O artigo de Moisés Mendes publicado no portal de esquerda Brasil 247 sob o título O inquérito sem fim completa seis anos esconde, por trás de uma fachada esquerdista de luta contra o fascismo, uma tese profundamente direitista, alinhada aos interesses do imperialismo e à destruição da soberania nacional. Nele, Mendes exalta o “Inquérito das Fake News”, conduzido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que, há seis anos, usa suas das mais loucas arbitrariedades como uma suposta arma contra o bolsonarismo. Mendes, no entanto, aparenta ignorância com o fato desse mesmo mecanismo ser herdeiro político direto da operação que perseguiu a esquerda no passado e hoje mira o bolsonarismo, pela única razão de que este campo da direita se tornou, no momento, o principal obstáculo à consolidação de um regime ainda mais devastador para as classes subalternas e subserviente aos monopólios imperialistas.
Essa visão míope não é apenas um erro de análise: é uma capitulação aos inimigos históricos do povo brasileiro, travestida de luta democrática. A Operação Lava Jato, da qual o inquérito de Moraes é um desdobramento, foi uma ofensiva calculada contra a burguesia nacional, a economia do País e a classe trabalhadora brasileira. Seu objetivo nunca foi combater a corrupção, mas reorganizar o regime político para submeter o Brasil a um choque neoliberal, que beneficiasse banqueiros e monopólios imperialistas.
A Petrobrás, empresa fundamental para a soberania do País, foi desmantelada, enquanto a dinâmica indústria da construção civil foi reduzida a escombros. Esse ataque abriu as portas para a entrega de recursos estratégicos, como o pré-sal, às mãos de corporações estrangeiras, destruindo a capacidade do País de resistir à voracidade do capital internacional. Naquele momento, o PT tornou-se um dos alvos prioritários: a prisão de Lula, o golpe de 2016 e a ascensão de Temer e Bolsonaro foram etapas de um plano para neutralizar qualquer projeto de desenvolvimento independente.
Embora a Lava Jato não tenha destruído o PT, ela o enfraqueceu o suficiente para que a extrema direita, sob Bolsonaro, ocupasse o espaço de resistência da burguesia doméstica ao imperialismo. Esse é o pano de fundo da batalha em curso, na qual Moraes atua como um instrumento da ditadura mundial para manter o Brasil de joelhos. Isso é o que Mendes defende quando apoia as loucuras do ministro.
O “Inquérito das fake news”, instaurado em 14 de março de 2019 pelo STF e conduzido por Moraes, é uma afronta jurídica e um crime contra os princípios mais básicos do Estado de Direito. Aberto sem denúncia formal do Ministério Público, por meio de uma malandragem que considerou um artigo lido em computadores do STF um ataque a seus membros nas dependências do órgão, ele viola o devido processo legal e concentra poderes ditatoriais nas mãos de Moraes, que atua simultaneamente como investigador, acusador e julgador – um modelo que remete às piores práticas não apenas da Lava Jato, mas das ditaduras fascistas em geral e até da Idade Média.
Sob a desculpa vaga de combater “atos antidemocráticos” e “milícias digitais”, o inquérito se tornou uma ferramenta de perseguição política, agora voltada contra o bolsonarismo, mas com raízes na mesma política que antes alvejou a esquerda. Seu caráter criminoso não está apenas na ilegalidade, mas no propósito: manter o País ajoelhado aos interesses imperialistas, punindo quem quer que represente, mesmo que de forma distorcida, um obstáculo a esse projeto. Enquanto a Lava Jato mirou a burguesia nacional e o PT para abrir caminho ao neoliberalismo, Moraes foca na extrema direita não por seus crimes reais, mas por sua inconveniência momentânea ao domínio total.
Mendes, no entanto, deixa escapar em seu próprio texto uma confissão velada da fragilidade desse inquérito. Ele escreve:
“Como Moraes irá fechar o caso das fake news – que virou inquérito de tudo um pouco (grifo nosso)–, quando tiver todas as deliberações do Ministério Público, sem correr o risco, se não conseguir enquadrar os citados lá na origem, de atiçar os que estão à espera para dizer eu avisei que iria dar em nada?”
Aqui, o articulista reconhece, ainda que de maneira hesitante, que o inquérito é um monstro jurídico sem rumo ou legitimidade, cuja conclusão parece impossível sem expor sua própria insanidade. Mendes, porém, não vai além dessa dúvida superficial, livrando assim, o verdadeiro motor dessa política é o imperialismo, o setor mais poderoso da burguesia dos países desenvolvidos, responsável pela tenebrosa Ditadura Militar (1964-1985) e pela destruição sistemática da economia nacional desde os anos 1980.
Foi esse mesmo setor que sustentou os dois anos de FHC, com suas privatizações selvagens e a epidemia de fome que ao fim, matava 300 crianças diariamente no País; que arquitetou a Lava Jato, o golpe de 2016, a prisão de Lula e a ascensão da extrema direita; que respaldou o governo criminoso de Temer e os desmandos de Bolsonaro – como o abandono do povo na pandemia, o Marco das Águas, a privatização da Eletrobras e a entrega da base de Alcântara. Bolsonaro não é julgado por esses crimes reais, mas por ser um problema político ao imperialismo, ou seja, por não ter sido suficientemente servil.
Ao defender as loucuras de Moraes e do STF, Mendes se torna, sem perceber, um serviçal dos mesmos interesses que devastaram o Brasil ao longo de décadas. O imperialismo, que hoje apoia Moraes, é o mesmo que orquestrou a Ditadura Militar, que destruiu a indústria nacional, que impôs o neoliberalismo de FHC e que, mais recentemente, criou as condições para o golpe de 2016 e o governo de Temer. Bolsonaro, com todos os seus crimes – do genocídio na pandemia à entrega de riquezas nacionais –, é perseguido não por sua monstruosidade, mas por não ter sido monstruoso o bastante aos olhos do imperialismo, que exige submissão total.
O inquérito de Moraes, nesse sentido, é uma peça na construção de um regime de terror que, como em 1964, se apresenta como “defensor da democracia” para enganar os incautos. Mendes, ao cair nessa falácia, engana a esquerda que diz representar e legitima uma política que historicamente massacrou as classes subalternas e o nacionalismo brasileiro em nome dos banqueiros e monopólios imperialistas.
A tragédia é ainda maior porque parte da esquerda, iludida por essa campanha propagandística, segue aplaudindo Moraes como um salvador, sem ver que o verdadeiro inimigo não é apenas o bolsonarismo, mas o imperialismo que o gerou e agora o descarta. A luta autêntica não está em celebrar inquéritos ilegais ou o STF, mas em desmascarar essa farsa e organizar a resistência contra um regime que, sob o disfarce da “democracia”, avança para esmagar o País.