Escrito pelo jornalista Paulo Henrique Arantes e publicado no portal de esquerda Brasil 247 no último dia 16, o artigo Depois do Pix, mais e piores fakes virão, trata a agitação direitista contra os vagos anúncios do governo a respeito do método de pagamentos Pix, indicando que uma tributação sobre movimentação financeira nesse formato poderia estar a caminho. Curiosamente, Arantes acusa o parlamentar bolsonarista Nikolas Ferreira (PL) de ser o “ponta-de-lança da onda deturpadora acerca do Pix”, acrescentando: “se não mentiu, semeou medo com a famigerada postagem viralizada”. Ferreira “não mentiu”, mas incorreu no “crime” de semear medo? Continua Arantes:
“Não se deve jogar o mesmo jogo sujo dessa turma, mas sim buscar punição exemplar para os criminosos da comunicação. Nunca foi tão urgente a criação de uma lei específica contra as fake news.”
Para ficar mais claro, Nikolas Ferreira não cometeu “crime de mentir”, nem qualquer ato tipificado como crime na legislação brasileira, mas, ainda assim, deveria receber “punição exemplar”. Tudo pelo “crime” de ser “criminoso da comunicação”. Com isso dito, é preciso destacar que ao defender “punição exemplar” para supostos “criminosos da comunicação”, a esquerda se rebaixa ainda mais em direção a posições verdadeiramente fascistas, quer tenha consciência disso ou não.
Ao defender concretamente a censura e o uso da repressão estatal para coibir críticas políticas, Paulo Henrique Arantes adota uma postura que deveria causar arrepios em qualquer um que preze pela liberdade de expressão. Em uma sociedade civilizada, a ideia de “comunicação criminosa” é um contrassenso, pois o valor de uma comunicação, por mais falsa ou imprecisa que seja, não reside em sua veracidade, mas na liberdade de sua emissão. A comunicação, seja ela persuasiva, equivocada ou até manipuladora, jamais será, por si só, capaz de causar danos materiais que justifiquem intervenção violenta.
Acusar um marqueteiro de “matar cidadãos” ou de provocar violência por suas palavras é ignorar o papel da crítica e do contraditório no debate político. Não se combate ideias com repressão, mas com melhores argumentos.
Sob um ponto de vista mais amplo, a histeria sobre as supostas mentiras de opositores como Nikolas Ferreira revela um problema mais profundo: o descrédito do governo junto à população. Se mentiras prosperam, é porque o terreno foi preparado pela desconfiança popular.
No caso específico do Pix, a facilidade com que muitos acreditaram que o governo estaria planejando tributá-lo reflete uma percepção negativa que não surge do nada. Afinal, por que o governo estaria tão interessado em monitorar essas transações? Além disso, a memória recente de aumentos de carga tributária sobre trabalhadores taxando o consumo reforça a suspeita de que tal política poderia ser real.
É natural que, em uma situação de desaprovação generalizada, boatos ganhem força. O problema, portanto, não é a mentira, mas a realidade concreta que torna a mentira crível.
É especialmente curioso que um comunicador como Arantes defenda a repressão contra determinadas opiniões ou narrativas políticas. No exercício de sua própria liberdade de expressão, ele escreve e publica uma coluna claramente partidária, criticando ferozmente opositores.
Certamente, ele não gostaria de ver suas ideias submetidas a uma censura e à repressão estatal. Em um cenário de inversão política, onde um governo de direita estivesse no poder e aplicasse as mesmas “punições exemplares” que Arantes propõe, seria possível que ele mesmo fosse calado, acusado de “comunicação criminosa”.
Tal perspectiva expõe o erro fundamental de se abrir precedentes repressivos: a despeito da orientação de um determinado governo, o poder estatal reside em sua classe dominante, a burguesia, que politicamente, se faz representar pela direita e tem a oposição da esquerda, grosso modo. A repressão, uma vez institucionalizada, atinge qualquer voz que incomode a classe dominante, mas quando se trata de reprimir a esquerda, ela é particularmente mais feroz.
O que torna essa postura mais preocupante é a cegueira diante das implicações de longo prazo. Ao propor leis e medidas punitivas para crimes de opinião, o autor reforça o poder coercitivo do Estado sobre os debates políticos e oferece à burguesia um mecanismo para silenciar movimentos populares no futuro.
Hoje, a repressão pode ser dirigida contra elementos da extrema direita que por um desacordo momentâneo, o setor mais poderoso da burguesia busca disciplinar. Amanhã, porém, será a própria esquerda que estará sufocada pelos instrumentos que ajudou a criar, como aprendiz de feiticeiro.
Defender tal política é trair não apenas os valores progressistas, mas também as aspirações democráticas mais fundamentais. Essa contradição interna revela o perigo de uma política movida pela ânsia de vingança, em vez de ser guiada por princípios sólidos de liberdade para os trabalhadores e demais povos oprimidos, os que mais precisam da liberdade de expressão para se organizarem politicamente.