O advogado e cientista político Jorge Folena escreveu, em coluna no Brasil 247, que “a prisão preventiva do general de quatro estrelas Walter Braga Netto representa um forte indicativo de que os golpistas, defensores da última ditadura de 1964-1985, podem não ficar impunes por suas ações criminosas contra o Estado Democrático de Direito”.
Braga Netto foi preso após investigações da Polícia Federal apontarem que ele e outros militares estavam planejando um golpe de Estado no Brasil. A caracterização de Folena, porém, é falsa e mostra o completo desalinhamento da esquerda em relação à situação nacional.
Tal desalinhamento é visto, inclusive, quando ele lembra que Braga Netto foi interventor militar no Rio de Janeiro.
“O general Braga Netto”, escreve ele, “além de ser um dos homens fortes do governo Bolsonaro, foi o chefe da tragédia militar da intervenção realizada na segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, ao longo do governo de Michel Temer. Braga Netto e seu gabinete da intervenção, além de não terem sido capazes de trazer paz e segurança para o Rio Janeiro, não tiveram sequer a capacidade de desvendar o assassinato da vereadora Marielle Franco”.
Quer dizer, não é que Braga Netto seja um militar golpista carniceiro, defensor do extermínio da população — nessa caso, do povo carioca; segundo Folena, Braga Netto simplesmente é uma pessoa ineficiente, que não foi “capaz” de “trazer paz e segurança para o Rio de Janeiro” (como se essa fosse a intenção!) e de “desvendar o assassinato da vereadora Marielle Franco” (cujos aliados de Jair Bolsonaro e Braga Netto estão envolvidos)…
Mas enfim, o parágrafo citado mostra apenas que um importante setor da esquerda pequeno-burguesa está completamente alienada da realidade nacional, e é isso que faz Folena chegar à conclusão que a prisão do general “representa um forte indicativo de que os golpistas, defensores da última ditadura de 1964-1985, podem não ficar impunes por suas ações criminosas contra o Estado Democrático de Direito”.
Ora, quem são os responsáveis pela prisão de Braga Netto? A Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal, duas ferramentas decisivas do verdadeiro golpe de Estado que aconteceu no Brasil, em 2016, com a derrubada de Dilma Rousseff, e, depois, com a prisão de Lula e seu impedimento de participar das eleições de 2018.
Mas Folena reconhece o golpe de 2016, e diz: “Depois do golpe de 2016, que afastou indevidamente a presidenta Dilma Rousseff da presidência da República, começamos a ter conhecimento das articulações para trazer os militares de volta à vida política, sob a liderança ambiciosa do ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas”.
A interpretação não está completamente errada, mas falta uma noção fundamental: essas “articulações para trazer os militares de volta à vida política” foram orquestradas também pelos setores que agora são apresentados como “anti-golpistas” e “defensores da democracia” pela esquerda nacional: o judiciário, a Polícia Federal, a direita “democrática”, etc.
Todos esses estavam unidos na derrubada de Dilma e na prisão de Lula e, portanto, foram responsáveis por colocar o fascista Jair Bolsonaro e sua corja de militares fascistas e golpistas no poder. Isso já seria o suficiente para a esquerda e o movimento operário desconfiarem de qualquer ofensiva de um setor fundamental do golpe contra um outro setor golpista.
Mas enfim, após uma série de críticas de senso comum contra Bolsonaro e os militares, Folena escreve:
“A fim de alcançar seu objetivo, os militares atacaram as urnas eletrônicas e usaram o Ministério da Defesa (comandado por um general de quatro estrelas, ex-comandante do Exército e ora também indiciado criminalmente por atentar contra o Estado Democrático de Direito) para questionar a autoridade do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições e, por conseguinte, para lançar dúvidas sobre a manifestação da vontade popular, princípio fundamental da formação do Estado brasileiro.
“Outro general de quatro estrelas, que chefiou o serviço de informação do governo de Jair Bolsonaro, também está indiciado criminalmente, sob a acusação de comandar um serviço paralelo de bisbilhotagem, a exemplo do que fazia o Serviço Nacional de Informação (SNI) da ditadura de 1964-1985, e em breve poderá ter decretada sua prisão preventiva.
