José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Coluna

Terras raras e recuo de Trump com gastos com a máquina de guerra

Trump não quer gastar dinheiro com guerras, não só porque está ligado a segmentos empresariais que não lucram com conflitos, mas por precisar concentrar forças na guerra econômica

O presidente Donald Trump manifestou recentemente seu interesse em trocar minerais ucranianos de terras raras, por ajuda militar dos EUA. Para ele a expressiva ajuda americana com dinheiro e armas para a Ucrânia, feita desde o começo da guerra em 24 de fevereiro de 2022, seria uma justa contrapartida. A ideia geral aventada pelo mandatário dos EUA seria trocar armas e outros recursos para a guerra, por terras raras e outros ativos da Ucrânia. É uma ideia geral, não detalhada, como muito do que Trump tem falado nas suas primeiras semanas de governo.

Ao mesmo tempo, o presidente dos EUA designou o general aposentado Keith Kellogg como enviado especial para negociar o fim do conflito na Ucrânia, estabelecendo um prazo de 100 dias para esse objetivo, contados a partir da posse em 20 de janeiro. Essa missão foi dada a Kellogg em novembro de 2024, portanto antes de Trump assumir.

Donald Trump, que não pretende gastar mais dinheiro com a guerra na Ucrânia, quer aproveitar o processo de negociação para garantir o suprimento de minerais estratégicos para os Estados Unidos, fundamentais para a indústria e para a defesa do país. Volodymyr Zelensky, uma espécie de servo do imperialismo, não apenas não rechaçou a proposta, como lembrou que a Ucrânia detém as maiores reservas de titânio e urânio da Europa, podendo assim, administrar esses recursos “em conjunto” com os EUA. As chamadas terras raras são um grupo de 17 metais usados na fabricação de ímãs para veículos elétricos, celulares, sistemas de mísseis e outros produtos eletrônicos. A Ucrânia detém reservas de 22 dos 34 minerais classificados pela União Europeia como críticos, que inclui materiais industriais, metais preciosos e alguns elementos de terras raras.

A proposta de Trump, se levada em frente, irá se deparar com um problema nada trivial: no momento a maioria dos minerais e terras raras da Ucrânia se encontram em lugares dominados militarmente pela Rússia. Por exemplo, em janeiro último a Rússia tomou dois dos quatro depósitos de Lítio da Ucrânia, considerados dois entre os maiores do mundo, um deles na região de Donetsk, que é um dos maiores da Europa. Com a tomada desses depósitos, realizada sem estardalhaço, a Rússia fortalece sua posição no mercado de minerais estratégicos, fundamentais para a produção de baterias e outras tecnologias de ponta. Além de controlar áreas onde estão localizadas as terras raras, quanto mais demora a guerra, mais a Rússia ampliará tais territórios.

Os EUA dependem diretamente do desenvolvimento de tecnologia e armas de todos os tipos, necessitando, portanto, dominar áreas com terras raras. Segundo informações do governo da Ucrânia, o país possui 5% de todas as reservas mundiais de matérias-primas críticas para as novas tecnologias, incluídos elementos de terras raras e outros minerais estratégicos. Por exemplo, as reservas ucranianas correspondem a cerca de 0,5% das reservas globais de lítio. Não são expressivas em termos mundiais, mas são estratégicas para a Europa. Os EUA precisam do lítio para a produção de baterias para veículos elétricos e outros equipamentos.

Elon Musk, responsável pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês), e dono da Tesla e SpaceX, tem demonstrado interesse nessas reservas da Ucrânia, principalmente o lítio. É bom lembrar que um dos motivadores do golpe de estado perpetrado contra Evo Morales em 2019, que teve o envolvimento direto do governo dos EUA, e ao que parece de Elon Musk, foi justamente o lítio. Das reservas mundiais conhecidas desse mineral, a Bolívia detém entre 25% e 45%, estimadas em 21 toneladas, a maior parte delas no Salar de Uyuni, maior deserto de sal do mundo, localizado no sudoeste do país.

A Ucrânia possui também reservas significativas de urânio, avaliadas em cerca de 2% das reservas mundiais, uma das maiores da Europa. Cerca de 20% da energia elétrica gerada nos Estados Unidos advém da energia nuclear. O principal combustível usado na geração de energia nuclear é o urânio enriquecido. Até o ano passado, cerca de 27% do urânio enriquecido utilizado nos EUA era importado da Rússia. O país contra o qual os EUA promovem uma guerra por procuração, fornecia mais de um quarto do produto fundamental para seus reatores nucleares comerciais. Em 2024 o governo de Joe Biden, sancionou uma lei que proíbe a importação de urânio enriquecido proveniente da Rússia e destinou US$ 2,7 bilhões para revitalizar a indústria nacional de processamento de urânio. Assim mesmo, a lei prevê exceções para empresas de energia nuclear que dependem diretamente do urânio russo para manter suas operações.

