Na última terça-feira, 3 de dezembro, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro aprovou em primeira votação o Projeto de Lei Complementar 186/2024. A medida é um pacote de cortes de direitos, proposto pelo atual prefeito e reeleito para o cargo Eduardo Paes (PSD), direcionado contra os profissionais da educação do município. A votação se deu com o prédio cercado por forças da polícia militar, e com a repressão da categoria dos professores, que protestava do lado de fora da casa legislativa. Os professores estão em greve desde o dia 25 de novembro.
Ataque ao direito de greve
Na quinta-feira, dia 28, três dias após a deflagração do movimento, o Judiciário, na figura do criminoso presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o desembargador Ricardo Rodrigues Cardoso, de maneira ditatorial determinou a imediata interrupção da paralisação da categoria.
A decisão seguiu a prefeitura, que alegou haver ilegalidade na greve. “O município informou que não houve aviso prévio em relação ao movimento grevista e nem tentativa de diálogo entre a categoria e a Secretaria Municipal de Educação”, informou o TJ-RJ.
Para o desembargador, o sindicato não teria cumprido “elementos básicos para garantir a legalidade da greve”, como o esgotamento da tentativa de diálogo e a notificação prévia mínima de 48 horas. O presidente do TJ-RJ ainda determinou que a prefeitura desconte o salário proporcional aos dias de paralisação. Um aviltamento do direito de greve, garantido pela Constituição Federal de 1988, o Judiciário inventa penduricalhos para retirar direitos. O direito de greve existe, e portanto deve ser garantido, apesar das ilegalidades instituídas por aspirantes togados a ditadores.
Já no dia seguinte (29) à determinação ditatorial do Tribunal de Justiça, os professores realizaram assembleia e decidiram por manter a greve, e enfrentar os abusos da prefeitura e do tribunal. O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, em nota, corretamente denunciou, em repúdio, “as diferentes táticas do governo e da justiça em criminalizar o movimento e proibir o direito de greve: desde descontos salariais, retirada de licenças sindicais, ameaça de punições e decretação da ilegalidade da greve”.
Os professores, durante suas manifestações, vêm ainda sendo alvo de repressão da polícia militar.
O projeto
As medidas atacam os direitos da categoria em praticamente todas as áreas. Em primeiro lugar, o projeto abre espaço de maneira escancarada para o desvio de função. Enquanto possui um destaque para a irregularidade do desvio, na sequência o projeto estabelece o desvio de função quase como regra:
“A atualização das atividades do cargo ou emprego público ocupado pelo funcionário, por meio de regulamento, não constitui desvio de função.
A simples lotação ou cessão de funcionário em entidade ou órgão distinto, exercendo atividades semelhantes ao do seu cargo ou emprego de origem, não caracteriza desvio de função.
A percepção de parcela remuneratória ou indenizatória que tenha como pressuposto o exercício de atividades adicionais às do cargo ou emprego público, pelo funcionário, impede a caracterização do desvio de função.”
Assim, um funcionário do município poderia ter suas funções de trabalho alteradas pela prefeitura, e ter mesmo sua instituição de trabalho alterada, sem qualquer possibilidade de judicializar o caso. Ademais, todo tipo de atividades espúrias, como o esvaziamento de determinado serviço público, estariam legalizadas. Pior, a perseguição política da prefeitura contra o funcionalismo público estaria então institucionalizada com a medida, minando a possibilidade de os trabalhadores defenderem suas condições de trabalho e as condições do próprio serviço público, para melhor atender a população.
As férias dos profissionais da educação também são duramente atacadas:
“O funcionário adquirirá 1 (um) período aquisitivo de férias de 30 (trinta) dias a cada 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias de efetivo exercício.”
O que desconsidera os períodos de recesso escolar, diminuindo o período de férias, e abrindo espaço para outra medida, também presente no pacote: o desvio de função, do qual falaremos adiante. Mais que isso, ao invés de garantir um mês de férias por ano, o projeto estabelece as férias após o fim do ano trabalhado, mudando o cálculo das férias. Um trabalhador no primeiro ano de trabalho deverá, portanto, exercer a função ininterruptamente ao longo de todo o ano, inclusive nos períodos de recesso escolar.
Ainda, a licença especial, também conhecida como licença-prêmio, que permite que a cada cinco anos os servidores municipais tirem uma licença de três meses, fica extinta de acordo com o projeto.
