Monopólios e governos de países desenvolvidos encontraram na África um espaço para despejar resíduos industriais, eletrônicos e até nucleares, muitas vezes por meio de acordos corruptos e fraudulentos. Esse esquema criminoso foi denunciado em uma extensa reportagem do órgão russo RT, assinada pela jornalista Claire Ayuma Amuhaya e publicada no último dia 19, sob o título The West’s dirty secret: How most affluent nations poison the Global South.
A prática foi chamada de “colonialismo do lixo” e envolve o despejo transfronteiriço de materiais perigosos, incluindo poluentes orgânicos persistentes, resíduos industriais e municipais, navios desativados e lixo radioativo. Essa operação tem como base o fator econômico: nos anos 1980, o custo para descartar uma tonelada de resíduos tóxicos na África variava entre US$2,50 e US$50, enquanto nos países desenvolvidos o valor oscilava de US$100 a US$2 mil. Consequência da diferença brutal nos valores, Amuhaya denuncia:
“A Colbert Brothers exportou cerca de 275 tambores de resíduos perigosos de agências das Forças Armadas dos EUA para o Zimbábue em 1978. Em 1987, o governo do Benin e a Sesco, uma empresa registrada em Gibraltar, assinaram um contrato de dez anos para a eliminação de resíduos tóxicos, disfarçados sob os termos enganosos de ‘matéria orgânica complexa’ e ‘resíduos industriais comuns’. Resíduos industriais carregados de dioxina [compostos químicos altamente tóxicos], provenientes da Filadélfia, EUA, foram despejados na Guiné e no Haiti. Em março de 1988, a ilha turística de Kassa, próxima a Conacri, Guiné, recebeu 15.000 toneladas de lixo listadas falsamente como ‘matérias-primas para tijolos’ de uma empresa de transporte marítimo norueguesa, a A.S. Bulk Handling Inc.”
A brutalidade dessa política levou o Conselho de Ministros da Organização da Unidade Africana (OAU) a aprovar, em maio de 1988, uma resolução classificando o despejo de resíduos nucleares e industriais como “um crime contra a África e o povo africano”. No entanto, mesmo com essa condenação formal, o problema persistiu, muitas vezes com a conivência de governos locais. Empresas britânicas chegaram a pagar ao governo da Guiné-Bissau US$120 milhões por ano para enterrar lixo tóxico no País. No Sudão, em 1985, o então presidente aceitou receber lixo nuclear de Alemanha Ocidental, Áustria e Suécia em troca de US$4 bilhões. Em 1988, o governo do Gabão permitiu que a canadense Denison Mines Corporation despejasse resíduos nucleares de minas de urânio do Colorado em seu território.
O caso mais emblemático dessa sujeira imperialista ocorreu na Nigéria entre 1987 e 1988. A jornalista dá os detalhes da operação criminosa contra o país africano:
“Dois cidadãos italianos eram proprietários de uma chamada ‘empresa cavalo de Troia’ — a Iruekpen Construction Company — sediada na Nigéria. Eles firmaram contratos com as multinacionais italianas Ecomar e Jelly Wax, que, por sua vez, foram contratadas por outras empresas, como a Dyna Cynamid da Noruega, a I.V.I italiana e a Elma de Turim, Itália, para a eliminação de diversos subprodutos industriais tóxicos.
A empresa falsificou documentos de liberação e subornou autoridades portuárias nigerianas para permitir a entrada de navios carregados de resíduos, enquanto um agricultor nigeriano recebeu um valor irrisório de US$100 por mês para armazenar o material altamente venenoso em sua propriedade. Como resultado, entre junho de 1987 e maio de 1988, mais de 3.884 toneladas de resíduos tóxicos perigosos, disfarçados de fertilizante, foram importadas para a Nigéria. Quando o material começou a vazar para o meio ambiente e a contaminar o lençol freático, causou dores de estômago, dores de cabeça, perda de visão e, eventualmente, mortes na comunidade local. A área ao redor do depósito tornou-se inabitável, forçando a evacuação de 500 moradores.”
A reportagem da RT denuncia ainda o economista-chefe do Banco Mundial entre 1991 e 1993 Lawrence Summers, que deixou explícita a política imperialista para esse crime contra os povos africanos. Em um memorando, ele afirmou:
“Entre nós, não deveríamos incentivar a migração de indústrias sujas para os países menos desenvolvidos? (…) Uma determinada quantidade de poluição prejudicial à saúde deveria ser feita no país com o menor custo, que será aquele com os menores salários. Acho que a lógica econômica por trás do despejo de lixo tóxico em países de baixos salários é impecável e deveríamos encará-la.”
A consequência dessa orientação é que, no século XXI, os países desenvolvidos continuam enviando lixo para os países atrasados. Segundo o Global E-waste Monitor 2024, cerca de 5,1 bilhões de quilos de lixo eletrônico são transportados entre países todos os anos. Desses, 3,3 bilhões de quilos (65%) são enviados sem qualquer tipo de controle, e a maior parte desse lixo vai dos países imperialistas para os países africanos.
O despejo ilegal de lixo eletrônico transformou locais como Agbogbloshie, em Gana, em verdadeiros depósitos de lixo. Antes de ser fechado em 2021, esse depósito de lixo eletrônico era um dos dez lugares mais poluídos do planeta. Pesquisas da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelaram que a exposição ao lixo eletrônico pode causar disfunções na tireoide, problemas respiratórios, alterações comportamentais e até malformações congênitas.
O caso mais notório nos últimos anos foi o do cargueiro Probo Koala, de bandeira panamenha e fretado pela multinacional holandesa de petróleo Trafigura. Em 2006, a embarcação despejou toneladas de resíduos tóxicos rejeitados pelo porto de Amsterdã na Costa do Marfim, causando a morte de 17 pessoas e envenenando milhares.
A responsabilidade por esse crime não recai apenas sobre os países imperialistas. Embora sejam responsáveis, governos africanos submissos e corruptos aceitam acordos que comprometem a vida de suas populações, tendo eles também uma parcela de culpa. A troca de benefícios financeiros pelo envenenamento sistemático do território africano escancara a subserviência ao imperialismo e a completa indiferença pela vida da população africana.
O imperialismo tem um histórico de tratar a África como um depósito de lixo tóxico, enviando para o continente, toneladas de resíduos perigosos que não podem ser descartados dentro de seus próprios territórios. Os africanos, que lutaram contra o colonialismo para conquistar sua independência, continuam agora sendo tratado como a lixeira do capitalismo. Enquanto os trabalhadores africanos não tiverem pleno controle sobre suas nações, esse ciclo de exploração e envenenamento não terá fim.