O povo da Palestina não lutou apenas contra a ocupação sionista. Durante os séculos de domínio do Império Otomano houve diversas revoltas tanto dos oprimidos contra as classes dominantes locais, quanto contra a dominação de Istambul, a capital do império. Uma das mais marcantes aconteceu quase exatamente 100 anos antes da Revolução Palestina de 1936, no ano de 1834 e teve como centro a cidade de Jerusalém.
Em 1834, o povo de Jerusalém e os camponeses de suas redondezas se rebelaram contra Ibrahim Paxá, o governador da província. A população sofria com grandes impostos, que já havia sido a causa de inúmeras revoltas na região anteriormente. Além disso, Muhammad ‘Ali, o líder do Egito, estava recrutando soldados para seu novo exército, que ele enviava à Arábia para combater os uhabaitas e ao Iêmen.
Como parte da campanha para recrutar sírios (a Palestina era parte da Grande Síria) para o exército egípcio, Ibrahim Paxá estava desarmando os habitantes de Nablus e da região ao redor de Hebrom, hoje cidades da Cisjordânia ocupada. Ou seja, as guerras do império estavam gerando uma crise com a população de camponeses, algo muito comum.
Em 25 de abril de 1834, Ibrahim Paxá convocou todos os líderes de Jerusalém e Nablus, ordenando o recrutamento de um em cada cinco muçulmanos, começando pela cidade de Jerusalém com a chamada de 200 homens. Outros 3.500 homens dos sanjaqs de Jerusalém e Nablus, e 500 de Hebron também foram exigidos naquele momento.
William Thomson, um missionário norte-americano de Jerusalém nessa época, escreveu em 19 de maio de 1834 que havia “encontrado muitos felahins (camponeses palestinos), armados e equipados para a guerra”. Ele “perguntou a um dos felas que veio até nós se ele estava caçando pássaros. Com um sorriso amargo, ele respondeu: ‘Meus pássaros estão em Jafa, e meu chumbo é para o Paxá.’”
Thomson explicou que os confrontos se deviam “a uma ordem do Paxá para levar um em cada cinco homens para ser soldado, o que enfureceu grandemente os montanheses”. Ele relatou que eles “juraram pelo seu profeta que nunca se submeteriam a serem transformados em ‘nezzam,’” como eram chamados os soldados egípcios. Thomson observou que suas “maiores objeções são suficientemente ridículas, mas caracterizam de forma marcante os sentimentos do povo. O Paxá raspa suas longas barbas e os coloca no uniforme do Nezzam [sic], muito semelhante ao dos francos; duas coisas que são uma abominação aos olhos do povo. Uma pobre mulher reclamou amargamente que o Paxá ‘os fazia todos ficarem jovens novamente”.
A revolta se tornou algo gigantesco, os camponeses se armaram contra as imposições do império. Em 8 de maio de 1834, camponeses cercaram a cidade de Jerusalém, bloqueando todos os portões da cidade. Dez mil homens de Nablus, Hebron, Jerusalém e Gaza começaram a atacar as muralhas de Jerusalém, mas foram repelidos pelos soldados.
Cinco dias depois, houve um acontecimento inesperado, um terremoto. Os muçulmanos de Jerusalém acreditaram “ter sido causado pela tentativa de Ibrahim Paxá de recrutar soldados daquela cidade sagrada – algo nunca antes tentado”.
Por um período de cinco dias, os combates cessaram. Então, em 19 de maio, os moradores de Siluan apontaram aos líderes da rebelião um esgoto abandonado que ia desde a área próxima ao Portão do Lixo até um moinho no bairro judeu da cidade. Pessoas se reuniram próximo ao Portão do Lixo [Bab al-Maghariba] e, no domingo, 20 de maio, 36 camponeses e residentes de Jerusalém rastejaram pelo esgoto para entrar na cidade. Em seguida, foram até o Portão do Lixo e o abriram, permitindo a entrada do restante dos camponeses. Assim começou a batalha em Jerusalém.
Cerca de 20.000 camponeses invadiram a cidade. Em 23 de maio, os armazéns do governo para armazenamento de provisões e o celeiro estatal foram saqueados. Ibrahim Paxá partiu de Jafa em direção a Jerusalém. Batedores rebeldes relataram seus movimentos ao longo da rota, e, em 25 de maio, os rebeldes se retiraram de Jerusalém. A revolta durou mais um mês antes da repressão virar o jogo.
Quando os otomanos finalmente restauraram seu poder, o sentimento público em favor de Qasim al-Ahmad, o principal líder da revolta, era tão forte que os xeiques de Nablus apresentaram um memorial ao comandante militar otomano Izzet Paxá, pedindo que o filho de al-Ahmad fosse indicado como o governador de sua cidade.
Entre 1º e 30 de julho, Jabr Abu Ghush, o novo governador de Jerusalém, liderou a desarmamento da população local. Aqueles encontrados com mosquetes ou facas foram executados. Além disso, Muhammad Ali ordenou a decapitação dos governadores de Lida e Ramla, bem como dos xeiques das aldeias próximas a Jafa que participaram da rebelião. Acre foi retomada ao custo de 2.000 vidas de camponeses. Com a rebelião esmagada e a liderança local destruída, Muhammad Ali sentiu-se confiante o suficiente para partir para o Cairo em 6 de julho. Ibrahim Pasha retornou a Jerusalém com 30.000 recrutas em 20 de julho.
A revolta dos camponeses contra o império representou os interesses de toda a população local contra as políticas opressivas de Muhammad Ali. Grande parte das classes dominantes locais aderiram ao movimento. Apesar de ser muito diferente da Revolução de 1936, que foi o surgimento da Palestina como nação, a revolta de 1834 é um marco histórico que mostra como os oprimidos da palestina tem uma história de milênios de lutas.