No dia 9 de março, o youtuber Jones Manoel, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), publicou um vídeo em seu canal no YouTube intitulado Fred Krepe analisa a relação entre Ciro Gomes e a esquerda radical. Trata-se de uma longa discussão sobre um vídeo anterior do também youtuber Fred Krepe, apoiador do ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT).
Pouparemos o leitor da maior parte do lenga-lenga. Krepe, em sua vez, pede aos apoiadores de Ciro Gomes que não hostilizem o que ele considera “esquerda radical”, pois considera que essa poderia se aliar ao presidenciável em uma eventual candidatura no próximo pleito. Por “esquerda radical”, Krepe quer dizer, na verdade, “esquerda golpista”, uma vez que são os setores que, assim como o abutre Ciro Gomes, fazem uma crítica que tem como fim a “desmascarar” o governo Lula – isto é, preparar a sua queda.
Ao chegar sua vez de falar, Manoel se mostra comovido com o vídeo de Krepe e procura qual seria a sua posição diante de uma eventual candidatura ou mesmo de um governo de Ciro Gomes. Essa posição pode ser resumida na seguinte fala:
“Nós, comunistas, somos oposição pela esquerda a qualquer governo no capitalismo.”
Até aí, muito bonito. Manoel – diz ele – é “comunista” e Ciro Gomes não. Manoel – diz ele – defende a ditadura do proletariado, enquanto Ciro Gomes se propõe a administrar a máquina da ditadura da burguesia sobre os trabalhadores. Mas a questão importante aqui é: qual a posição de um comunista em relação a Ciro Gomes na política imediata?
Em sua análise, há dois pontos levantados por Manoel que mostram que ele não é, nem por acaso, comunista. O primeiro deles é a caracterização de Ciro Gomes como um “nacionalista”. Diz ele:
“O trabalhismo, historicamente, tem uma corrente mais à direita, que é o nacionalismo burguês, que não se propõe nunca a superar o capitalismo. Um capitalismo mais democrático, mais industrializado, com menos pobreza, com menos miséria, com menos desigualdade. E tem uma tradição socialista revolucionária, ainda que em vários momentos essa tradição revolucionária no trabalhismo tenha (…) a ideia de que é possível fazer uma transição gradual ao socialismo. Então, assim, na tradição trabalhista sempre teve corrente mais à esquerda e corrente mais à direita. O próprio Brizola e o Jango, no pré-golpe de 1964, simbolizavam isso. Brizola era o cara da esquerda, Jango, da direita. Brizola, a partir de 58, objetivamente defendia o nacionalismo revolucionário, o Jango nunca deixou de ser só um reformista. (…) Ciro se insere na corrente à direita do trabalhismo”.
Acontece que o tal “trabalhismo” não existe mais. Jones Manoel, que confunde a Internet com o mundo real, acha que só porque o PDT se chama Partido Democrático Trabalhista que o partido tem alguma coisa a ver, de fato, com o trabalhismo do século passado. Fosse assim, teríamos de levar a sério que Geraldo Alckmin se tornou “socialista” por ter ingressado no PSB, o Partido “Socialista” Brasileiro. Talvez Jones Manoel até acredite mesmo nisso, uma vez que, há não muito tempo, era pago para escrever artigos para o partido da Família Campos.
O PDT é um partido burguês típico. Em Pernambuco, estado de Jones Manoel, o cacique do partido, Wolney Queiroz, firmou uma aliança com o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro. É uma espécie de “pega-tudo”, como o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Uma legenda de aluguel, sem nenhuma orientação política definida.
No esqueminha criado por Manoel, Gomes seria, então, alguém equivalente a João Goulart. Afinal, ambos seriam filiados a partidos “trabalhistas” e não seriam socialistas. Será?
Sem querer, Jones Manoel acerta quando afirma que João Goulart representaria o nacionalismo burguês. O que ele não entende é que Leonel Brizola também era um nacionalista burguês – afinal, o nacionalismo é burguês. O comunismo, que Manoel diz defender, é internacionalista.
O nacionalismo burguês é um fenômeno típico de países atrasados como o Brasil. É o movimento pode até ser apoiado por amplos setores das massas populares, incluindo a classe operária, mas que é dirigida pela burguesia nacional do país. A burguesia nacional dos países atrasados, por sua vez, tem a característica de ser semi-oprimida e semi-opressora. Isto é, oscila entre reprimir a classe operária quando vê seus interesses sob risco e em se apoiar na classe operária quando se vê muito sufocada pelo imperialismo.
Há muitas variantes no nacionalismo burguês, de modo que pode-se tanto considerar o presidente esquerdista Nicolás Maduro, da Venezuela, como um nacionalista burguês, como o ex-presidente direitista argentino Juan Domingo Perón. É também comum que um mesmo representante do nacionalismo burguês se radicalize muito, a depender da evolução da situação política. Certamente o caso mais destacado é de Fidel Castro, que se propôs a dirigir um movimento democrático em Cuba, mas, no decorrer do processo, expropriou a burguesia.
Ciro Gomes não representa, em nenhum sentido, esse fenômeno. Ele é um político que representa a ditadura do grande capital sobre o País. Ele iniciou sua carreira política no partido da ditadura militar, o Partido Democrático Social (PDS), tendo sido eleito vereador da cidade de Sobral em 1982. Considerando que o movimento operário estava em um grande ascenso na luta contra a ditadura, nenhum nacionalista burguês de fato iria se filiar ao PDS.
Pouco tempo depois, Ciro Gomes se filia ao MDB. Esse movimento, por sua vez, não representou um progresso. Na crise terminal da ditadura, o grande capital começou a abandonar o PDS e adotar o MDB como o seu principal partido. Gomes apenas acompanhou o movimento.
