Polêmica

Se depender dos ‘patriotas’ do STF, o Brasil já é dos EUA

Em defesa das arbitrariedades cometidas por Alexandre de Moraes, esquerda afirma Rumble ataca a soberania nacional

No artigo Por que a mídia é conivente com os ataques do império norte-americano à República brasileira, publicado no Brasil 247, Bepe Damasco tenta decifrar por que a imprensa burguesa nada faz em relação ao que ele considera ser ataques brutais contra a democracia brasileira. Para o colunista, os grandes jornais deveriam estar fazendo um alarde diante das ações tomadas por uma empresa de Trump e pelo Rumble contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes:

“Vale tudo, tudo mesmo para desgastar o governo Lula. Mesmo se as agressões dos Estados Unidos sejam tentativas explícitas de violar a soberania do Brasil e sabotar o funcionamento autônomo e independente de seus poderes.

Por isso, boa parte das reportagens e das análises da imprensa comercial tratam as investidas de instituições dos EUA, controladas por Trump e em parceria com o bolsonarismo, contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro e do ministro Alexandre de Moraes com uma naturalidade inaceitável diante da gravidade do que está acontecendo.”

Se um desavisado se deparar com o texto de Damasco, pensará que Trump emitiu um decreto determinando o envio de tropas para o território brasileiro. Que os Estados Unidos estão lançando uma ofensiva militar de larga escala contra o Brasil. Enquanto que, na realidade, se trata de uma disputa política entre um setor da burguesia.

Para acabar com essa confusão, Bepe Damasco faz o agrado de descrever quais seriam os motivos pelos quais exige a reação mais enérgica possível da imprensa burguesa em uma lista de três pontos. Vejamos:

“1) O Departamento de Estado dos EUA criticou decisões do STF relacionadas às big techs norte-americanas no Brasil, usando a velha cantilena fascista de colocar sob a proteção da liberdade de expressão toda sorte de crimes virtuais.”

As tais “decisões do STF relacionadas às big techs norte-americanas no Brasil”, apesar do eufemismo do colunista, são, na realidade, as medidas tomadas por Moraes e os demais ministros do STF contra os direitos democráticos do povo. Não são, como Damasco tanta apresentar, expressão da defesa da soberania brasileira por parte do Judiciário.

O que aconteceu de fato é que o Rumble, plataforma de vídeos e transmissões ao vivo, desafiou uma determinação ditatorial de Moraes, que pediu que o bolsonarista Allan dos Santos fosse censurado por suas opiniões. Diante disso, o ditador de toga determinou a suspensão das atividades da plataforma no Brasil.

Para o colunista, essa decisão do Rumble e as consequentes críticas feitas ao Judiciário brasileiro por parte de setores do governo norte-americano seriam expressão do fascismo. É isso que significa a sua afirmação de que “a velha cantilena fascista de colocar sob a proteção da liberdade de expressão” foi utilizada para defender “toda sorte de crimes virtuais”. Mas o que é de fato fascista? Censurar, por meio do Estado burguês, aqueles que possuem opiniões contrárias às defendidas pelo regime, rasgando a garantia constitucional da liberdade de expressão; ou defender a Constituição Federal e os direitos democráticos da população diante de uma ação desse tipo?

Fato é que nenhum regime fascista na história do mundo teve como política – ou “cantilena” – a defesa da liberdade de expressão. Na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini e no Brasil da Ditadura Militar de 1964, uma das principais medidas para garantir a sustentação de cada um destes regimes fascistas era justamente a censura em larga escala, calando, torturando e assassinando qualquer um que tivesse uma opinião minimamente ameaçadora para a ditadura.

Então, o colunista afirma:

“2) A Comissão Judiciária da Câmara dos Deputados dos EUA, uma espécie de Comissão de Constituição e Justiça deles, aprovou a proibição de entrada no território dos EUA de autoridades estrangeiras que violem a primeira emenda da Constituição, que veda a limitação da liberdade de expressão, abrindo caminho inclusive para a deportá-las.”

Ora, longe de ser uma expressão de um ataque à soberania brasileira, trata-se de um direito dos Estados Unidos, o de decidir quem pode ou não entrar em seu território. O que Damasco quer? Que Alexandre de Moraes, por ser dono do planeta, possa vagar livremente por aí apesar da vontade de determinado país? É chato dizer, mas, tecnicamente, é o colunista quem quer infringir a soberania norte-americana, e não o contrário.

