Brasil

Governo Lula não sairá da crise se não romper com frente ampla

Acadêmico esquerdista tenta analisar problemas enfrentados por Lula, mas demonstra acordo com a raiz de tudo: o arranjo político que desmoraliza o governo junto aos trabalhadores

No artigo O tempo contra o governo e contra Lula, publicado no portal de esquerda Brasil247, o acadêmico Aldo Fornazieri afirma que “Lula precisa ter consciência dos perigos e riscos que ameaçam o Brasil”, porém, termina passando longe do problema real enfrentado pelo governo, que é a frente ampla. Longe disso, Fornazieri os defende, como no parágrafo abaixo:

“O governo se tornou um triturador de ministros. Haddad foi o mais atingido pela máquina desagregadora que opera em setores governamentais e petistas. Alckmin, Simone Tebet e outros aliados tiveram seus espaços de ação comprimidos. Marina Silva e Sônia Guajajara vivem tempos de ostracismo.”

A política econômica do governo Lula, que tem gerado crescente descontentamento entre a base operária e camponesa, justamente os setores que historicamente alçaram o petista à posição de principal líder popular do país e garantiram suas vitórias nas disputas presidenciais de 2002, 2006 e 2022, é diretamente conduzida por Fernando Haddad e também por Simone Tebet e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Apolítica econômica do governo é um desastre, com cortes de gastos sociais e manutenção de juros altos, atendendo às demandas dos vampiros do mercado financeiro em detrimento das necessidades dos trabalhadores.

À frente do Planejamento, Tebet endossa essa linha ao priorizar o equilíbrio das contas públicas sobre investimentos em infraestrutura e políticas de assistência social. Ocupando também a chefia do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Alckmin tampouco se dedica aos setores que dão nome à pasta, antes garantindo que a reindustrialização prometida se torne secundária frente aos interesses dos bancos.

Essa tríade, oriunda da frente ampla, aplica uma versão da receita neoliberal que, embora moderada, é o bastante para privilegiar os banqueiros e grandes conglomerados econômicos, com consequências devastadoras para a base social de Lula, que veem o desemprego persistir, o poder de compra diminuir e a reforma agrária avançar a passos lentos. Os resultados são péssimos: inflação persistente, crescimento tímido e aumento da desigualdade, que desmoralizam o governo perante os setores populares. A frente ampla, vendida como uma união tática para derrotar Bolsonaro, ignora o antagonismo de classe entre seus componentes, sacrificando os interesses dos trabalhadores em nome de uma suposta governabilidade que, na prática, não atende os banqueiros em tudo, mas é o bastante para desmoralizar enormemente o governo.

Esse equívoco não se limita à economia. A política de frente ampla também se reflete em questões como a exploração do petróleo na Margem Equatorial. Contrariando a tese de Fornazieri, é falso afirmar que Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, vive um ostracismo. Pelo contrário, ela é peça-chave na ofensiva imperialista para bloquear a exploração das jazidas de petróleo em alto-mar, na costa Norte e Nordeste do Brasil.

Apoiada por ONGs internacionais e setores da imprensa alinhados ao capital estrangeiro, Silva utiliza uma retórica ecológica histérica e demagógica para travar o projeto, que poderia fortalecer a soberania energética nacional e gerar recursos para políticas sociais. O objetivo dessa campanha não é proteger o meio ambiente, mas preservar essas riquezas para futura exploração por empresas imperialistas, como as norte-americanas e europeias, em vez de um governo com inclinações nacionalistas como o de Lula.

O imperialismo é o motor central da crise apontada por Fornazieri, porém claramente mal compreendido pelo autor, que se limita a lamentar sintomas sem atacar a raiz do problema: a subordinação do governo a forças políticas antagônicas à sua base.

Segue o parágrafo de Fornazieri:

“Lula, com apoio de petistas, tirou do governo o único leão capaz de ser uma expressão política forte do governo – Flávio Dino. Ricardo Cappelli, figura decisiva no enfrentamento da tentativa de golpe do 8 de janeiro, e que poderia ser um bom ministro da Justiça, foi despachado para uma espécie de ‘exílio político’. A arrogância e ambição de petistas também são responsáveis para que Lula opere uma equação de supremacia dominante ao invés de uma hegemonia de influência e de compartilhamento do poder.”

A análise de Fornazieri neste trecho é outro exemplo claro de sua submissão à política derrotista que ele identifica, sem, no entanto, perceber o fundamento social da mesma. Ao exaltar figuras como Flávio Dino e Ricardo Cappelli, associados ao chamado “enfrentamento da tentativa de golpe do 8 de janeiro”, o autor adere à agitação conveniente aos monopólios internacionais, únicos verdadeiramente interessados em transformar os protestos de extrema direita em um cavalo de batalha para desmoralizar o governo Lula.

Para a população, as ações repressivas contra manifestantes – que, em essência, fizeram um protesto semelhante a tantos outros da esquerda ao longo das últimas décadas – só reforçam a imagem de um governo autoritário, disposto a perseguir opositores por crimes que, aos olhos do povo, não justificam tamanha reação. O imperialismo, que busca disciplinar a extrema direita (no Brasil e no mundo) para consolidar sua ditadura, usa a esquerda como instrumento para atacar esses setores rebeldes da burguesia doméstica dos países mais desenvolvidos, onde o conflito no interior da direita apareceu, evitando, porém, o custo político de fazê-lo diretamente.

Ao lamentar a saída de Dino e Cappelli, Fornazieri defende essa política sem a questionar, ignorando que a repressão ao 8 de janeiro não fortalece Lula, mas o enfraquece perante os trabalhadores, que veem o governo se alinhar aos métodos ditatoriais, que por outro lado, fortalecem a campanha bolsonarista de ser um “perseguido pelo sistema”. A crítica de Fornazieri, portanto, é inconsequente porque não rompe com o fundamento de todo o problema: a aliança entre a esquerda pequeno-burguesa e a direita imperialista, resultando na frente ampla.

Ele aponta os sintomas – a desagregação ministerial, os maus resultados econômicos, a falta de rumos do governo, etc. – mas se recusa a enxergar que tudo isso decorre da aliança com setores da burguesia e do imperialismo, representados por Haddad, Alckmin, Tebet e Marina Silva. Ao sugerir que o erro está na “arrogância petista” ou na falta de “compartilhamento do poder”, Fornazieri endossa a ilusão de que a frente ampla poderia funcionar se bem gerida, quando, na verdade, ela é intrinsecamente contraditória. Finalmente, não há como conciliar os interesses dos trabalhadores, que querem empregos, terra e soberania, com os dos banqueiros e do imperialismo, que exigem austeridade, privatizações e controle das riquezas nacionais.

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