O National Endowment for Democracy (NED), ou Fundo Nacional para a Democracia, organização norte-americana criada sob o pretexto de promover valores democráticos ao redor do mundo, encontra-se em apuros. No último dia 25, a própria organização comunicou em seu sítio oficial que estava impossibilitada de acessar 95% de seus recursos garantidos pelo Congresso dos Estados Unidos. Os demais 5% encontravam-se oficialmente bloqueados desde que Donald Trump emitiu uma Ordem Executiva bloqueando toda a assistência estrangeira fornecida pelo governo norte-americano por 90 dias, exceto aquela com destino ao Egito e a “Israel”.
“Noventa e cinco por cento do financiamento da NED é diretamente apropriado pelo Congresso e não é considerada assistência estrangeira. Portanto, esse financiamento não estava sujeito à ordem executiva que congela a assistência estrangeira para uma revisão de noventa dias. No entanto, apesar de isento, o acesso a esses fundos foi inexplicavelmente cortado, forçando a NED a interromper todo o suporte de parceiros e afastar a maioria de sua equipe. Embora o Departamento de Estado dos Estados Unidos tenha suspendido uma pequena parte do financiamento da NED como parte da ordem executiva de assistência estrangeira, esses recursos representam somente uma fração do orçamento total do Fundo.”
A organização lamentou em sua nota que, pela primeira vez em quatro décadas de história, “viu-se forçada a suspender apoio a aproximadamente 2.000 parceiros mundo afora”.
Como denunciado amplamente neste Diário, o NED nada mais é que uma fachada da CIA, responsável por dezenas de golpes de Estado ao redor do mundo. Essa visão é compartilhada por todos os países que procuram se desvencilhar da dominação imperialista, como a Rússia. O portal estatal Russia Today, por exemplo, celebrou o corte no financiamento da instituição com a seguinte manchete: Especialistas em golpes de Estado do NED anunciam suspensão de financiamento.
E não foram os únicos. Peter Roskam, recém-eleito presidente do conselho diretor do NED, escreveu uma coluna de opinião para o portal National Review em que mostrou preocupação com a celebração internacional em torno do asfixiamento da organização que comanda.
“Nos últimos dias, os adversários mais perigosos dos Estados Unidos têm comemorado o que veem como uma grande vitória: o congelamento de financiamento que efetivamente interrompeu o trabalho do National Endowment for Democracy (NED), a fundação dos Estados Unidos para a liberdade no exterior. Regimes autoritários em Pequim, Moscou, Teerã e Havana, o Talibã em Cabul e redes terroristas estão se gabando. Eles estão fazendo isso não somente porque o NED interrompeu suas doações, mas porque sua rede mundial de beneficiários, que lutam pela liberdade em suas próprias sociedades, foi forçada a interromper o trabalho crítico.”
Roskam, um republicano, busca fazer uma defesa “fiscalista” da instituição. Argumenta que o NED atua em defesa do interesse norte-americano internacionalmente, através do apoio a “defensores da liberdade” que vivem sob regimes autoritários. Fornece como exemplos positivos da ação do NED duas notórias mentiras inventadas pelo imperialismo contra dois países adversários: o caso trágico de Mahsa Amini, mulher de 22 anos que faleceu sob custódia da polícia no Irã; e a velha lorota do genocídio Uigur na província chinesa de Xinjiang.
Não conseguiu esconder em sua argumentação o caráter militar do NED ao comparar o dinheiro investido na instituição com o custo de um jato militar de última geração, que excede o orçamento da organização. Em outras palavras, a atuação do NED é guerra por outros meios, supostamente mais econômicos.
Para o governo Trump, o problema de tal organização, assim como a USAID, que também teve seu orçamento congelado, é que os recursos atuam como um cheque em branco para um grande corpo burocrático não-eleito que atua dentro do governo norte-americano, em particular as agências de inteligência. A preocupação do atual governo norte-americano não é com a ingerência geral dessas organizações em outros países, mas com sua atuação contra o próprio Trump e seus aliados da direita como Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria. Nas palavras do próprio presidente norte-americano, essas instituições são “uma caixa-preta”.
Setores da esquerda brasileira, reproduzindo sucursais da imprensa imperialista no Brasil, como o jornal O Globo, lamentaram o ataque do governo norte-americano contra essas instituições. No último dia 26, O Globo reportou que 5,8 mil projetos humanitários ao redor do mundo seriam interrompidos como resultado das ações do governo Trump, em particular do Departamento de Eficiência Governamental, comandado pelo empresário bilionário Elon Musk. Entre os projetos interrompidos estão programas de imunização contra doenças como o pólio, programas de doação de alimentos, entre outros.
Esse tipo de ação, mais ligado à USAID do que ao NED, que atuava diretamente com movimentos políticos, também não passava de um vetor de ingerência imperialista nos países onde atuavam. Fosse alimentando desconfiança contra o governo local, fosse como um meio fácil de infiltração no país para agentes imperialistas, ainda que ajudassem algumas pessoas, essas operações de caridade nunca chegaram perto de reparar a devastação imperialista que viabilizaram onde existiam.
Um dos projetos cancelados, por exemplo, apoiava o trabalho de agentes comunitários de saúde em busca de crianças desnutridas no Iêmen. A guerra civil que causou a devastação do país foi patrocinada pelo imperialismo norte-americano através do fornecimento de armas pesadas à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes, que bombardearam ferozmente as regiões iemenitas controladas pelo governo revolucionário do Ansar alá. O grupo já mostrou sua forte oposição ao imperialismo e ao sionismo, apoiando diretamente a luta do povo palestino contra “Israel” por mais que seu país esteja atravessando uma crise de proporções similares.
Nesse cenário, é possível acreditar numa ação altruísta do imperialismo naquele país? Entre os bombardeios e o mapeamento da fome, o saldo foi positivo? O fim dessas instituições, tanto da USAID, como de seu braço mais ideológico, o NED, se concretizado, será algo a ser celebrado por todos os partidários da luta anti-imperialista.