No dia 29 de janeiro, o portal Esquerda Online publicou um texto de Lê Magalhães, Diretor LGBTI+ da UEE-SP e militante do Afronte!, intitulado Mais do que nunca, é hora de lutar pelas cotas trans em todas as universidades brasileiras. Em seu texto, Magalhães aborda o que acredita ser a necessidade de que o movimento estudantil lute pelas cotas trans nas universidades, tanto públicas quanto privadas, além de tecer críticas à extrema direita que, em sua visão, estaria indo contra os direitos humanos por se colocar contra as políticas identitárias.
O militante do Afronte! começa seu texto dizendo que é necessário agir, principalmente após a subida de Trump ao governo dos Estados Unidos, “as novas medidas da Meta em conflito com os direitos humanos” e a vitória de prefeitos do PL em todo o Brasil. A ação convocada seria “não apenas combater os retrocessos, mas avançar por medidas concretas e que transformem qualitativamente a realidade da classe trabalhadora. É nessa seara que a batalha por cotas trans deixa de ser somente uma tarefa fundamental e passa a ser mais – uma luta necessária, pra ontem, que deve ser encampada por todo movimento estudantil.”.
Na sequência, o autor descreve parte do programa trumpista, como a afirmação de que só existem dois gêneros, a determinação de que mulheres trans cumpram suas penas em presídios masculinos, o banimentos de trans das forças armadas e o fim dos chamados “programas de diversidade”. A política de cotas para trans, no entanto, não está nem um pouco conectada com a luta contra o fascismo.
Em primeiro lugar, é necessário lembrar que os ditos programas de diversidade nada mais são do que o financiamento do imperialismo norte-americano para que sua política seja levada ao resto do mundo. Quem perde com o fim desse financiamento são as ONGs que atuam no Brasil e em outros países atrasados, a favor do imperialismo. É uma medida que, apesar da contradição de ser feita por um elemento da extrema direita, é positiva para os povos que lutam contra o imperialismo.
Também é importante destacar que a eleição de Trump, assim como a vitória eleitoral da extrema direita bolsonarista em 2024, se dão justamente pela rejeição da política identitária pela maioria da população. Ao mesmo tempo, vimos uma capitulação gigantesca da esquerda pequeno-burguesa e identitária no Brasil na questão da Palestina, e na política econômica do ministro Fernando Haddad.
Sendo assim, não é possível levar a sério a ideia de que a principal reivindicação da juventude brasileira deva ser a luta por cotas para pessoas trans nas universidades. Aos olhos da população, estudantes que não se mobilizam por melhores condições de vida para o povo e que capitulam vergonhosamente, abdicando de lutar contra um genocídio transmitido 24 horas por dia na internet, mas que, ao mesmo tempo, reivindicam cotas universitárias para um setor extremamente minoritário da sociedade, serão vistos, na melhor das hipóteses, como desocupados.
Além disso, as cotas para pessoas trans não fazem sentido. Se as cotas para a população negra tiveram justificativa nos anos 2000, visto que negros são a maioria absoluta da população brasileira e, ainda assim, enfrentam grandes dificuldades para acessar o ensino superior, as cotas para pessoas trans não possuem a mesma fundamentação. Primeiro, porque, como já mencionamos, pessoas trans representam uma parcela ínfima da população brasileira. Se fôssemos lutar por cotas para todos os grupos oprimidos do país, haveria muitos outros setores mais numerosos que o das pessoas trans para serem contemplados.
Em segundo lugar, transsexuais, travestis, não binários e outras identidades de gênero abrangem qualquer indivíduo que não se identifique com o sexo atribuído ao nascer. Por que isso, por si só, justificaria a necessidade de cotas? Qual seria o impedimento concreto que essas pessoas enfrentam para ingressar na universidade? Diferente da população negra, que, em sua maioria, vive em condições de miséria no Brasil, pessoas trans não necessariamente compartilham da mesma realidade socioeconômica. Embora uma parcela significativa desse grupo seja relegada à prostituição, essa não é a parcela que, majoritariamente, busca acesso ao ensino superior.
Além disso, ao contrário do que ocorre com a população negra, que, em geral, encontra dificuldades para ingressar na universidade, pessoas trans já constituem um dos segmentos mais visíveis dentro das instituições de ensino superior.
Dessa forma, a luta por cotas universitárias para pessoas trans não trará benefícios significativos nem para aquelas que já estão na universidade, nem para aquelas que sequer cogitam ingressar no ensino superior e, muito menos, para a população em geral. Pelo contrário, essa política pode intensificar o ressentimento e o preconceito contra pessoas trans, pois, no imaginário popular, elas passarão a ser associadas ao identitarismo — o mesmo identitarismo que incentiva a censura, promove demissões e criminaliza indivíduos por opiniões divergentes.
A própria política de cotas para a população negra já atingiu seus limites e não tem conseguido ampliar significativamente o acesso ao ensino superior. O que realmente se faz necessário para a democratização das universidades é o fim do vestibular e a implementação do acesso universal à graduação. Somente dessa maneira será possível garantir que toda a população, incluindo as pessoas trans, possa ingressar no ensino superior.