Denúncia contra Jair Bolsonaro

O tribunal político de Paulo Gonet

Procurador-geral da República denunciou ex-presidente da República sem apresentar uma única prova

Em junho de 2023, o ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao votar a favor da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em um processo que lhe tornou inelegível por oito anos, declarou que o líder de extrema direita estava sendo punido não por uma “fotografia na parede”, mas por um “contexto”. Mais precisamente, disse o ministro:

“A reunião de 18 de julho de 2022, no Palácio da Alvorada, não é uma fotografia na parede, mas um fato inserido em um contexto.”

Traduzido em termos jurídicos, o que o ministro confessou é que a reunião com embaixadores que serviu de pretexto para a condenação de Bolsonaro não era, em si, suficiente para comprovar um crime. Mas sim que o “crime” estaria “provado” na concatenação de vários fatos.

A confissão de Gonçalves, grosso modo, é a de que Bolsonaro foi condenado pelo TSE sem provas. O tribunal não conseguiu estabelecer que no dia X, na hora Y, no local Z, o presidente realizou um determinado ato tipificado pelo Código Penal como ilícito. Por isso, procurou tipificar como criminosa não uma ação específica, mas a trajetória do ex-presidente.

O mesmo método, embora não tenha sido dito abertamente, foi escolhido pelo senhor Paulo Gustavo Gonet Branco, atual procurador-geral da República, para denunciar Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF). Fazendo uso de um calhamaço de mais de 250 páginas, Gonet acusa Bolsonaro de ter cometido uma série de crimes sem, no entanto, apresentar uma única prova. A sua “prova” é a mesma de Gonçalves: o “contexto”.

O “contexto” como critério para uma condenação atenta a pelo menos três princípios fundamentais do Direito. O primeiro é o princípio da Legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal). Este princípio estabelece que ninguém pode ser punido sem que haja uma lei anterior que defina a conduta como crime ou infração. Se Bolsonaro está sendo acusado com base em um “contexto”, e não em uma violação objetiva de uma norma, então sua punição ocorreu sem uma base legal clara. Se não há nada na Constituição Federal que diga que levantar suspeitas sobre as urnas eletrônicas seja crime, então isso não pode ser usado contra o ex-presidente em uma denúncia.

O segundo princípio ferido é o da Isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal). Se a acusação não depende de um ato específico, mas do “contexto” em que o ato ocorre, então duas pessoas que cometeram a mesma ação podem ser julgadas de formas diferentes, dependendo de quem são e do que representam. Tanto Bolsonaro quanto, por exemplo, o presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Carlos Lupi, já levantaram suspeitas sobre a urna eletrônica. Mas, graças ao “contexto”, o último não está sendo investigado por isso. 

O terceiro princípio violado é o da segurança jurídica, que exige que os cidadãos saibam com antecedência quais condutas podem gerar punições. Se alguém pode ser punido não por um ato objetivo, mas por um “contexto”, então não há previsibilidade na aplicação da lei. Qualquer pessoa pode ser condenada com base em uma interpretação subjetiva de sua trajetória, tornando o sistema jurídico instável e arbitrário.

Pelo exposto, o método seguido por Gonçalves e Gonet é, necessariamente, um método que transforma qualquer julgamento em um julgamento político. Uma análise minuciosa da denúncia de Gonet torna isso inegável.

Gonet acusa Bolsonaro de integrar, “de maneira livre, consciente e voluntária”, uma organização criminosa, que tinha como líderes o próprio ex-presidente e o seu candidato a vice-presidente em 2022, o general Braga Neto. O objetivo dessa organização seria o de realizar “atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”.

A questão é: qual a prova de Gonet de que exista essa tal organização? Essa organização tinha um nome? Reunia-se com que regularidade? Comunicava-se por que meios? Como ela foi formada? Quem recrutava as pessoas para essa organização? Quem a fundou? Gonet não responde em seu documento.

Caso Gonet tivesse conseguido comprovar a existência da tal organização, ainda ficava a pergunta: como ele concluiu que seus líderes seriam Bolsonaro e Braga Netto? Como essa liderança era exercida? Todas as ações eram sabidas pelos líderes? Como os líderes repassavam as suas ordens? Novamente, o calhamaço de mais de 250 páginas falha em responder.

A única resposta que Gonet tem a dar é: havia um “contexto”. E que “contexto” seria esse? Bolsonaro, Braga Netto e os 32 acusados se conheciam, tinham algumas ideias em comum e realizavam ações em comum. E por que será que isso acontecia? Um Pix de um milhão de reais para quem adivinhar! Rufem os tambores! Isso mesmo, todos estavam interligados porque todos eram membros de uma mesma equipe de governo! Gonet conseguiu transformar a reunião de indivíduos para administrar o Estado brasileiro em uma “organização criminosa”!

Bolsonaro exercia uma liderança sobre os acusados porque ele era o presidente da República, o chefe do Poder Executivo, e a mais importante liderança política da direita brasileira.

E assim Gonet foi construindo o seu “contexto”. Se Anderson Torres foi ministro do governo Bolsonaro, então qualquer ação sua estaria ligada às ações do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do mesmo governo, o general Augusto Heleno, e ambas as ações seriam, necessariamente, parte de um mesmo plano criminoso fabricado pelo ex-presidente. E por quê? É o que veremos em seguida.

A acusação de Gonet apresenta coisas como:

“O cenário das pesquisas eleitorais se mostrava inclinado em favor do principal adversário antevisto, por quem os que cercavam o Presidente da República não escondiam marcada aversão, a ele se referindo com palavras de ultrage [sic] e menosprezo.”

