Quatro ou cinco estudantes estão correndo o risco de serem expulsos da USP por terem redigido um manifesto que condena a ação do “Estado de Israel” em Gaza. Por terem definido como uma “ofensiva histórica” o ato de 7 de outubro na luta de resistência do povo palestino e como “genocídio” o seu extermínio sob as ordens de Binyamin Netanyahu, os alunos estão sob investigação. São acusados de “conduta de apologia e disseminação do ódio e da discriminação”.
Para embasar a acusação, a universidade faz uso do Regimento Geral da USP, decreto n° 52.906/1972, norma exarada durante o governo biônico de Laudo Natel, nos áureos tempos da ditadura militar. Chamar de “fascista, colonialista e racista” a ação de Netanyahu, que bombardeou os hospitais de Gaza sob alegação de que escondiam “terroristas” e cortou até o fornecimento de água e comida à população desalojada pela destruição, pode ser crime.
Um grupo de mais de 200 professores da universidade fez um abaixo-assinado em defesa dos alunos, lembrando que a ditadura acabou e que o tal regimento já deveria ter sido atualizado. De todo modo, o caso repercute e faz circular certo tipo de pensamento pseudolegalista, segundo o qual a Constituição brasileira de 1988 condenaria o “discurso de ódio” e relativizaria a liberdade de expressão, o que daria azo a condenar manifestações “contrárias a judeus”.
Quem se der ao trabalho de ler a Carta Magna, no entanto, não encontrará nenhuma referência a “discurso de ódio” – até porque, em 1988, não se usava essa expressão, que foi introduzida no repertório nacional no âmbito da disseminação do identitarismo.
Em todo o caso, o “discurso de ódio” se caracterizaria “pela intenção de diminuir e inferiorizar minorias, com ofensas, incitação à violência e defesa da superioridade de certo grupo em detrimento de outro, causando a vitimização difusa”, conforme artigo publicado no site jurídico JusBrasil. Dando por aceita essa definição, como a aplicaríamos às críticas políticas em questão?
Teríamos de considerar que a defesa dos palestinos seria a defesa de sua superioridade sobre os habitantes de “Israel”? Ora, bastaria verificar, no caso, de que lado está o opressor e de que lado está o oprimido. Que lado tem poderio econômico e militar, apoio das potências imperialistas e força para oprimir? Como pode o opressor reivindicar para si o lugar da vítima?
A situação é por demais absurda. Podem as organizações sionistas, com seus tentáculos na imprensa, na universidade, nas grandes empresas, nos grandes bancos, no poder judiciário e no centro de poder do imperialismo, ser consideradas a parte fraca do conflito? Defender o oprimido é tarefa de toda a esquerda e de qualquer cidadão eticamente responsável.
Chega a ser vergonhoso que o lobby sionista queira usar a condenação ao “discurso de ódio” como argumento para censurar posições políticas. Seria apenas ridículo se o poder judiciário não desse guarida, aqui e ali, a esse tipo de “argumentação”, segundo a qual qualquer crítica à política do “Estado de Israel” poderia ser enquadrada em ato de “antissemitismo” – uma forma de pegar carona na lei da injúria racial.
Diga-se, a propósito, que essa lei foi aprovada para proteger os negros do racismo dito “estrutural”, o que, aliás, é um tanto contraditório sob certa ótica. Sendo o racismo parte da “estrutura” da sociedade, como condenar indivíduos por manifestações verbais de racismo? Mas deixemos isso de parte – afinal, ninguém acha certo fazer ofensa de cunho racial.
A malandragem, no caso dos sionistas, é o termo “antissemitismo”, que evocaria o repúdio a uma “raça”, mesmo não havendo uma “etnia judaica”. O sionismo, mediante sistemática propaganda, criou uma espécie de “identidade judaica”, que se apoia, sobretudo, na história de sofrimento dos que viveram o holocausto na Segunda Guerra, imortalizado em superproduções cinematográficas, em livros e em todo o aparato cultural amplamente disseminado. Esse passado asseguraria a eterna posição de vítima ao “povo escolhido”.
Como o Judiciário já estendeu a lei da injúria racial a homossexuais e transexuais, criminalizando a chamada “homofobia” por “analogia” com o racismo, fica relativamente fácil, embora profundamente contraditório, incluir um grupo coeso e poderoso como os sionistas nessa “analogia”. A contradição está no fato de esse grupo não constituir uma minoria oprimida pela sociedade, que precise do amparo especial dessa lei.
É lamentável que uma lei de proteção a minorias oprimidas seja apropriada por um lobby poderoso para calar a voz de quem se levanta contra as atrocidades perpetradas contra uma população oprimida há décadas. Condenar quatro ou cinco estudantes serviria para calar a voz dos demais. Esperamos que a mais importante universidade brasileira não caia nessa armadilha.