O membro da direção nacional do PT Alberto Cantalice usou seu perfil no X no último dia 21 para publicar uma defesa da política de capitulação à direita, sob a forma da frente ampla, um alinhamento da massa falida do antigo centro político, os partidos que protagonizaram o golpe de 2016 e acabaram derretendo com a ascensão da extrema direita, caso mais notório (mas não único) do PSDB. Defendendo essa política, Cantalice destaca que “sem a consolidação de uma Frente Ampla o futuro será muito mais difícil”, o que é uma declaração curiosa, já que graças à frente ampla, o futuro será, efetivamente, muito mais difícil para os trabalhadores, aposentados, pensionistas do INSS e beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), algo que o próprio petista reconhece:
“Foi essa articulação de maioria que possibilitou a aprovação agora do Plano econômico proposto por Fernando Haddad.”
É ótimo que o próprio Cantalice reconhece que o Plano Haddad é, fundamentalmente, obra da frente ampla, sendo uma resposta aos interesses da classe social que a direita alinhada ao governo do PT quer: a máxima rapina do erário e, por isso mesmo, o mais próximo possível de nada do “orçamento nacional para os pobres”, o oposto do que dizia o presidente Lula, de colocar o trabalhador no orçamento e o rico no sistema tributário.
O duro ataque contra os salários, aposentadorias e a assistência social representado pelo Plano Haddad não é, de fato, a política normal do presidente Lula. O próprio ministro da Economia já disse que o mandatário “não estava convencido”, ao contrário do próprio ministro e demais cúmplices da equipe econômica, parceiros desse assalto contra a população.
No entanto, preso à armadilha da aliança com a frente ampla, é o que Lula está se vendo obrigado a fazer, à base, naturalmente, de muita pressão. O fato de Cantalice defender a “consolidação da frente ampla” indica que, para a direita petista, as loucuras de Haddad não são o suficiente. Já que os banqueiros querem mais, o governo deve entregar mais, na concepção de Cantalice, claro.
Ora, se é o saco sem fundo da direita que deve prevalecer, para que um governo de esquerda? Tomando a sério o que diz o dirigente petista e sem a clareza de que Lula está fortemente pressionado pela direita, um trabalhador incauto poderia ler a defesa de Cantalice à frente ampla, ler outro trecho em que o dirigente petista diz “a dupla Bolso-Guedes arrombaram o caixa da União para evitar a derrota”, chegar a conclusão de que os segundos, apesar de tudo, foram mais humanos do que o atual governo e, com isso, deslocar-se ao bolsonarismo, na esperança de um governo menos submisso à pirataria feita pelos bancos.
“O caminho da reconstrução do tecido social, da economia e da democracia não será em terreno liso. Sempre haverá obstáculos. Essa compreensão ajudará na derrota da extrema direita e porá um certo limite na voracidade do mercado financeiro.
A esquerda e a centro-esquerda perfazem 140 parlamentares na Câmara e aproximadamente 16 no Senado. Isso não aprova um mísero Projeto de Lei”, diz.
Aqui, Cantalice apela para a loucura. Alegar que o caminho da “reconstrução” será repleto de obstáculos soa quase como uma piada de mau gosto quando estamos prestes a entrar no terceiro ano de um governo que prometeu “colocar o pobre no orçamento” e que, até agora, só conseguiu uma lei que fixa um teto ao reajuste do salário mínimo.
Se há dificuldades para aprovar projetos que beneficiem os trabalhadores, não é porque a matemática da Câmara e do Senado mudou de repente – até porque sempre foram instituições controladas pela direita. A esquerda e a centro-esquerda sempre souberam da necessidade de articulação política.
O problema é que o governo abandonou qualquer pretensão de implementar medidas populares e se especializou em negociar com os setores mais retrógrados do Congresso. E continua sem nada, exceto demonstrações contundentes de fraqueza.
Cantalice deveria explicar, se o seu parâmetro para fazer política é a composição social do Congresso, se vale fazer alianças com o bolsonarismo, uma vez que a frente ampla só desmoralizou o governo. A seguir pelo tortuoso raciocínio do dirigente petista, a resposta normal seria sim.
“Ser de esquerda”, arrisca Cantalice, “é estar concatenado com as necessidades do povo”, ao que conclui: “não jogar meramente para a arquibancada”. Primeiro que, na prática, é exatamente isso o que vem acontecendo graças ao impasse produzido pela frente ampla que ele defende. Segundo, é preciso uma falta de imaginação imensa para achar que a única opção do governo é se desmoralizar para agrupar os golpistas de 2016 em seu interior.
Quando se sente ameaçado, a ação do bolsonarismo é convocar as bases às ruas. Por que a esquerda não pode fazer o mesmo? Isso, sim, é estar “concatenado com as necessidades do povo”, uma vez que essa política permite uma independência do governo.
Claro, quem está defendendo a frente ampla jamais vai querer algo parecido, mas o fato é que quem não está genuinamente ligado às necessidades do povo sempre irá priorizar as articulações fracassadas da frente ampla, e não a mobilização popular. O problema é que essa é uma história que não termina com um Plano Haddad aprovado, como mostrou o golpe responsável por derrubar a presidenta Dilma Rousseff.