O cálculo de horas trabalhadas também é duramente atacado. A docência opera com horas calculadas em tempos de aula, ou seja, períodos de 50 minutos, considerados como uma aula, ou uma hora de trabalho. Os 10 minutos restantes são tradicionalmente utilizados pela categoria para realizar outras atribuições do cargo, como tempo de planejamento, correção de provas e preenchimento de dados no sistema informatizado da prefeitura. Assim, o município estaria expandindo a carga de trabalho dos profissionais em 20%, aumentada em mais 24 tempos de aula, o que diminui também — pela política neoliberal da prefeitura inimiga dos trabalhadores — a necessidade de contratação de pessoal para o serviço público, já sobrecarregado. E mais:
“A carga horária dos integrantes do quadro de pessoal do magistério será contada em minutos, não se contabilizando as horas não trabalhadas durante os períodos de intervalos intrajornadas, como recreio e almoço.”
Os chamados “intervalos” aqui desconsideram o papel dos profissionais da educação, em maior ou menor grau, de acordo com o público atendido, na supervisão, orientação e assistência dos alunos inclusive durante os horários de recreio e almoço. Em outras palavras, os intervalos não são, de fato, intervalos, como se imaginaria e como deixa a entender o projeto criminoso do prefeito Eduardo Paes.
O projeto ainda prevê o aumento do estágio probatório de dois para três anos. Nesse período, o funcionário público, na prática, é coagido a não se envolver nas atividades reivindicativas da categoria, pois não possui ainda estabilidade no cargo.
Setores da esquerda se alinham contra a categoria
Mais que tudo, é grave o seguidismo de uma ala da esquerda à política da prefeitura do fascista Eduardo Paes. Nas eleições deste ano, Paes foi eleito com o apoio expresso do PT, como candidato oficial daquele partido, e apoio também do PSOL, que lançou um candidato laranja já preparado para apoiar Paes no segundo turno.
Pior, setores da esquerda na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro apoiaram o projeto, votando favoravelmente a ele. Dois vereadores entre os quatro do Partido dos Trabalhadores na casa se colocaram como verdadeiros capachos de Eduardo Paes, sendo eles Edson Santos e Tainá de Paula. A votação terminou em 31 votos favoráveis ao projeto, e 15 contrários.
Com toda a repressiva abordagem das instituições para com a categoria, a direção do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio, dominada pelo PSOL, não trava uma luta real. Realizam novas tentativas fantasiosas de negociação, uma tática que só pode levar à desmoralização, ao esvaziamento e ao fracasso da greve. O que acontece é que a base empurra o sindicato a agir e a direção deixa a greve quase que sem organização, faz o mínimo. Um exemplo prático foi denunciado pelos militantes que participaram do ato na terça-feira (3).
Vinicius Rodrigues, do PCO, declarou: “o ato parece que não tem organização. O sindicato leva um carro de som e paga alguns ônibus para encher o ato, e só. Não há um boletim sindical circulando, quase nenhuma organização fala no som. Um caso emblemático é o da bateria do sindicato. Os professores querem a bateria para fortalecer o ato, mas o Sepe apenas leva os instrumentos e não organiza nada. O ato só teve uma bateria porque nós da Zumbi dos Palmares nos propomos a unificar os instrumentos e assim conseguimos montar uma bateria em que a maioria dos instrumentos tinha sido levado pelos próprios professores! Ou seja, faltava só uma organização para garantir a bateria e nós que assumimos esse papel.”
O militante ainda denuncia o direitismo das falas do ato: “um aspecto chave para compreender a desmobilização foi o destaque para os onguistas, que veio por meio da direção do PSOL. Em dado momento elogiaram Rita Von Hunty, a youtuber Drag Queen, como se ela fosse ajudar a luta dos professores. Outro destaque enorme foi para o VAT, a ONG que quer vender uma reforma trabalhista como luta da esquerda. Com esse direitismo a greve só pode sair desmoralizada“.
O prefeito Eduardo Paes, o Judiciário e a Câmara se colocam como inimigos da educação pública e dos professores. O movimento só pode ter sucesso incrementando a mobilização nas bases da categoria e recorrendo ao apoio da população, para o enfrentamento com a prefeitura. Em repetidas reuniões fajutas, a categoria se isola e ruma ao fracasso. A pauta da categoria também deve se expandir e focar no inimigo de fato, a própria prefeitura, chamando pelo “Fora Eduardo Paes”. Os professores não são e nem serão o único setor atacado pelo prefeito, e devem identificá-lo como inimigo. O projeto não é um engano, é uma imposição do capital financeiro, mestre de Paes, aos trabalhadores, o que tende a se intensificar.
A direção sindical, ademais, confunde a sua base. Infiltra ONGs como o VAT (Vida Além do Trabalho), empresa privada ligada ao vereador do PSOL Rick Azevedo, que reivindica o golpe da jornada 4×3, e não a redução real da jornada de trabalho, luta tradicional do movimento operário. A 4×3 do VAT nada mais é que a jornada de flexibilização tão almejada pela burguesia para ser implementada em todos os setores, sendo um dos principais a educação. Tal qual a política falida de negociação da direção sindical, a infiltração desse elemento direitista precisa ser combatida pela categoria.