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Coluna

A farsa do MEI

“Microempreendedor Individual” é, na verdade, um proletário precarizado

Já há alguns anos há uma onda propagandística em torno do “empreendedorismo”. Algo que antes se resumia a queixas de empresários, como a de que “é difícil empreender no Brasil”, hoje está presente em diversos cursos vendidos online e até mesmo em disciplinas universitárias, mais um sintoma da crise do ensino no Brasil.

Todo o aparato em prol do empreendedorismo tornou o seu jargão conhecido e previsível. Ao conversar com algum dos pretensos jacobinos do empreendedorismo, certamente se ouvirá algo sobre criar valor, assumir riscos, superar desafios. Não demorará até que seja feita uma promessa de sucesso e de se livrar da escravidão assalariada, e aí reside o segredo que convence muita gente. Quem não quer mais dinheiro para viver? Quem não quer se livrar das humilhações impostas pelos patrões? O apelo dessas propostas é muito grande porque a população brasileira é refém de um subdesenvolvimento notório.

Vejam os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE. Mais de 40% da população brasileira não tem ocupação nenhuma, seja trabalho informal, seja trabalho de carteira assinada. Uma consequência desse mar de pessoas humilhadas por não terem trabalho é que 70% das pessoas no Brasil sobrevivem com até dois salários mínimos, ou seja, pouco mais de 2.800 reais. Para fins de comparação, o preço médio do aluguel de um apartamento com 45 metros quadrados em São Paulo, a cidade mais populosa do país, é 1.670 reais. Esse valor de aluguel é automaticamente impagável para quem recebe um salário mínimo. Mais do que isso, tal valor é inviável até mesmo para quem recebe dois salários mínimos, pois como é possível arcar com um aluguel de 1.670 reais e ainda pagar os custos com alimentação, transporte, educação, saúde e lazer? É a condenação peremptória à miséria.

Em meio a essa situação de miséria total, o empreendedorismo aparece como algo promissor para escapar da pobreza. Entretanto, basta olhar os dados para ver que o empreendedorismo não é solução nenhuma, pelo contrário, é parte do problema. Pesquisa realizada pelo SEBRAE em 2019 indicou que a maior parte dos Microempreendedores Individuais possuem uma baixa renda per capita, de apenas R$1.375 mensais. Onde está a riqueza prometida? A realidade não tem nada a ver com esses estereótipos de empreendedores, como se fossem engravatados com maletinhas ou executivos de empresas. Pelo contrário, uma das atividades mais comuns desempenhadas pelos Microempreendedores Individuais é a de cabeleireiro, que normalmente comem do pão que o diabo amassou para sobreviverem.

Isso não é algo que vem do acaso, mas sim de um plano para manter a superexploração do trabalho. Há no Brasil, desde o governo Michel Temer, um projeto deliberado para substituição dos contratos de carteira assinada por contratação de pessoas jurídicas. Note-se que 70% dos que hoje são Microempreendedores Individuais eram trabalhadores contratados em regime CLT no passado, que foram demitidos e tiveram de recorrer ao MEI para voltar a ter alguma renda, pois normalmente o que ocorre é que os patrões pressionam o trabalhador a abrir um MEI para que o empregador tenha menos custos de contratação. Ou seja, boa parte dos Microempreendedores Individuais são, na verdade, trabalhadores que perderam seu emprego de carteira assinada em algum momento e apenas conseguiram se reinserir no mercado através do modelo precarizado defendido pelos apóstolos do empreendedorismo.

Sempre tentam dizer que é melhor um modelo precarizado em que a pessoa tenha alguma renda do que a pessoa não ter renda nenhuma. É óbvio que é melhor a pessoa ganhar um pão do que morrer de fome. Mas quem acha que isso é suficiente? É preciso esclarecer que essa massificação de empregos precários com baixos salários condena as pessoas à imobilidade social, ou seja, faz com que elas ganhem pouco até a morte. Mais do que isso, há um prejuízo que não é só individual, mas também coletivo, pois essa gigantesca quantidade de gente ganhando pouco pressiona a massa salarial para baixo, fazendo com que todo mundo aceite ganhar pouco, pois “é o que tem”.

Precisamos mostrar a realidade à população e combater esse modelo de trabalho empreendedor instaurado no país a mando do imperialismo. Isso requer muita paciência e esforço, pois muitos dos defensores fanáticos do empreendedorismo são pessoas pobres que interpretam a crítica ao MEI como um ataque pessoal, como se fossemos tirar a única fonte de renda dela. Ao nosso favor, temos a realidade e a teoria marxista, que é muito mais potente do que qualquer porcaria liberal produzida nos últimos dois séculos. Por isso, precisamos ir aos livros e às ruas, e só assim conseguiremos conscientizar a classe trabalhadora sobre sua verdadeira condição e mobilizá-la para a luta coletiva. A transformação social virá pela organização, pela educação política e pela ação direta, e não por um vendedor de cursos que promete te trazer riqueza em seis meses.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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