A psicanalista Maria Rita Kehl tornou-se o mais recente alvo dos identitários por criticar os métodos essa ideologia importada das universidades norte-americanas, que nada tem a ver com a luta dos trabalhadores e serve apenas para fragmentar e enfraquecer qualquer movimento real de transformação social. O ataque contra Kehl se baseia em um comentário feito a partir da árvore genealógica da psicanalista, um recurso já usado contra outros intelectuais.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, a jornalista Lygia Maria expôs a artimanha: ao invés de rebater as críticas da psicanalista ao identitarismo, seus detratores decidiram desenterrar sua ascendência e apontar que seu avô, Renato Kehl, era eugenista. Como se isso fosse um argumento em um debate de ideias. Como se a posição política e intelectual de alguém fosse determinada por seus antepassados.
O absurdo não para por aí. O cineasta Walter Salles também foi vítima de um ataque semelhante, sendo acusado de carregar em seu rosto “a descendência dos que torturaram, estupraram e açoitaram”. Ou seja, o debate identitário retrocede à mais primitiva das ideologias reacionárias, que atribui qualidades morais a traços biológicos. Como destacou Lygia Maria, esse tipo de argumento, se aplicado de forma coerente, se encaixaria na definição de racismo estabelecida pela Convenção Interamericana contra o Racismo. Mas os identitários se julgam acima de qualquer crítica, convencidos de que só os grupos que eles determinam podem ser vítimas, enquanto qualquer um que os critique deve ser silenciado.
Esse expediente não é novo. Frequentemente, os identitários não têm um argumento sólido para defender sua posição. Se tivessem, não precisariam recorrer a golpes baixos como o aplicado contra Kehl. Pelo método, fica claro que o objetivo real é suprimir o debate, impor a censura e desqualificar qualquer um que ouse apontar a farsa dessa ideologia divisionista.
O identitarismo não se preocupa com as verdadeiras lutas do povo trabalhador, mas sim com a criação de uma burocracia intermediária que lucra explorando supostas “pautas progressistas” enquanto serve como linha auxiliar da direita tradicional. A tentativa de censura por meio da genealogia da psicanalista é uma aberração, política e intelectual. Se esse critério fosse levado adiante, ninguém poderia discutir nada, pois qualquer um poderia ser desqualificado com base em seus ancestrais.
É uma tática covarde para evitar que questões fundamentais sejam discutidas. Por que os identitários fogem do debate? Simples: porque sabem que a crítica ao identitarismo é cada vez mais evidente e atualmente, esse método de coação se encontra em uma crise terminal, o que não se deve a um fenômeno prático.
Se fosse promover o fim das discriminações, fortalecer os trabalhadores ou melhorar as condições de vida do povo, não precisariam desse tipo de manobra suja. Não é como agem porque o que querem, na realidade, é manter o foco longe do que realmente importa. Enquanto fazem linchamentos públicos contra figuras que discordam deles, a política do imperialismo, de conceder privilégios para banqueiros à custa do sofrimento crescente dos trabalhadores, continua intocada.
É fundamental desmascarar essas táticas de censura e perseguição. O identitarismo não é um movimento de luta social, mas uma política opressora de controle ideológico. E como todo controle ideológico, precisa ser imposto à força, pois sua inconsistência não se sustenta diante de um debate honesto. A tentativa de desqualificar Kehl pelo que seu avô teria feito não é apenas intelectualmente desonesta, mas mostra a que nível do esgoto a que os identitários estão dispostos a descer para evitarem contestação.
O único caminho para barrar essa ofensiva é reafirmar a necessidade de um debate público livre, sem intimidações ou chantagens. Não é a árvore genealógica de alguém que define suas ideias, mas sim suas ações e sua coerência política. Os identitários sabem disso. E é por isso que têm tanto medo do debate.