Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 na era FHC: o início da bomba relógio contra o povo
O Plano Real talvez tenha sido o plano econômico mais bem sucedido em termos de garantias de rendimentos da história dos países atrasados ou dependentes, e quiçá do mundo. Uma engenharia econômica que contou com dispositivos constitucionais plantado na raiz de uma fraude (Constituinte 1987; promulgação da Constituição 1988), a cartilha do FMI que balizava os acordos do Consenso de Washington que seriam impostos aos países periféricos como o Brasil através da exigência de um enorme plano de privatizações, contenção enorme de gastos e investimentos públicos, redução drástica de políticas públicas das mais diversas, com aumento de impostos e contribuições, além de salários arrochados. Seguem nesse modelo a criação da DRU (Desvinculação das Receitas da União que nasce como Fundo Social de Emergência – FSE) em 1994, a criação do Comitê de Política Monetária (COPOM) em 1996, a federalização de todos os títulos públicos emitidos no país a partir de 1997 e a temerosa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de 2000.
Segundo o portal do senado federal que contribui para explicar o dispositivo no site https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/dru “A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.
Criada em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), essa desvinculação foi instituída para estabilizar a economia logo após o Plano Real. No ano 2000, o nome foi trocado para Desvinculação de Receitas da União.
Na prática, permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. A DRU também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública.
Prorrogada diversas vezes, a DRU está em vigor até 31 de dezembro de 2015. Em julho, o governo federal enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87/2015, estendendo novamente o instrumento até 2023.
A PEC aumenta de 20% para 30% a alíquota de desvinculação sobre a receita de contribuições sociais e econômicas, fundos constitucionais e compensações financeiras pela utilização de recursos hídricos para geração de energia elétrica e de outros recursos minerais. Por outro lado, impostos federais, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Renda (IR), não poderão mais ser desvinculados”. Fonte: Agência Senado
Ao nos debruçarmos sobre o período de Fernando Henrique Cardoso à frente da presidência da república compreendemos que as principais transformações econômicas que deram suporte ao Sistema da Dívida Pública foram implementadas. A política monetária excessivamente restritiva ou contracionista com altíssimas taxas de juros desde a primeira década do Plano Real exigia um esforço cada vez maior de severos ajustes fiscais (aumento de impostos e contribuições e do outro lado drástica redução dos investimentos em políticas públicas sociais e de infraestrutura) devido ao aumento bastante rápido e elevado da dívida pública. O setor primário como saúde e educação seguia um ritmo de cortes acelerados em percentuais enquanto que as contribuições tendiam a crescer para dar conta do superávit primário (poupança gerada para pagar os juros da dívida pública).
Já no governo Lula a sangria dos cofres públicos continuava exigir a continuidade do ajuste fiscal para engordar o superávit primário, onde a DRU pede passagem para subtrair recursos que deveriam abastecer o orçamento para as políticas públicas, como na passagem de uma matéria do portal projuris que discute a relação existente entre o déficit da previdência e a DRU a partir de uma entrevista com a coordenadora nacional da auditoria cidadã da dívida pública Maria Lúcia Fatorelli https://www.projuris.com.br/blog/reforma-da-previdencia-dru/ “Fattorelli declara, ainda, que o discurso do déficit, tão levantado na defesa da Reforma da Previdência, é fake. Ou seja, é um déficit produzido, já que a conta apresentada pelo governo compara o valor arrecadado com as contribuições do INSS (pagas pelos trabalhadores e empresários) com todo o gasto com a Previdência Social, que está inserida dentro da Seguridade juntamente com Assistência e Saúde, porém, a Constituição Federal cuidou de estabelecer fontes de receitas diversas, pagas por toda a sociedade.
Segundo ela, e de acordo com dados oficiais anualmente divulgados pela ANFIP, há um superávit impressionante de 1988 a 2015. Em 2016 não houve sobra de recursos por irresponsabilidade do governo, que concedeu desonerações exageradas a diversos setores e errou enormemente na política monetária, que deixou mais de 13 milhões de desempregados e 37 milhões na informalidade, comprometendo, assim, a arrecadação do INSS.
Por fim, ela afirma que a simples existência da DRU (Desvinculação de Receitas da União) comprova que sobram recursos na Seguridade Social, pois se faltassem não haveria nada para desvincular, e que a distorcida conta do falacioso “déficit” não pode servir de justificativa para a PEC 287, cujo principal objetivo é favorecer o mercado financeiro com a proliferação dos planos de previdência privada que não oferecem garantia alguma de pagamento de benefício futuro à classe trabalhadora, podendo simplesmente quebrar ou desaparecer, como ocorreu nos Estados Unidos e Europa”.
