INTRODUÇÃO
Este breve artigo tem o intuito de refletir dialeticamente sobre um dos maiores feitos militares da história da humanidade e da constituição do Brasil enquanto nação, que é a Coluna Prestes. Refletir dialeticamente, nesse sentido, significa fundamentalmente compreender que esse fenômeno social é composto por uma série de fatores que constituem o processo das relações humanas.
Os feitos da coluna, que ocorreram através de combates de movimento, foram realizados durante um período de dois anos e três meses (entre dezembro de 1924 à fevereiro de 1927), passando por treze Estados do país e percorrendo mais de 25 mil quilômetros, em condições completamente adversas e sem jamais ter sido derrotada, ficando conhecida também como Coluna Invicta.
Passaremos distantes do aprofundamento histórico, militar e geográfico do ponto de vista formal e acadêmico, pois isso muitos já fizeram.
Não que esses aspectos e até mesmo este formato metodológico de análise do fenômeno, não tenham dado suas contribuições para o conjunto do conhecimento da humanidade e do próprio fenômeno. Pelo contrário, eles foram cruciais para explorar diversos ângulos, polemizar a temática, expressar avaliações de determinadas temporalidades, espacialidades e subjetividades, etc.
O cerne deste documento de propaganda marxista-leninista se encontra na avaliação do fenômeno político, social, econômico e militar em processo, em seu curso, em sua dinâmica, ou seja, no curso revolucionário do processo histórico do movimento da matéria social.
A partir de uma análise do contexto produtivo e reprodutivo da vida social em curso na época, sem a arbitrariedade daquilo que tem sido chamado na academia de “recorte”, mas sim munido de uma ferramenta teórico-metodológica monista, é que iremos fazer a análise da Coluna Prestes enquanto autentica expressão do movimento real das lutas de classes.
CONTEXTO SOCIAL
Quando destaquei diretamente no título e delimitei logo na introdução que o intuito desse artigo era fazer uma análise dialética desse fenômeno histórico que foi a Coluna Prestes, a primeira questão que devemos nos remeter é do processo de evolução social, política e econômica que vivia a sociedade brasileira.
Marx destacou em seu texto Para Contribuição a Crítica da Economia Política, a humanidade apenas coloca desafios para ela mesma que poderá resolver. E o objeto de análise aqui proposto se trata exatamente disso, foi um processo político e militar, que partiu e foi aperfeiçoado durante sua realização, da necessidade do contexto social sob o qual estava inserido.
Os componentes da Coluna Prestes se colocaram os desafios advindos da própria sociedade em que estavam inseridos e que após 100 anos desse feito podemos facilmente comprovar de que esses desafios e objetivos absorvidos da própria sociedade foram realizados. Pode ser questionado se em sua integralidade, mas não se pode negar e relegar a um segundo plano, a pertinência desse fenômeno histórico para a realização da revolução burguesa no Brasil e até mesmo a relevância para revolução proletária pela qual lutamos nos dias atuais.
Dito isso e dando sequência a nossa linha de raciocínio, o que se quer salientar de uma vez por todas nesse breve artigo, é que é preciso levar em consideração que os desafios daquele período estavam vinculados a desagregação e ao mesmo tempo ao processo de avanço da sociedade brasileira, no marco histórico, político, econômico e social, do que ficou conhecido como República Velha ou Primeira República. Foi sob essa temporalidade que os tenentes, capitães e elementos da sociedade civil, se viram impelidos a realizar tal feito.
Essa questão é pertinente de ser abordada para evitar avaliações deslocadas do contexto social e político. O feito revolucionário só pôde ser exitoso em última instância justamente porque o mesmo foi reflexo das tendências políticas, econômicas e sociais que existiram de fundo. Por outro lado, é necessário levar em consideração que os avanços da sociedade e do regime político brasileiro que se sucederam após o fenômeno aqui abordado, ocorreram em grande medida por causa da iniciativa política e militar dos revolucionários da Coluna Prestes.
Apesar de o Brasil ter se emancipado politicamente, sua base econômica era completamente primária e financeiramente dependente de países imperialistas. Esse contexto de revolução burguesa incompleta (que perdura até os dias atuais incompleta, mas em grau completamente distinto), principalmente no que diz respeito a dimensão econômica se reverberava em outros elementos da vida social, e inevitavelmente, por meio de aspectos de atraso na estrutura política nacional.
Não à toa que a República Velha ficou conhecida pela Política do Café com Leite, hegemonizada pelas oligarquias dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, então produtoras.
Nesse sentido, no campo da economia, apesar do emprego de relações de trabalho assalariadas, tratava-se de um formato ainda muito arcaico, distante dos modelos de relações de produção mais sofisticados nos países de capitalismo desenvolvido. Também é preciso tomar em conta, além de predominar em elevado grau as relações capitalistas de produção no setor primário, haviam ainda enormes resquícios de relações de trabalho atrasadas, como os casos da servidão e da própria escravidão, que jogavam eram grandes obstáculos para o pleno desenvolvimento do capitalismo e das relações sociais no país, reverberando esse atraso por conseguinte, nas estruturas do regime político e na própria subjetividade da sociedade naquele momento (principalmente nas camadas dominantes, a quem interessava a manutenção dessa situação porque se tratava da manutenção de sua hegemonia).
Trata-se, portanto, de um fato social da maior importância, que entra no hall dos grandes acontecimentos e de elementos constitutivos do processo da revolução burguesa brasileira e da construção do Brasil como um país.
Naquele momento as oligarquias vencedoras do processo de Proclamação da República é quem hegemonizavam política, social e economicamente a sociedade brasileira. Esse processo de hegemonização política tinha como fundo a manutenção de relações produtivas completamente atrasadas, que eram barreiras de contenção (juntamente com o domínio do imperialismo) do desenvolvimento das forças produtivas do país e do estabelecimento de um sistema capitalista de produção efetivo.
É justamente este o desafio e o grande elemento de fundo que se configura enquanto substância fundamental daquilo que tratamos neste artigo. Era essa superação, dessa situação social, que o movimento real impôs para o conjunto da sociedade e que coube aos tenentes e capitães atuar na vanguarda para mudança na qualidade no contexto das relações humanas na localidade brasileira.
CONSIDERAÇÕES
O fenômeno da Coluna Prestes não pode ser compreendido de maneira efetiva se for considerado enquanto um raio em céu azul ou a partir de recortes, ou seja, por meio do método metafísico. Ele só pode ser avaliado de forma consistente se partirmos de uma perspectiva dialética e materialista que esteja se valendo da premissa de que esse fenômeno da história e das lutas de classes é o espelho do processo histórico impulsionado em última instância pelas tendências políticas, sociais, econômicas e geopolíticas daquela determinada temporalidade. Do contrário, várias lacunas estarão presentes na análise.
Também é necessário procurar se distanciar de aspectos de cunho meramente ideológicos, impregnados de carga moral e que atribuem ao heroísmo dos sujeitos envolvidos no fenômeno como uma gesta quase que sobrenatural deslocada dos elementos concretos que constituem esse feito.
A Marcha da Coluna Prestes, enquanto movimento político, se trata de um elemento constitutivo do conjunto do desenvolvimento das forças produtivas a nível global, regional e local. Tanto que contribuiu para diversas transformações posteriores na estrutura do regime político nacional.
Sendo assim, é a partir dessa perspectiva dialética e social, que acredito ser o ponto de partida para avaliar esse importante fenômeno que foi um verdadeiro divisor de águas na transformação de nossa pátria.