“Estes indivíduos sonhavam reintroduzir uma ditadura de linha dura no país e, para atingir sua meta, não hesitaram em planejar assassinatos, a serem executados com a utilização de armas de fogo ou mediante envenenamento, conforme apurado pela Polícia Federal e constante no seu relatório entregue ao Supremo Tribunal Federal.”
Bem, que os militares querem impor uma “ditadura de linha dura” no Brasil não há dúvidas. Mas a esquerda, ao invés de se mobilizar com suas próprias forças contra os militares e todos os outros golpistas (que não exitarão em se aliar se for necessário para a burguesia), prefere acreditar nas manobras politiqueiras e inconstitucionais da direita tradicional contra a extrema direita.
Por isso, o que o judiciário e a PF fazem, mesmo quando ferem claros direitos constitucionais, sempre aparece, nos jornais da esquerda pequeno-burguesa, com um tom heroico, enquanto a esquerda, completamente imobilizada, fica paralisada, planejando apenas festas, churrascos e comemorações ‘para o dia em que Bolsonaro for preso’…
“A tentativa dos militares de retomar o controle do Estado brasileiro, materializada pela tragédia que foi o governo de Bolsonaro, seguida pela farsa da trama golpista por eles promovida, tem na prisão de Walter Braga Neto, na manhã do sábado, 14 de dezembro de 2024, o momento histórico em que uma expressiva liderança do Exército está sendo recolhida à prisão, em cumprimento aos princípios estabelecidos pela ordem democrática de 1988, o que não ocorreu no término da ditadura de 1964-1985”, diz Folena, totalmente alheio à realidade.
Claro! Agora que Braga Netto foi preso, os planos golpistas dos militares não são mais uma ameaça! Os golpistas de 2016 estão nos salvando de um golpe (que não ocorreu) e restabelecendo a “ordem democrática de 1988” — que por mais que nunca tenha existido de fato, o pouco que tinha foi retirada pelos nossos atuais salvadores a partir do golpe que eles mesmos promoveram.
Mas para o advogado, “esta prisão traz consigo o simbolismo da afirmação de que os militares não estão acima da lei e devem responder por seus atos, como todos os cidadãos do país, que depois do 8 de janeiro de 2023 luta para se afirmar contra o fascismo e o autoritarismo, infelizmente representados pelos militares ao longo de toda a história republicana, em seu anseio de perpetuar seu imaginado ‘direito de tutela’ sobre os civis”.
Verdade… A caneta dos ministros do STF e os fuzis da PF irão nos salvar dos tanques e armas pesadas dos militares… Apenas um ingênuo poderia acreditar nisto. Quando for necessário para a burguesia (o qual um setor está tentando frear o bolsonarismo momentaneamente), os militares voltarão a exercer seu “direito de tutela” sobre o conjunto do povo. E “a luta para se afirmar contra o fascismo e o autoritarismo” terá acabado, com a esquerda tendo de lidar novamente contra aqueles que ela agora coloca todas as esperanças para salvar a “democracia”.
“Por todos esses acontecimentos, do presente e do passado, recente ou longínquo, e para que possamos construir um projeto de esperança para o futuro, precisamos refletir sobre a necessidade de refundação da república brasileira, em bases verdadeiramente plurais e democráticas, para que o país finalmente se liberte do autoritarismo e das amarras da tutela dos militares. Para isto, o primeiro passo será a superação do estamento militar na vida política do Brasil”, conclui Folena.
Para isso, no entanto, é preciso que a classe operária lute contra o fascismo (militares, golpistas, etc.) com seus métodos típicos. Sempre foi assim que os fascistas foram superados: com a mobilização popular. Quando a esquerda apresenta como aliados outros golpistas que não têm, de fato, nenhum compromisso com a “democracia”, está ajudando a desarmar a luta popular contra o verdadeiro golpe no Brasil.