Os desvios orçamentários da previdência através da DRU também podem ser considerados reflexos das imposições do imperialismo na fase da globalização econômica e financeira neoliberal sob a tutela do FMI, além dos parceiros domésticos que procuram uma parte ainda que considerável da previdência para fatiá-la ao seu bel prazer. A Lei de Responsabilidade Fiscal que introduziu exigências a partir do artigo 166 da Constituição de 1988 foi o dispositivo que proporcionou a emissão de títulos da dívida pública de maneira desenfreada, privilegiando banqueiros e rentistas nacionais e estrangeiros ao longo de décadas. A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) de 2000, em pleno segundo mandato de FHC procurou assegurar o pagamento dos juros da dívida pública aos bilionários domésticos e internacionais afim de garantir os maiores rendimentos do planeta. Para isso foi necessário criar a LRF que dispunha sobre os gastos e investimentos públicos, não apenas do governo federal como também de Estados e municípios, afim de garantir o superávit primário aos banqueiros e rentistas.
O argumento para colocar em prática, através de uma lei austera a restrição dos gastos públicos primários, como o pagamento do funcionalismo público, investimento em saúde, educação e obras públicas, entre outros, reside na retórica costumeira de que esses gastos são os que mais consomem o orçamento da união e demais entes federados. Desta maneira, segue a tabela do projeto precursor do Teto de Gastos. De acordo com o portal https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:27789
“Os gastos com a folha de pagamento de pessoal representam o principal item de despesas de todo o setor público brasileiro. Entre 1996 e 2000, o conjunto dos Estados brasileiros gastou em média, 67% de suas receitas líquidas (receitas disponíveis) com pagamento de pessoal 10. O que acontece quando um ente público despende 70% de suas receitas líquidas com a folha de pagamento? Significa que restam 30% para a realização dos serviços públicos básicos, como educação, saneamento, saúde e segurança, sem considerar a manutenção de estradas e vias urbanas, a preservação do patrimônio público, etc. Além disso, o crescimento populacional demanda um programa de investimentos crescente por parte dos governos. Uma crítica constante à Lei de Responsabilidade Fiscal diz respeito à imposição de limites para os gastos com pessoal.
A definição desses limites busca simplesmente permitir que o administrador público cumpra o papel que a sociedade lhe atribuiu: proporcionar bem-estar à população, a partir dos recursos que lhe são entregues na forma de impostos. Certamente que o aumento da participação da folha de pagamento nas receitas de Estados e Municípios deveu-se, como já foi visto, à estabilidade econômica e a queda nos índices inflacionários. Além disso, a despesa com pessoal apresenta um componente vegetativo importante, responsável pelo crescimento deste tipo de despesa de forma continuada. Por conseguinte, a limitação dos gastos com pessoal em percentual da RCL deve-se, antes de mais nada, à necessidade de manter o setor público com os recursos necessários à sua manutenção e ao atendimento das demandas sociais”.
O portal do Tesouro Nacional procura justificar que a LRF não limita os gastos e investimentos públicos, mas sim, disciplina a administração pública para que tenha responsabilidade na condução das políticas públicas e a manutenção da máquina estatal da maneira adequada, segundo os manuais das instituições financeiras multilaterais sob a égide do imperialismo. No mesmo manual do Tesouro, que segue as orientações do padrão internacional de administração orçamentária vejamos a disposição para os gastos públicos em todas as esferas do Estado brasileiro:
Limites com Pessoal
De acordo com a LRF, entende-se como despesas de pessoal: 1. Somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos; 2. Despesas com inativos e pensionistas; 3. Mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias; 4. Vencimentos e vantagens, fixas e variáveis; 5. Subsídios, proventos de aposentadoria; 6. reformas e pensões; 7. Adicionais de qualquer natureza; 8. Gratificações, horas extras e vantagens pessoais; 9. Encargos sociais e 10. Contribuições recolhidas pelo Ente às entidades de previdência.
A apuração dos gastos com pessoal será feita com base em um período de 12 meses. Neste caso, os limites a serem apresentados no Relatório de Gestão Fiscal – RGF do primeiro e do segundo quadrimestre, somarão despesas com pessoal relativas a dois exercícios financeiros, já que a contagem retroage 11 meses. Somente o RGF referente ao último quadrimestre do ano apresentará as despesas de pessoal verificadas na unicidade do exercício financeiro.
A LRF determina dois limites distintos para os gastos com pessoal no setor público:
- 50% da RCL para a União;
- 60% da RCL para Estados e Municípios.
