Em artigo publicado no portal de esquerda Brasil 247, o jornalista e editor da revista Oásis Luis Pellegrini decreta a morte da luta política, apresentando uma fórmula mágica para derrotar um fenômeno social como o presidente norte-americano Donald Trump: ignorá-lo. Diz o autor, no artigo intitulado Ostracismo. O grande terror de Trump:
“O ostracismo é uma arma eficaz porque não exige confronto direto—em vez de destruir um oponente, ela simplesmente o torna irrelevante. Não será chegada a hora de aplicarmos essa vacina anti narcisismo a políticos como Trump e assemelhados?”
É uma solução idiota porque, entre outras coisas, ignora o fato de o homem ser presidente de uma nação. Como seria possível ignorá-lo? Trata-se de um mistério que o jornalista não se esforçou em demonstrar. Pior ainda, não se trata de qualquer nação, mas a mais desenvolvida nação imperialista do mundo, a que por ter interesses em todo o planeta, estende ao globo terrestre seu raio de ação. Pellegrini, no entanto, ignora completamente o que seriam questionamentos básicos a serem respondidos antes de formular sua tática genial e continua:
“Se você estiver lidando com um narcisista – e parece que, no momento, em nível mundial, todos nos estamos, a melhor estratégia pode ser justamente o “silêncio cinza” ou o “contato zero”, pois sem combustível emocional, eles tendem a perder o interesse. Não devemos esquecer que o ostracismo pode ser usado como arma política poderosa. Ele tem sido usado ao longo da história para enfraquecer adversários, silenciar vozes dissidentes e consolidar o poder de determinados grupos ou líderes.”
Que maravilha! Se ao menos tínhamos um Pellegrini por perto nas décadas de 1920 e 1930, teríamos evitado todos os horrores do fascismo e do nazismo. Bastava os italianos não prestarem atenção em Mussolini e os alemães fingirem que Hitler era apenas um sujeito com problemas de autoestima.
No Brasil, nem precisávamos ter lutado contra a Ditadura Militar: um grande silêncio coletivo teria feito os generais desistirem do poder e da repressão. Sem passeatas, sem greve, sem guerrilha—só um “silêncio cinza” e, pronto, resolvido!
Ocorre que se a tática da cegueira voluntária fosse uma estratégia revolucionária, o parlamentar socialista italiano Giacomo Matteotti, não teria sido assassinado por fascistas após proferir a clássica—e idiota—frase “coragem de ser covarde”, ao defender que a esquerda italiana não deveria combater Mussolini. Não foi assim que funcionou.
Do mesmo modo, a União Soviética não teria sido esmagada na primeira fase da invasão nazista se Stálin não tivesse acreditado que o melhor a fazer era “nada” diante da escalada hitlerista. No Brasil, quando a esquerda ficou de braços cruzados diante do golpe de 1964, o resultado foi um regime de terror que durou 21 anos. O que Pellegrini defende é a passividade diante da reação, a rendição disfarçada de estratégia.
Pellegrini parte de um equívoco fundamental: tenta analisar a política sob uma perspectiva psicológica de botequim. Se Trump é narcisista ou não, isso é irrelevante para entender seu papel político.
O ex-presidente representa um setor social bem definido, com interesses concretos, e sua existência é apenas a expressão de uma necessidade histórica. Se não fosse ele, seria outro.
No Brasil, Bolsonaro personificou a extrema direita, mas poderia ter sido outro, e talvez no futuro seja substituído por um novo líder. A política não se rege por “traços de personalidade”, mas pela luta de classes. Os Trumps, Mileis e Bolsonaros não são meras anomalias psicológicas—são fenômenos sociais, e como tais devem ser combatidos.
Concretamente, isso significa que os opositores da classe dominante que impulsiona essas figuras grotescas deve ser enfrentada pela classe trabalhadora, através de seus métodos tradicionais de luta e de eficácia comprovada: greves, piquetes, manifestações e a mobilização popular geral. Isso, porém, é o oposto do que defende o jornalista, que apresenta uma formulação de aparência nova para uma política que, como vimos acima, já foi usada em inúmeras oportunidades históricas, sempre com resultados catastróficos.
Se não quiser se ver em um regime de terror brutal, a tática defendida por Pellegrini deve ser não apenas ridicularizada por ser idiota, mas apontada como o que realmente é: uma tática derrotista onde quem termina sofrendo as piores consequências são justamente os trabalhadores, camponeses e estudantes.