Ora, mas menosprezar o adversário não é crime. É algo, inclusive, natural na política. Nem Bolsonaro, nem seus aliados, são obrigados a amarem Lula. O menosprezo, no entanto, não prova que o núcleo em torno de Bolsonaro se reunia para praticar crimes contra o atual presidente.

“Os documentos apreendidos em poder de AUGUSTO HELENO e ALEXANDRE RAMAGEM confirmaram o alinhamento ideológico de ambos e a existência de uma ação conjunta para a preparação da narrativa difundida por JAIR MESSIAS BOLSONARO. Dentre os materiais encontrados na residência de AUGUSTO HELENO, analisados na IPJ-M n. 2898485/2024, foram identificadas anotações manuscritas, em uma agenda com logomarca da Caixa Econômica Federal, sobre o planejamento prévio da organização criminosa de fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas.”

Fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas não é crime. Mas ainda que fosse, fica a pergunta: o fato de Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Bolsonaro fazerem críticas ao sistema eleitoral faz com que as anotações na agenda de Augusto Heleno comprove que havia uma relação entre o que Bolsonaro dizia e a tal “preparação da narrativa”? Só se for na cabeça de Gonet.

O procurador-geral não se dá ao trabalho de mostrar que havia um fluxo direto entre o que Ramagem e Heleno produziam em termos de crítica às urnas e o que era dito pelo ex-presidente. Essa é mais uma demonstração da “prova” da organização criminosa: se todos estão no mesmo “contexto”, estão necessariamente interligados.

Em caso semelhante, Gonet acusa Augusto Heleno de espionar adversários de Bolsonaro. O ex-presidente poderia se beneficiar disso? Provavelmente. Isso, no entanto, não é suficiente para determinar que o então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) agia em sintonia com o ex-presidente.

Por meio desses expedientes, Gonet acusou os 34 investigados do que bem quis. No entanto, como ele abriu mão das provas e preferiu denunciar um ex-presidente da República por causa do “contexto”, ele foi obrigado a criar uma história.

É por isso que o documento é tão extenso. Retomando a frase de Gonçalves, a denúncia não é contra um “retrato na parede”. É contra um filme. E coube a Gonet entreter os ministros do STF com o roteiro deste filme.

O que é particularmente impressionante é que Gonet conta uma história que ele mesmo não tem como saber se aconteceu. Um total de 34 pessoas estão sendo acusadas não por causa de fotografias, gravações, testemunhos, documentos ou filmagens, mas sim pela história fabricada pela cabeça de um procurador. Para sermos mais precisos, uma história que já vem sendo fabricada pela grande imprensa, pela Polícia Federal e pelo STF, mas que coube a Gonet escrevê-la.

A narração de Gonet contém coisas como:

“Nesse momento, as pesquisas já apontavam a queda de popularidade do Governo de JAIR MESSIAS BOLSONARO e a liderança do candidato da oposição na preferência do eleitorado. A possibilidade de derrota no pleito vindouro fez com que a organização criminosa se antecipasse, escalando os ataques às urnas eletrônicas, a fim de lhes desgastar a idoneidade perante a população, preparando os ânimos para movimentos de rebeldia contra os resultados negativos para o grupo. “

As pesquisas são um fato. O que é fantasia, no entanto, é que, por causa das pesquisas, o núcleo governista decidiu colocar em marcha um golpe de Estado. Qualquer governo que tenha uma queda na aprovação irá tomar alguma medida, mas, objetivamente, não há nada de criminoso em criticar as urnas eletrônicas.

Tomemos como exemplo o governo Lula, que está vendo o seu apoio nas pesquisas despencar. Se, por acaso, o presidente acusar a oposição de estar sabotando a economia do País e começar a criticar os deputados, Gonet irá interpretar como uma tentativa de preparar os ânimos para uma rebeldia contra o Congresso Nacional? Lula será responsável se seus apoiadores invadirem o parlamento em um protesto contra a política levada adiante pelos deputados?

Em outro trecho, sobre os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, Gonet diz:

“A narrativa falsa das fraudes nas urnas foi alimentada pelos integrantes da organização, que repassavam material desse tipo para influenciadores digitais. O objetivo agora era manter a mobilização popular, com o que se pretendia sensibilizar as Forças Armadas, sobretudo o Exército, e as suas autoridades de mais alta patente, para que impusessem um regime de exceção, que desprezaria os resultados do sufrágio e imporia ao país a permanência no Poder do Presidente não reeleito. (…) O intuito era o de manter a militância apaixonada e disposta a aceitar soluções de violência à ordem constitucional.”

Como ele sabia o objetivo? Como ele sabia do intuito? Como ele sabia que tudo o que acontecia seguia um plano?

A menos que Gonet fizesse parte da tal organização criminosa ou tivesse uma gravação de suas conversas, ele não teria como saber. No entanto, para tentar dar alguma credibilidade à sua história, o procurador-geral tira da cartola o “depoimento” do “colaborador” Mauro Cid. Isto é, a delação de um homem que se negou a delatar por quatro vezes e acabou delatando, sem apresentar provas do que dizia, em um acordo para reduzir o seu tempo na prisão.

Levando em consideração que se trata de uma denúncia construída a partir de uma história, e não de provas, todos os crimes listados deveriam, portanto, ser desconsiderados. A organização criminosa não foi provada. O Golpe de Estado sem tanques nas ruas e sem o uso da força, idem. A deterioração de patrimônio tombado e o dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da união, embora tenham, sim, acontecido, não aconteceram por ordens diretas do ex-presidente Jair Bolsonaro – ao menos, Gonet não conseguiu provar isso.

Longe de comprovar qualquer crime, a denúncia de Gonet é um dos mais aberrantes casos de uso do Estado para a perseguição de uma liderança política.

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