Cumpre ressaltar que após a publicação da LRF, fica revogada qualquer outra legislação que verse sobre estes limites. É o caso da Lei Complementar nº 96 de 1999, conhecida como Lei Camata II. De acordo com a LRF, tais limites serão agora repartidos entre todos os Poderes públicos, com percentuais específicos para cada Poder.
Na esfera estadual o limite de 60% será repartido da seguinte forma:
- 2% para o Ministério Público;
- 3% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Estado;
- 6% para o Judiciário;
- 49% para o Executivo.
- Na esfera municipal o limite de
- 60% será assim repartido;
- 6% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Município, quando houver;
- 54% para o Executivo.
- Na esfera Federal o limite será de
- 50% da RCL, assim dividido:
- 40,9% para o Executivo;
- 6% para o Judiciário;
- 2,5% para o Legislativo;
- 0,6% para o Ministério Público.
Nos Poderes Legislativo e Judiciário, os limites serão repartidos, entre os seus diversos órgãos, na proporção das despesas que vinham sendo realizadas em exercícios anteriores. Um exemplo: digamos que nos três exercícios financeiros anteriores à publicação da LRF (1997,1998 e 1999) dentro do Poder Judiciário a média das despesas com pessoal foi dividido entre o órgão A e o órgão B na proporção de 40% e 60% respectivamente. A partir de maio de 2000, com a limitação dos gastos com pessoal sendo igual a 6% da RCL para o Poder Judiciário, isto significa que o órgão A terá um limite de 2,4% da RCL para as despesas com pessoal, enquanto que para o órgão B, este limite será igual a 3,6%. Nos Estados onde houver Tribunal de Contas dos Municípios, o limite para os gastos com pessoal do Legislativo será igual a 3,4% da RCL, enquanto que o Executivo perderá este percentual a maior do seu limite (0,4%), que passará então para 48,6% da RCL”.
Nesse espaço não incluímos as exceções ao enquadramento dos compromissos da LRF por se tratarem de despesas relacionadas a uma série de dívidas pendentes com indenizações, demissões voluntárias, decisões judiciais, entre outros, e que não podem estar condicionadas. Analisamos também; que além do setor financeiro não estar presente a nenhum enquadramento da Lei, mesmo sendo o setor de maior despesa, mas, que não computado no cálculo do gasto público; esse último, ainda impõe condicionantes ao setor primário (saúde, educação, etc.) para que o próprio se beneficie através da sua materialização nos recebíveis títulos da dívida pública. Isto é, para todos os gastos e investimentos existe um limite ou teto, mas para o setor que mais onera a união e seus entes federados; o setor financeiro; não há limite. Vejamos que na cartilha do Tesouro Nacional o embrião do Teto de Gastos e do próprio Arcabouço Fiscal já está presente na LRF conforme essa passagem abaixo:
“Nesse propósito, por ocasião da aprovação da LDO, o legislador tomará cuidado na repartição das receitas, não permitindo que o texto da lei de diretrizes esteja em desacordo com os ditames da LRF.
As metas fiscais destacadas no Anexo de Metas Fiscais da LDO serão apresentadas, como já mencionado, pelo Poder Executivo em relatórios quadrimestrais, até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro. No caso dos Estados e Municípios, a avaliação será feita em audiência pública nas respectivas Casas Legislativas. Na União, a apresentação dos relatórios quadrimestrais será feita na Comissão Mista do Congresso Nacional. Uma vez que o Anexo de Metas Fiscais apresenta as metas previstas para o exercício, espera-se que a cada quadrimestre, a administração pública esteja cumprindo pelo menos com um terço das metas programadas.