Em 1983, a carreira de Gomes dá um salto. O motivo? Conheceu o empresário Tasso Jereissati. A partir de então, se tornaria uma espécie de piolho, um puxa-saco do empresário. Jereissati não era qualquer empresário, mas sim alguém estritamente vinculado ao grande capital. Ele é dono de uma emissora de televisão local, afiliada à Rede Bandeirantes, e dono da companhia Solar, uma das maiores fabricantes de Coca Cola do mundo. Em 2021, era considerado o senador mais rico do Brasil.
Não tardou para que Jereissati e Gomes mudassem de partido. Assim como Gomes acompanhou o deslocamento do grande capital do partido da ditadura militar para o MDB, ele acompanhou o movimento do grande capital para o PSDB. O PSDB, na época, era o novo partido da burguesia, que precisava dar uma saída para a crise do MDB. Foi com o PSDB que a burguesia conseguiu, pela primeira vez, implementar o seu “choque” neoliberal durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Ciro Gomes participou diretamente desse processo, inclusive do famigerado plano real, um plano de devastação da economia nacional.
Durante o período em que esteve no PSDB, Ciro Gomes foi governador do Ceará. Neste período, um episódio marcante mostrou o quanto era um capacho do imperialismo. Segundo João do Amaral Gurgel, fabricante do carro brasileiro mais competitivo da história, Ciro Gomes foi diretamente responsável pela sabotagem de sua empresa, o que acabou o levando a falência, favorecendo as montadoras estrangeiras.
Em 2016, enquanto estava em curso o golpe de Estado contra Dilma Rousseff, Ciro Gomes presidia a empresa de Benjamin Steinbruch, um dos principais patrocinadores do golpe.
Levando a trajetória de Ciro Gomes em consideração, a única política que um comunista poderia ter em relação a ele é a de denunciá-lo como um impostor. Ele não pertence às fileiras da esquerda, nem é amigo da esquerda. Ele é empregado do maior inimigo. Ele é um inimigo e deve ser tratado como tal.
Se fosse candidato, deveria ser alvo de uma campanha para ser desmascarado. Se fosse eleito, deveria ser alvo de uma campanha para ser derrubado.
O segundo ponto levantado por Jones Manoel diz respeito às eleições em si. O youtuber não deixa dúvidas de que votaria em Ciro Gomes caso ele fosse para o segundo turno em uma disputa com Fernando Haddad (PT):
“Eu não apoiaria, não defenderia, apoiar no primeiro turno Ciro Gomes, em hipótese nenhuma. (…) o segundo turno, eu votaria no Ciro Gomes, sem problema nenhum. Gente, eu votei no liberalzinho do Haddad, votaria no Ciro Gomes. Aliás, se fosse um segundo turno entre o Ciro Gomes e o Haddad, não tenha dúvida que eu, no debate interno da minha organização, defenderia o voto no Ciro.”
Antes de entrar no mérito sobre apoiar Ciro Gomes ou não, chamamos a atenção para a própria formulação de Manoel. Desde o golpe de 2016, o País se encontra profundamente polarizado. Nas eleições presidenciais, essa polarização se expressa claramente entre a figura do presidente Lula e a direita golpista. Se houver um segundo turno, será, necessariamente, entre essas duas forças. Sendo Haddad o candidato de Lula, Ciro Gomes seria o que, nessas circunstâncias? Jones Manoel, uma vez mais, ignora completamente a realidade e se deixa levar pelos discursos de seu amigo “trabalhista”.
Fato é que, independentemente disso, um comunista não votaria nem em Haddad, nem em Gomes, uma vez que o seu critério deveria ser de classe: ao chamar voto, seja em que turno for, para uma candidato de outra classe social, se está colocando a classe operária a reboque dessa classe, seja da burguesia ou da pequena burguesia. Não importa se no primeiro turno Jones Manoel fez propaganda para um candidato “comunista”, defender o voto para outra classe no segundo turno semeia tanta ilusão quanto.
Em outro trecho, Manoel fala ainda mais abertamente sobre isso:
“Então, para mim, é muito claro: vale mais a pena apoiar uma candidatura comunista que tenha 5.000 votos e faça uma campanha de massa no primeiro turno, ou então apoiar uma candidatura de um reformista, melhorzinho que o PT, que vai ter 15 milhões de votos e talvez vá para o segundo turno? Para mim, apoia a candidatura comunista. Inclusive, um comentário rapidinho: eu acho maravilhoso o instituto do segundo turno, sabia? Na moral. Eu acho maravilhoso. Tem muita gente que fala mal e tal, mas eu acho que a reeleição no modelo brasileiro é, de fato, um problema. Mas o instituto do segundo turno, para mim, é fundamental, porque ele dá oportunidade, no processo eleitoral, de você fazer uma afirmação programática, uma afirmação de programa, e, depois, no segundo turno, você fazer uma redução de danos, né?”
O que youtuber nos revela é que ele acha “maravilhoso” que a burguesia chantageie a população para que sempre escolha os seus candidatos. É a política do “mal menor” – ou, como acaba de inventar o youtuber, “redução de danos”.
Essa política tem sido responsável por incontáveis desastres, no Brasil e no mundo. Foi ela, por exemplo, que levou Joe Biden à presidência dos Estados Unidos, resultando no massacre da Faixa de Gaza. Foi essa mesma política que desarmou os trabalhadores brasileiros após a derrota eleitoral de 2018.
A política de Jones Manoel não tem nada de “esquerda radical”. É a política da Folha de S.Paulo e da rede Globo, que pode ser resumida assim: vote no “menos pior”. É uma preparação para votar nos inimigos de classe dos trabalhadores.