Após quase três meses preso por desacato, o professor de história Adriano Gomes da Silva tenta reverter a sentença que o condenou a 10 meses e 26 dias de prisão. Segundo reportagem do portal de notícias Brasil de Fato (BdF), o professor foi condenado unicamente com base nos depoimentos dos policiais militares envolvidos no caso ocorrido em 2018. A sentença escandalosamente desproporcional e irregular evidencia uma grave ofensiva da ditadura judicial contra a militância política que deve ser melhor acompanhada pela esquerda.
Na última quarta-feira (11), Silva conseguiu progredir para o regime aberto e deixou o Centro de Progressão Penitenciária de Franco da Rocha, onde cumpriu inacreditáveis 86 dias de prisão. Agora, sob medidas restritivas que incluem recolhimento noturno e proibição de deixar a cidade, ele e sua defesa buscam anular a condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“A gente entende que essa sentença é desproporcional”, afirmou o advogado Igor Silva à reportagem do BdF, ressaltando que o caso não envolveu violência ou grave ameaça. Além disso, a condenação por desacato aplicou uma “dupla pena” ao professor, desconsiderando que, pela lei, a vítima do desacato é o Estado, e não os policiais.
O caso que culminou na prisão de Silva teve início em 2018, durante a reintegração de posse de um imóvel no Butantã, zona Oeste de São Paulo. Militante de movimentos de moradia, o professor foi desalojado na ação policial que gerou conflitos com os ocupantes.
Horas depois, ao tentar ajudar uma mulher vítima de violência doméstica, Adriano encontrou os mesmos policiais do despejo. Reconhecimentos mútuos levaram a uma discussão, na qual, segundo os policiais, o professor os teria chamado de “capitães do mato” e “fascistas”. Adriano, por sua vez, relatou ter sido agredido, insultado e provocado com declarações como “Bolsonaro vai ganhar” e “vocês estão fodidos”.
O processo seguiu seu curso sem que Adriano fosse devidamente intimado. Um oficial de justiça alegou não ter encontrado o professor, embora ele fosse servidor público com endereço de trabalho fixo.
“A própria Justiça não tinha a intenção de comunicá-lo devidamente”, afirmou um amigo de Adriano, que preferiu não ser identificado. O resultado foi uma sentença à revelia, sem que o professor tivesse oportunidade de se defender. Em 2024, durante uma blitz, ele foi surpreendido ao descobrir a condenação e preso no ato.
A incredulidade diante do processo judicial é compartilhada por quem acompanha o caso. “É evidente que, se quisessem, poderiam tê-lo encontrado”, comentou o amigo do militante preso ao BdF. A ausência de notificação e a condução do processo à revelia demonstram uma violação grotesca do devido processo legal. Para o advogado, a sentença é uma aberração jurídica, aplicada com critérios desproporcionais a um delito de menor potencial ofensivo. Ele ressalta ainda que condenações por desacato raramente resultam em prisão, tornando o caso de Silva um exemplo extremo de punição.
Enquanto estava preso, o professor foi informado da abertura de um processo administrativo pela prefeitura de São Paulo, que pode resultar em sua demissão do cargo público. O Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública (Sindsep) acompanha o caso, que Adriano descreveu como mais um capítulo de injustiça: “estar numa situação de cárcere e ser ameaçado de perder o sustento da minha família é desumano”.
Durante o período em que esteve encarcerado, Adriano escreveu a seguinte carta, publicada pelo órgão e que reproduzimos abaixo, tratando da crueldade extrema do sistema prisional:
“Aqui no cárcere, camaradas, a situação é terrível. Falta água diariamente, alimentação ruim e azeda, celas superlotadas, funcionários despreparados nos oprimem a todo momento com xingamentos, ameaças de agressões físicas. Qualquer coisa coloca o reeducando no castigo, que está sempre cheio.
A população carcerária está adoecida e não temos atendimento médico com dignidade, na maioria dos dias não há médico… Graças à solidariedade entre os presos, com muita dificuldade nos mantemos.
Fui preso por desacato (pasmem), por ter participado de um processo de resistência a uma reintegração de posse onde famílias sem-teto lutavam pelo direito sagrado à moradia. Não matei, nem roubei, tampouco roubei dinheiro público, não cometi genocídio, não trafiquei e não participei de nenhuma tentativa de golpe de Estado.”
O caso de Silva demonstra, mais uma vez, o avanço do regime em estabelecer os chamados crimes de opinião, tornando ilegal opiniões políticas visando a repressão aos movimentos sociais. Ao denunciar a atuação policial, o professor acabou condenado por expressar sua indignação contra a ação truculenta dos agentes da repressão – em uma consideração que foi, inclusive, de cunho político, e não difamatório, por exemplo. O precedente aberto por essa condenação reforça as tendências fascistas do regime de terror no Estado brasileiro, o que deve ser combatido pela esquerda com a máxima energia.
Diante de um judiciário criminoso, indiferente às leis e ao devido processo legal, capaz de aplicar penas inacreditáveis a militantes de esquerda, a luta pelos direitos democráticos se mostra uma necessidade, sendo urgente para a sobrevivência da esquerda. O caso expõe também a cumplicidade de setores que, ao endossar práticas autoritárias, permitem o avanço da repressão.