Dessa forma, o não atingimento do percentual das metas em um quadrimestre significará esforço maior para sua compensação nos quadrimestres seguintes”
Nesse último parágrafo a armadilha fiscal permanece, já que o governante necessita de um esforço fiscal ainda maior, caso não consiga cumprir as metas já estabelecidas pela LRF. Municípios e Estados, além da própria união ter muita dificuldade de aumentar receitas para cumprir com o orçamento anual, já que o compromisso com o pagamento de juros da dívida pública consome mais da metade do orçamento do governo federal e a economia cresce em ritmo muito lento devido a taxa de juros muito elevada praticada pelo Banco Central a pedido dos bancos e demais sócios do imperialismo. Vejamos que na cartilha da LRF o pagamento de juros é considerado pelos seus elaboradores como sendo o menos danoso para a saúde financeira do Estado brasileiro, cujo os dados da época já apontavam para uma escalada bastante elevada da dívida pública, em grande medida devido aos abusivos juros pagos entre 1994 (início do Plano Real e 2000 – ano da criação da LRF)
Para conter os gastos excessivos com juros abusivos a LRF não se pronuncia e ainda ressalta que para o pagamento de juros da dívida pública não há limite conforme a passagem a seguir de um artigo acadêmico que aborda claramente o problema central da LRF file:///C:/Users/mgmar/Downloads/4345-Texto%20do%20artigo-15802-1-10-20210126.pdf (REBELA, v.10, n.3. set./dez. 2020; p. 522)
“Outro mecanismo usado para apropriação financeira de recursos públicos, é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (SANDOVAL, 2010). Essa lei protege o grande capital ao priorizar, legalmente, a obtenção do superávit primário para pagamento de juros da dívida (SANDOVAL, 2010). Também derivada das exigências acordadas com o FMI, a LRF busca garantir, mesmo sob condições de instabilidade econômica, o pagamento dos empréstimos aos credores do Estado, o que implica, necessariamente, políticas de austeridade fiscal contra a população, e, em contrapartida, sossego e privilégio para o capital especulativo investido no Estado.
Sandoval (2010) ao citar Lopreato, destaca a imposição do FMI que ao estabelecer regras fiscais na obtenção de receita para pagamento dos empréstimos, tornou refém qualquer governo do ajuste e controle das contas públicas restringidas ao orçamento do FMI que prioriza, indiscutivelmente, a reprodução e valorização do capital. Por outro lado, a LRF não restringi as transferências de recursos do Fundo Público ao capital, uma vez que, entre os gastos públicos e o capital, o Estado é coagido pela LRF a arcar, prioritariamente, com o pagamento de juros e/ou amortizações da dívida pública (SANDOVAL, 2010)”.
Corroborando ao artigo citado acima a própria cartilha se contradiz a medida que aponta crescimento da dívida pública financeira e ao mesmo tempo afirma que a mesma tem baixo impacto no endividamento público geral como mostra o portal com o link abaixo:
https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:27789 os juros nominais elevaram a dívida em R$ 109,4 bilhões e contribuíram com 17,5% para o aumento da dívida, ao passo que a desvalorização cambial, decorrente da existência de títulos públicos denominados em reais, mas atrelados à variação da taxa de câmbio, foi responsável por R$ 72,8 bilhões na elevação da dívida e responde por 11,7%. Ou seja, juros e câmbio, considerados como itens isolados, explicam apenas uma parte relativamente menor da expansão da dívida pública no período; Num outro artigo do IPEA que aponta como a lei é também punitivista https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8092/1/BAPI_n12_Domin%C3%A2ncia.pdf a passagem na sequência revela que a LRF foi um instrumento criado pelo FMI para cumprir com as obrigações do pagamento dos juros e seguir toda uma normatização financeira e de adequação com a nova administração pública lastrada pela responsabilidade fiscal.
“No caso brasileiro, a negociação de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) obteve avanço com o governo presidido por Fernando Henrique Cardoso (FHC). Em 1998, as primeiras tratativas já previam algumas inovações no domínio do superavit primário. A equipe do fundo reconhecia os avanços que a equipe comandada por Pedro Malan obtinha em termos de mudanças na condução da política econômica. Os compromissos assumidos para os saldos positivos nas contas primárias do governo apontavam ganhos satisfatórios para o triênio 1999-2001.
Além disso, o governo passou a empenhar-se decididamente na elaboração e na aprovação de um novo marco legal para o tratamento das finanças públicas no Brasil. Assim, o Executivo encaminhou, em 13 de abril de 1999, a Mensagem no 485 ao Congresso Nacional. Ali está apresentado o Projeto de Lei Complementar no 18/1999,2 regulamentando os Artigos 163 e 169 da Constituição Federal. De acordo com a mensagem, o novo marco legal pretendia criar um novo modelo de tratamento das contas públicas no país.
A ementa apresentava aquilo que era caracterizado como sendo o “regime de gestão fiscal responsável”. Após pouco mais de um ano de discussão e tramitação no interior do parlamento, a matéria foi aprovada e converteu-se na Lei Complementar no 101/2000,3 mais conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O texto guarda um traço excessivamente conservador no que se refere ao tratamento da política fiscal, beirando o espírito de criminalização dos agentes públicos envolvidos com a matéria. Alguns excessos foram retirados da versão original encaminhada pelo governo, como a exigência de uma “declaração de Gestão Fiscal Responsável”, a ser firmada periodicamente pelos chefes de todos os poderes dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal. Procedeu-se à substituição para uma versão mais atenuada da intenção punitivista, com a exigência de um documento mais singelo, o “Relatório de Gestão Fiscal”.
