Um dos maiores indicativos de falência da esquerda pequeno-burguesa no mundo é sua política de ataque aos países que lutam contra o imperialismo. Um dos casos atuais é o das nações do Sael africano, onde militares nacionalistas tomaram o poder para expulsar a dominação estrangeira dos franceses. O autor Salvador Ousmane publicou, no portal Esquerda.net, o texto As Juntas Militares estão a minar os direitos humanos na África Ocidental para criticar esses governos que lutam contra o imperialismo.
Ele critica os governos de Burquina Fasso, Máli, Níger e Guiné com os tradicionais argumentos da imprensa imperialista. O texto começa: “as principais alegações das juntas militares da África Ocidental, quando tomaram o poder no Mali, Burkina Faso e Níger, eram que iriam resolver rapidamente as questões de segurança nos seus países. Em todos os casos, não o conseguiram fazer. Pelo contrário, a insurreição dos militantes islâmicos está a agravar-se, especialmente no Burkina Faso e no Mali”.
Aqui, o texto ignora completamente a luta que está acontecendo no país. Os “militantes islâmicos” são as organizações salafitas, do tipo do Estado Islâmico (EI), que são uma ferramenta do imperialismo para desestabilizar e controlar esses países. Ou seja, é uma luta militar contra o imperialismo que está sendo travada, não é algo que se resolve de forma simples. Criticar pela velocidade lenta é uma colocação absurda, o que é preciso avaliar é: os militares estão conseguindo derrotar as milícias financiadas pelo imperialismo? A resposta é sim, apesar dos desafios.
O autor, então, afirma: “além disso, os militares estão a prolongar o seu domínio, com promessas de eleições e de um regresso ao poder civil a serem adiadas ou esquecidas. Os dirigentes militares autoritários infligiram novos atentados aos direitos humanos em cada um destes três países e na Guiné, como se demonstra a seguir”. Essa é a tradicional crítica de tipo “democrática”. O texto ignora que há uma luta entre uma nação oprimida e o imperialismo e foca na suposta ditadura.
Em nenhum país da África existe uma democracia real, o continente é brutalmente oprimido pelo imperialismo. Mas esse setor da esquerda ataca os governos nacionalistas em uma frente única com a imprensa burguesa, ou seja, estão em uma frente com o imperador Macron contra os africanos que estão se insurgindo contra o imperialismo.
O que existia no Níger antes da tomada do poder pelos militares era uma democracia? Não. Então como criticar o novo governo por supostamente não ser democrático? O governo militar é muito mais progressista, pois desenvolve o país, luta para que as riquezas não sejam saqueadas pelos estrangeiros. Isso é muito mais relevante do que qualquer democracia abstrata.
O autor, então, tenta usar um argumento esquerdista: “os sindicatos ainda são capazes de se organizar e começam a atuar para melhorar as condições dos seus membros. No entanto, é necessário muito mais para reduzir os níveis de pobreza, desigualdade e corrupção que são os principais fatores de insegurança. Os ataques aos direitos humanos pelas quatro juntas militares dificultam ainda mais a organização dos sindicatos”.
O autor, logo após citar os sindicatos, adentra de cabeça na política imperialista das ONGs de “defesa dos direitos humanos”. Ele afirma: “dois anos após o golpe de Estado de Ibrahim Traoré, as organizações de defesa dos direitos humanos traçam um quadro sombrio de violação das liberdades fundamentais. FIDH denuncia, nomeadamente, as detenções arbitrárias de opositores à Junta, o recrutamento forçado de civis para o exército, o desaparecimento de defensores das liberdades e o fim da liberdade de imprensa. Os protestos de rua são proibidos no Burkina Faso desde o golpe de Estado liderado por Traoré em setembro de 2022”.
Da forma como é colocado, até parece que o regime político anterior, controlado pelos franceses, era melhor para os direitos da população. O tal “fim da liberdade de imprensa” são as ações de censura contra as redes de televisão imperialistas que conspiram contra o governo de Traoré. Ou seja, ao invés do autor denunciar que o governo nacionalista está sob ameaça permanente de sofrer um golpe organizado pelos EUA e os franceses, ele fala dos “direitos humanos”. É a mesma cartilha usada contra Venezuela, Rússia, China e qualquer país oprimido que se rebela contra sua dominação.
A crítica dele continua voltada para a questão da “democracia”: “as eleições presidenciais previstas para 27 de fevereiro de 2024, que teriam permitido o regresso ao poder civil, foram novamente adiadas em setembro de 2023. Em abril e maio de 2024, as autoridades militares malianas organizaram o Diálogo Inter-Maliano, consultas nacionais destinadas a propor soluções para a crise política e de segurança no Mali. O diálogo produziu 300 recomendações, incluindo apelos para ‘alargar o período de transição de dois para cinco anos’ e promover a candidatura do Coronel Assimi Goïta nas próximas eleições presidenciais”.
Mais uma vez, é preciso deixar claro qual é a política correta para esse tipo de situação. Primeiro, é óbvio que um governo de um país oprimido pode assumir uma política melhor para combater o imperialismo. A política correta é mobilizar e armar os operários e camponeses, o que aumenta muito a força do governo. No caso do nacionalismo, o maior exemplo disso hoje é o Iêmen. Lá, o governo do Ansar Alá faz um grande esforço para mobilizar o povo contra o sionismo e o imperialismo. Mas a política interna do país oprimido não é crucial para definir se ele deve ser apoiado ou não.
Esse tipo de debate já foi levantado diversas vezes na esquerda. Leon Trótski cunhou um exemplo perfeito para explicar a política correta. Se na época da ditadura fascista de Getúlio Vargas no Brasil a Inglaterra democrática tentasse dar um golpe, qual seria a política correta? Trótski afirmou, sem hesitar, defender Vargas. Por quê? Primeiro porque a derrubada de Vargas se daria para instaurar um governo ainda pior, isso inclusive aconteceu em 1945. Segundo, porque a derrota da Inglaterra iria aumentar a força dos trabalhadores para lutar contra a própria burguesia brasileira.
Isso é importante, pois acaba com qualquer discussão sobre os governos oprimidos. Se a França quer derrubar um governo africano, então esse governo deve ser totalmente apoiado pela esquerda internacional.