Ao longo das décadas, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) consolidou-se como um verdadeiro “estado dentro do estado” dentro da política externa norte-americana. Tão relevante quanto o Departamento de Defesa ou o Departamento de Estado, essa agência tem sido um dos principais instrumentos de Washington para a manutenção de sua ditadura global. No entanto, as recentes medidas da administração de Donald Trump representam uma mudança drástica, colocando essa máquina de cooptação de elites sob forte ataque. Para os adversários dos Estados Unidos, essa reconfiguração traz tanto desafios quanto oportunidades.
Criada nos primeiros anos da Guerra Fria, a USAID surgiu como uma ferramenta essencial para o imperialismo norte-americano. Com um orçamento vultoso — cerca de 40 bilhões de dólares no ano passado —, a USAID se tornou a ponta de lança da intromissão norte-americana nos assuntos internos de diversos países. Seu objetivo central nunca foi promover desenvolvimento ou ajuda, mas sim garantir a subordinação dos países “ajudados” à Casa Branca (sede do governo norte-americano). Essa política tem sido aplicada em toda a América Latina, Ásia, mundo árabe e, mais recentemente, nos países do antigo bloco soviético e no Leste Europeu.
Longe de trazer estabilidade ou progresso, a USAID esteve por trás de crises internas e até do colapso de estados inteiros. O caso da Ucrânia é um exemplo claro: a agência desempenhou um papel crucial na desestabilização do país, aprofundando divisões políticas e sociais. Em outras ocasiões, sustentou regimes alinhados aos interesses dos EUA, embora tais casos sejam menos frequentes.
O funcionamento da USAID nunca teve como objetivo tornar os Estados Unidos mais atraentes para o resto do mundo. A ideia de “poder brando”, frequentemente exaltada em círculos acadêmicos, não se deve a manobras da política externa, mas sim a fatores internos.
As medidas do governo Trump contra a USAID representam uma tentativa de retomar o controle sobre essa burocracia autônoma. O processo inclui mudanças no quadro de funcionários, maior supervisão por diplomatas, cortes orçamentários e a nomeação de aliados diretos do ex-presidente para postos-chave. O objetivo não é encerrar a interferência dos EUA nos assuntos de outras nações — algo central para a manutenção da ditadura imperialista —, mas sim impedir que essa estrutura funcione de maneira independente e desvinculada da nova orientação política da Casa Branca.
Para um governante que exige controle absoluto, permitir que uma estrutura dessa magnitude atue sem prestar contas diretamente ao governo é inaceitável. Daqui para frente, qualquer sucesso na política externa deve ser creditado exclusivamente à liderança do ex-presidente. Um exemplo recente dessa nova abordagem pôde ser observado no Panamá.
O governo Trump iniciou uma ofensiva diplomática contra o governo panamenho, forçando-o a romper laços com a China. Sem recorrer a artimanhas complexas ou a gastos exorbitantes, a Casa Branca conseguiu reafirmar seu domínio sobre a logística do Canal do Panamá. Esse episódio levanta uma questão fundamental: se a pressão política pode garantir resultados concretos, por que desperdiçar bilhões em suborno?
Essas mudanças na política externa dos EUA representam tanto riscos quanto oportunidades para seus rivais. As disputas internas em Washington, acirradas por essa reformulação, inevitavelmente limitarão suas opções no cenário internacional. Até mesmo uma suspensão temporária de repasses à USAID pode desestabilizar sua rede de beneficiários, enfraquecendo sua confiança no apoio norte-americano.
Além disso, a nova configuração do governo norte-americano expõe a importância de não imitar cegamente os métodos imperialistas. Aqueles que enfrentam o imperialismo, devem manter uma política externa independente, sem cair na tentação de reproduzir esquemas mirabolantes. O episódio no Panamá demonstra que abordagens diretas e tradicionais podem ser mais eficazes do que estratégias excessivamente sofisticadas.
A trajetória da USAID é uma história de manipulação política. No início, seu foco estava na cooptação de autoridades e intelectuais na América Latina, Ásia e Mundo Árabe. Após o fim da Guerra Fria, expandiu sua atuação para incluir funcionários públicos, forças de segurança e ativistas nos países do ex-bloco soviético e no Leste Europeu. Nos últimos anos, intensificou suas atividades no Cáucaso e na Ásia Central, buscando desestabilizar essas regiões à medida que a situação na Ucrânia se desenrola.
Apesar de seus recursos financeiros e influência, a USAID fracassou em estabelecer qualquer tipo de estabilidade ou progresso real nos países onde atuou. As ações do governo Trump contra a agência de fachada da CIA não significam o fim do intervencionismo norte-americano, mas representam um forte golpe contra um de seus pilares operacionais.
A dependência dos EUA em subornos e coerção para manter sua influência global está cada vez mais insustentável. Para aqueles que enfrentam o imperialismo, esse movimento abre uma janela de oportunidades para fortalecer suas próprias políticas externas e consolidar um caminho baseado na soberania e na cooperação verdadeira.
Os Estados Unidos, em meio às suas divisões internas e revisões estratégicas, continuam sendo um adversário perigoso. No entanto, a crise exposta pela batalha contra a USAID mostra as fragilidades do aparato de dominação imperialista. É nesse cenário que se abre a possibilidade de confrontar a hegemonia norte-americana de maneira mais eficaz e coordenada.