A LRF certamente consegue impor a sua lógica coercitiva e punitivista ao longo da década de 2000 e ainda entre 2016 e 2017 quando passa a ser submetida pela reconfiguração na lei do Teto de Gastos do governo Temer. O artigo 166, a LRF e o Teto de Gastos fecham o circuito de amarras constitucionais para que o grande capital seja priorizado sem limites e com fortes impactos sociais negativos até o presente.
Segundo o portal do senado federal, alguns anos atrás https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/15/promulgada-emenda-constitucional-do-teto-de-gastos “O Congresso Nacional promulgou, nesta quinta-feira (15), a Emenda Constitucional 95, que limita por 20 anos os gastos públicos. A PEC 55/2016 foi aprovada pelos senadores na última terça-feira (13). Também foi promulgada, em sessão presidida pelo senador Renan Calheiros, a Emenda Constitucional 94, que institui um novo regime de pagamento de precatórios (PEC 159/2015).
Encaminhada pelo governo de Michel Temer ao Legislativo com o objetivo de equilíbrio das contas públicas por meio de um rígido mecanismo de controle de gastos, a PEC do teto de gastos públicos foi aprovada depois de muita discussão entre os senadores.
De acordo com o texto, o teto para 2017, primeiro ano de vigência da PEC, será definido com base na despesa primária paga em 2016 (incluídos os restos a pagar), com a correção de 7,2%, a inflação prevista para este ano.
A partir de 2018, os gastos federais só poderão aumentar de acordo com a inflação acumulada conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A inflação a ser considerada para o cálculo dos gastos será a acumulada em 12 meses, até junho do ano anterior. Assim, em 2018, por exemplo, a inflação usada será a medida entre julho de 2016 e junho de 2017.
O regime valerá para os orçamentos fiscal e da seguridade social e para todos os órgãos e Poderes da República. Dentro de um mesmo Poder, haverá limites por órgão. Existirão, por exemplo, limites individualizados para tribunais, Conselho Nacional de Justiça, Senado, Câmara, Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público da União, Conselho Nacional do Ministério Público e Defensoria Pública da União.
O órgão que desrespeitar seu teto ficará impedido de, no ano seguinte, dar aumento salarial, contratar pessoal, criar novas despesas ou conceder incentivos fiscais, no caso do Executivo.
A partir do décimo ano, o presidente da República poderá rever o critério uma vez a cada mandato presidencial, enviando um projeto de lei complementar ao Congresso Nacional.
Exceções
Algumas despesas não vão ficar sujeitas ao teto. É o caso das transferências de recursos da União para estados e municípios. Também escapam gastos para realização de eleições e verbas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Profissionais da Educação Básica (Fundeb).
Saúde e educação também terão tratamento diferenciado. Esses dois pontos vêm gerando embates entre governistas e oposição desde que a PEC foi anunciada pelo presidente Michel Temer. Para 2017, a saúde terá 15% da Receita Corrente Líquida, que é o somatório arrecadado pelo governo, deduzido das transferências obrigatórias previstas na Constituição.
A educação, por sua vez, ficará com 18% da arrecadação de impostos. A partir de 2018, as duas áreas passarão a seguir o critério da inflação (IPCA)”. Fonte: Agência Senado.
O assim denominado Teto de Gastos foi aprovado como uma imposição do sistema financeiro internacional em conluio com o capital bancário e rentistas bilionários do país e demais representantes do imperialismo de conjunto. Amarras constitucionais e privilégios para o pagamento de juros da dívida pública possibilitaram o avanço da acumulação e reprodução do capital em escala global, com eixo estratégico no Brasil a partir do dueto Tesouro Nacional e Banco Central. Uma dobradinha tecnocrática estratégica que visa estabelecer uma agiotagem institucional lastreada pela lei e pela burocracia do Estado a serviço do rentismo nacional e transnacional.
No bojo do golpe de Estado de 2016 o chamado ultraliberalismo ou neoliberalismo 4.0 impulsionou o rentismo e todas as demais atrocidades da direita golpista tradicional liberal e bolsonarista e a partir da eleição de Luís Inácio Lula da Silva a sangria do golpe a princípio parece ter sido estancada. Ao mesmo tempo, uma série de contradições foram encontradas na primeira versão do projeto do Arcabouço Fiscal do final de março 2023 que precisamos esmiuçar com o devido cuidado e clareza na próxima edição dessa coluna.