A Ucrânia também possui 7% das reservas mundiais de titânio, metal usado em aviões, naves espaciais, carros, equipamentos médicos de alta tecnologia, e estratégico para o setor marinho e militar. Possui também 20% do total mundial de grafito, o qual, devido às suas propriedades, é importante para várias indústrias.

Em 2023 a Forbes Ucrânia estimou que os recursos minerais do país totalizam aproximadamente 111 bilhões de toneladas, avaliados em cerca de US$ 14,8 trilhões. Reservas que estão, como mencionado, em mais de 70%, sob controle russo. Ou seja, a Rússia, além de impor uma derrota estratégica para os EUA no campo de batalha, que precisa apenas ser formalizada através de um acordo de paz, tomou conta de áreas contendo grandes quantidades de matérias-primas fundamentais. Esse, aliás, é um dos problemas centrais para a paz na Ucrânia, porque dificilmente a Rússia aceitará renunciar à conquista dessas regiões. Uma questão chave para a paz é: quando terminar a guerra, quem controlará esses recursos?

Zelensky está em muitos maus lençóis. A política do governo Trump de reduzir a ajuda financeira a países estrangeiros, e se concentrar na resolução dos problemas nacionais, levou a muitas agências na Ucrânia a suspenderem suas atividades, deixando o país em uma busca desesperada de recursos para programas como apoio à destruída rede elétrica da Ucrânia. Trump tem reiterado que não está disposto a financiar guerras infinitas, que custam muito dinheiro aos EUA, e que não resolvem os problemas dos EUA, como é o caso do conflito na Ucrânia.

O presidente não eleito da Ucrânia deveria atentar para o fato de que a política de Trump é diferente do governo anterior em muitas coisas, inclusive, e talvez principalmente, no financiamento de guerras. O caso da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), é ilustrativo dessa nova política de gastos. O presidente dos EUA ordenou uma suspensão quase total da ajuda externa dada pelo país, o que afetou diretamente a USAID. O orçamento dessa agência, só em 2024, foi de aproximadamente US$ 40 bilhões. Independentemente do que esteja planejando Biden, o fim da USAID é uma benção para os países subdesenvolvidos. Essa organização foi criada para reforçar as políticas de guerra do imperialismo contra seus inimigos ou países dominados. A USAID tem um currículo riquíssimo no apoio a golpes de Estado em todo o mundo.

No Brasil, por exemplo, foram assinados em 1966, em plena ditadura, os Acordos MEC-USAID, uma série de convênios firmados entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) do Brasil e a Agência norte-americana. Esses acordos visavam adequar o sistema educacional brasileiro, alinhando-o aos padrões norte-americanos. Em um dos principais acordos assinados entre o MEC e a USAID, em 1966, foi definido um convênio para reestruturar o ensino superior no Brasil. Esse acordo foi negociado em segredo, se tornando público depois de muita pressão política, principalmente da comunidade acadêmica.

O estoque da dívida dos EUA, mais de US$ 35 trilhões, representa 120% do PIB dos EUA (estimado em aproximadamente US$ 29,16 trilhões no ano passado). Quase US$ 2 bilhões são gastos diariamente apenas em juros da dívida nacional. No ano fiscal de 2024 (encerrado em 30 de setembro), o governo norte-americano gastou US$ 1,2 trilhão em juros da dívida, ultrapassando pela primeira vez os gastos com defesa nacional, que são disparados, os mais elevados do mundo. Mesmo para o país mais rico da Terra, é muito difícil sustentar, infinitamente, uma dívida dessa magnitude. O país que mantém a máquina de guerra mais cara do planeta (não necessariamente a mais eficiente, como vimos recentemente no Afeganistão), compromete mais de 30% de sua receita tributária federal com o pagamento de juros.

É muito cedo para prognósticos seguros, mas a Doutrina Trump parece que vai tentar estabelecer um recuo do imperialismo em escala mundial, em relação à atual política bélica. Trump parece não acreditar, por exemplo, que os Estados Unidos consigam sustentar indefinidamente o aparato militar internacional, que mantém cerca de 800 bases militares em pelo menos 80 países e mantém gastos com defesa de quase US$ 900 bilhões anuais.

O presidente dos EUA não quer gastar dinheiro com guerras, não somente porque está ligado a segmentos empresariais que não têm lucros com os conflitos, mas porque precisa concentrar forças na guerra econômica, que pretende travar principalmente contra a China. Trump está tentando fazer uma espécie de recuo organizado e nisso destoa completamente do chamado estado profundo norte-americano. Se ele irá conseguir realizar esse recuo é outra história, pois as pressões, dentro e fora dos EUA, são muito grandes.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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