Por fim, ele cita a situação citada anteriormente como mais um “fato” que demonstra que os Estados Unidos estão atacando a soberania brasileira por meio de ataques contra Alexandre de Moraes:

“3) Tramitam nos EUA processos de duas plataformas digitais contra o ministro Alexandre de Moraes: um movido pela Rumble, uma rede social de vídeo, e outro pela Trump Média & Tecnologia Group, que opera várias empresas e pertence a Trump.”

A isso, devemos dizer: e daí? Tanto a empresa de Trump, quanto o Rumble têm total direito de entrar com um processo contra quem quer que seja – algo, inclusive, muito mais democrático do que simplesmente censurar seus desafetos políticos, como faz Alexandre de Moraes. Se este processo e se as decisões provenientes desse tipo de processo são razoáveis, é outra história.

Por fim, chegamos à conclusão do colunista:

“Mas a imprensa nativa, fiel ao seu sabujismo e viralatismo crônicos, esfrega as mãos, ávida para que os ataques escalem rapidamente, a ponto de se transformar em um impasse diplomático de consequências imprevisíveis. A cobertura sobre o assunto vem sendo marcada por um viés antipatriótico de neutralidade, como se os dois lados tivessem argumentos defensáveis.

Zero de indignação pela afronta à soberania do Brasil.

Zero de condenação às ações de Bolsonaro em conluio com outro país para nos atacar.

Se isso não é crime de lesa-pátria, o que mais será?

Tudo indica que a ofensiva dos EUA esteja só no início e vá crescer na medida em que o julgamento de Bolsonaro, que fatalmente o levará à cadeia, avançar.

Caberá, então, aos verdadeiros patriotas, os que prezam os valores democráticos e republicanos, se mobilizar em defesa da nação.”

Em primeiro lugar, é preciso destacar a ingenuidade com a qual Bepe Damasco fala sobre a imprensa burguesa. Como ter qualquer tipo de ilusão naquilo que é o principal aliado do imperialismo no Brasil quando o assunto é propaganda?

Poderia se argumentar que, na realidade, Damasco está expondo, denunciando o caráter entreguista da grande imprensa brasileira. Mas não é fato, pois sua política em relação a Alexandre de Moraes e ao STF, grandes aliados dessa mesma imprensa, mostra que ele possui, sim, uma grande ilusão sobre os principais inimigos do povo brasileiro. Afinal, se Moraes está defendendo o Brasil dos ataques do imperialismo norte-americano, por que a imprensa burguesa nacional não poderia fazer o mesmo?

Segundo, a afirmação de que se trata de um ataque sem precedentes à soberania brasileira não se sustenta, como foi dito. É uma política que parte da histeria da esquerda pequeno-burguesa que, aterrorizada com a popularidade cada vez maior da extrema direita, foi levada a defender o que há de mais autoritário no regime brasileiro.

Na realidade, o que Damasco quer dizer é que o aparente enfrentamento a Alexandre de Moraes feito por um setor da burguesia norte-americana prejudica as arbitrariedades cometidas pelo juiz do Supremo contra os bolsonaristas. Arbitrariedades que, longe de combater a extrema direita, acabam com os direitos democráticos da população. Para o colunista, é preciso defender a ditadura que o skinhead de toga do STF está estabelecendo no País.

Finalmente, se se quer falar em “crime de lesa-pátria”, é preciso apontar o dedo para o próprio Alexandre de Mores que, além de rasgar diariamente a Constituição Federal quando o assunto são os direitos democráticos do povo, é um dos principais representantes do regime instaurado no Brasil após o golpe de Estado de 2016. Um dos principais representantes deste que é o maior ataque à soberania brasileira desde o governo entreguista de FHC.

É este o “verdadeiro patriota” que se mobilizará “em defesa da nação”? São os ministros golpistas do STF “os que prezam os valores democráticos e republicanos”? Nunca é demais lembrar que estes foram os principais agentes – ao lado da imprensa burguesa – do golpe de Estado que derrubou Dilma, que prendeu Lula e que elegeu Temer e Bolsonaro.

Se for assim, a esquerda pode desistir de lutar e se entregar de uma vez por todas para o imperialismo. Se depender destes “patriotas”, o Brasil será completamente entregue aos Estados Unidos.

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