Com a ascensão de Trump ao poder, tudo indica que a política identitária vá fazer água de vez. O presidente assinou decretos que acabam com programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) no governo federal e nos seus fornecedores, o que atinge a iniciativa privada. O fato mais curioso é que as empresas que, até ontem, defendiam, com unhas e dentes, suas políticas DEI, agora, num estalar de dedos, botaram fim em seus departamentos de diversidade e em toda a parafernália de relatórios e programas destinados, em tese, a fomentar a inclusão e, na prática, a cultivar uma imagem “progressista”.
Algumas anunciam novos ventos, um certo movimento denominado MEI (Mérito, Excelência e Inteligência), que enaltece o “talento”, a competência e o alto desempenho dos “colaboradores”; outras, envergonhadas, põem na conta de Trump a aposentadoria de seus programas de diversidade.
O banco Goldman Sachs, principal banco de investimentos de Wall Street, por exemplo, decidiu abandonar uma política que havia assumido de recusar a estruturação de ofertas públicas iniciais de empresas cujos conselhos fossem compostos somente por homens brancos. O banco se comprometeu a levar à listagem em Bolsa nos EUA ou na Europa Ocidental apenas empresas que incluíssem, ao menos, “dois membros diversos” no conselho, um dos quais uma mulher.
Nos Estados Unidos, essa política já vem sendo levada aos tribunais. Em 2023, uma decisão da Suprema Corte derrubou a admissão de universitários por critério racial em universidade, fato que desencadeou uma série de outros processos contra ações desse tipo em empresas. Para a Casa Branca, sob Trump, as políticas “DEI” são ilegais: “negam, desacreditam e minam os valores tradicionais americanos de trabalho árduo, excelência e realização individual em favor de um ilegal, corrosivo e pernicioso sistema de recompensas baseado em identidade”.
O fato é que as grandes empresas já pularam do barco identitário: Meta, Google, Amazon, Walmart, Ford, John Deere e Tractor Supply (ambas de equipamentos agrícolas), Deloitte (consultoria), Target (varejo), McDonald’s, Lowe’s (material de construção), Brown-Forman (destilados), Harley-Davidson, Pepsi, GM, Intel, PayPal e até a Disney já aderiram à nova onda.
O caso da Disney é sintomático. A empresa deixará de exibir os “avisos de conteúdo”, que desde 2020 antecedem filmes clássicos, como “Dumbo” e “Peter Pan”, para contextualizar a época em que essas obras foram criadas. O texto que sai de exibição é este: “Este programa inclui representações negativas e/ou maus-tratos de pessoas ou culturas. Esses estereótipos eram incorretos na época e continuam sendo incorretos hoje em dia. Em vez de remover esses conteúdos, queremos reconhecer o impacto nocivo que eles tiveram, aprender com a situação e despertar conversas para promover um futuro mais inclusivo juntos”. Agora, será veiculada uma versão light: “Esta obra pode conter estereótipos ou representações negativas”.
Como se vê, todas as grandes conquistas da política identitária vêm abaixo com uma simples canetada. Essa situação deveria motivar uma reflexão na esquerda brasileira, que tão prontamente aderiu à política do Partido Democrata dos Estados Unidos. Em vez de lamentar a extinção da Usaid – que, com seus inúmeros tentáculos, atuava em diversos países nutrindo ONGs, cujo propósito, sob o pretexto de defesa de direitos de minorias, sempre foi o de cooptar possíveis lideranças sociais transformando-as em agentes dos interesses do imperialismo – poderia voltar a organizar os movimentos sociais.
É, no mínimo, muita ingenuidade acreditar que a solução para os problemas do povo viria dos líderes da burguesia. Goldman Sachs, Carrefour, McDonald’s ou o Banco Itaú pouco se importam com racismo ou exclusão de mulheres, LGBTs e deficientes. Seu propósito e sua missão são unicamente o próprio lucro, obtido à custa da exploração.
No Brasil, vimos empresas investirem em programas de trainees negros e pardos, anunciados, com mais ou menos estardalhaço, como uma espécie de reparação. Empresas despertavam, finalmente, para seu próprio viés racista, que seria corrigido dessa forma e também com a criação de comitês de diversidade e ingênuas cartilhas de termos proibidos, tudo isso respaldado por departamentos de compliance e pelo psicólogo da empresa.
Na prática, era uma oportunidade de substituir funcionários mais antigos por gente nova a baixos salários, com o beneplácito da sociedade, ou seja, posando de bons-moços. Por óbvio, o povo só conquista direitos quando protagoniza a própria luta. É evidente que, se vem de cima – do dono da empresa, da Rede Globo, do Banco Itaú e de ONGs associadas –, a coisa não é pra valer. A prova disso é a facilidade com que tudo vem abaixo.