e criticar os seus erros, esclarecendo às massas que esses erros irão fazer o governo fracassar – e, assim, anular os seus acertos. Com essa política, é possível, mesmo diante da crítica a um governo de esquerda, educar as massas para que se tornem conscientes de seu maior inimigo: o imperialismo.
O PSTU se nega a levar essa política adiante porque sequer é incapaz de compreender a ação do imperialismo sobre o País. De tão adaptado que está à sua política, o partido ignora a pressão do grande capital e vê apenas o governo Lula como responsável pelos desastres do País.
Isso fica claro quando o partido, que também se diz “trotskista”, parte em defesa da política imperialista da Marina Silva:
“E o governo Lula não apenas não desautoriza nada disso, como se abraça ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil) para defender exploração de petróleo na Margem Equatorial e atacar o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ”.
A exploração do petróleo da Margem Equatorial é um passo essencial para o desenvolvimento nacional. Isso fica muito claro, diante situação atual na vizinha Guiana – onde a exploração da Margem Equatorial possibilitou que o PIB o país crescesse 48% em 2022. A política defendida pelo PSTU serve apenas aos interesses dos abutres internacionais, que gostariam que o petróleo ficasse lá até que as petrolíferas estrangeiras e seus aliados políticos possam controlar o País e roubar toda essa imensa riqueza do povo brasileiro. As patifarias do Ibama são o típico exemplo concreto da pressão do imperialismo sobre o País.
Da mesma forma, o PSTU, de maneira enrustida, enaltece a grande trincheira do imperialismo no regime político, o Supremo Tribunal Federal (STF):
“Para não falar que o governo, depois do 8J ter significado uma derrota para a direita, atuou para manter as Forças Armadas intactas e o entulho autoritário do Artigo 142 na Constituição, como mantém José Múcio como ministro da Defesa (…). É evidente que devemos exigir a prisão de Bolsonaro e nenhuma anistia. ”.
Ora, dizer que o 8 de janeiro teria sido uma derrota da direita é o mesmo que dizer que Alexandre de Moraes, o homem de confiança de Michel Temer, teria impedido um “golpe de Estado” em 2022. É uma frente única com a instituição mais reacionária do País em uma cruzada contra os direitos democráticos do povo.