Maria Lúcia Fattorelli é economista, auditora-fiscal aposentada da Receita Federal e uma das principais articuladoras do movimento contra o mecanismo criminoso que mantém o Brasil refém da dívida pública. Nascida em Belo Horizonte em 10 de abril de 1956, Fattorelli fundou e coordena a Auditoria Cidadã da Dívida, organização dedicada a expor e combater a pirataria dos cofres públicos por meio de uma dívida artificial e que não serve ao povo, mas sim aos banqueiros e especuladores.
O mecanismo da dívida pública não passa de uma engrenagem desenhada para enriquecer os parasitas do sistema financeiro. Por meio dele, o governo paga os juros da dívida aos credores — bancos, investidores e instituições financeiras — enquanto emite novos títulos para substituir os antigos. É uma operação sem fim, em que o dinheiro público é canalizado para banqueiros enquanto o País sofre com cortes em educação, saúde e infraestrutura, perpetuando o empobrecimento das massas.
O esquema da dívida é tão escandaloso que, em 2021, consumiu quase R$1 trilhão. Desse total, R$618 bilhões foram para juros e R$291 bilhões para amortizações. Enquanto isso, o governo diz que “não há dinheiro” para serviços essenciais ou aumento salarial para os trabalhadores. Trata-se de um verdadeiro roubo institucionalizado, com os recursos nacionais sendo usados para sustentar uma minoria que vive do parasitismo.
Reconhecida internacionalmente por sua luta contra esse assalto legalizado, a auditora já participou de auditorias soberanas em países como Equador e Grécia, onde contribuiu para expor dívidas fraudulentas e ilegítimas. Seu trabalho revelou como essas dívidas não servem aos interesses dos povos, mas sim ao imperialismo financeiro. No Brasil, a situação não é diferente: o “Sistema da Dívida”, como ela o chama, mantém o País acorrentado, impedindo qualquer projeto de desenvolvimento real.
A Auditoria Cidadã da Dívida, sob sua liderança, defende a realização de uma auditoria completa, com a participação popular, para identificar e cancelar dívidas ilegítimas. A proposta é simples: parar de pagar o que não devemos e investir em políticas que realmente atendam aos trabalhadores e ao desenvolvimento nacional.
A dívida pública, nas mãos do imperialismo e de seus lacaios no Brasil, é um instrumento de dominação e espoliação. Fattorelli mostra que enfrentar esse sistema não é apenas necessário; é uma questão de sobrevivência nacional.
Sua análise se torna ainda mais urgente diante do duríssimo plano econômico anunciado pelo ministro da Fernando Haddad no último dia 27, em cadeia nacional, que reforça a submissão do País aos interesses dos banqueiros e penaliza ainda mais os trabalhadores. Confira, a seguir, um texto contundente da auditora, que desmascara os reais interesses por trás de uma política desastrosa para o povo e altamente impopular, mas que ainda assim, é defendida pelo “mais tucano dos petistas”, como Haddad é conhecido:
Governo tem recorde de arrecadação e aprofunda cortes de gastos sociais
Você já parou para analisar por que razão, no mesmo dia em que foi divulgado um recorde histórico de arrecadação de tributos, o governo federal anunciou que fará mais um corte de gastos de cerca de R$ 6 bilhões em 2024 e novos cortes em 2025 e 2026?
Qual é a lógica de cortar gastos primários – que abrangem somente gastos em áreas sociais e na estrutura do Estado – se o governo federal tem registrado recordes de arrecadação tributária em todos os meses do ano, sendo que em outubro/2024 foi verificado o maior recorde desde 1995?
A resposta está no funcionamento do Sistema da Dívida que opera no Brasil, onde de fato está o rombo das contas públicas; rombo que tem aumentado ainda mais ultimamente devido à elevação brutal da taxa básica de juros pelo Banco Central – Selic –, que aumenta diretamente o custo com os juros da chamada dívida pública. Não há dinheiro que chegue para cobrir tamanho rombo! O Sistema da Dívida tem absorvido mais de 40% do orçamento federal, todos os anos, para alimentar seus mecanismos e juros mais elevados do planeta.
O sacrifício social para cobrir o rombo do Sistema da Dívida está presente nas contrarreformas (principalmente da Previdência), que adiam, suprimem ou cortam direitos sociais; nas privatizações do nosso patrimônio público e nos cortes de investimentos sociais feitos para cumprir teto de gastos e arcabouço fiscal sob alegação de “equilibrar as contas públicas”. Assim, estamos pagando essa chamada dívida pública de várias formas.
Os cortes de gastos sociais e na estrutura do Estado não surtem efeito para “equilibrar as contas públicas”, porque o problema do gasto excessivo não está na área social, e muito menos na estrutura do Estado.
A prestação de serviços públicos se encontra extremamente deficiente e a estrutura do Estado já está sendo sucateada em todas as áreas que observamos há anos: Saúde (vejam a carência pela qual o SUS passa, com filas para cirurgias e outros procedimentos vitais); Educação (com universidades tendo até energia elétrica cortada por falta de pagamento, além de diversas carências inacreditáveis); Meio Ambiente (que lida com falta de pessoal, e equipamentos em geral, inclusive para o combate a incêndios florestais e demais atividades imprescindíveis para a vida); Defesa Nacional (que sofre cortes que comprometem até atividades de monitoramento em fronteiras, favorecendo o tráfico de armas, drogas, etc.), e vai por aí afora, o sucateamento está presente em todos os ministérios e diversos órgãos, a exemplo do que ocorre no INSS e no IBGE, por exemplo, abrindo espaço para nocivos projetos de privatizações.
Portanto, não existe a tão falada “gastança com programas sociais ou com a estrutura da máquina pública”, repetida à exaustão pela grande mídia, que cobra que o governo federal corte cada vez mais os recursos destinados às áreas sociais, porém, não menciona que a causa da gastança está no pernicioso funcionamento do Sistema da Dívida no Brasil. Ao contrário, apelam para o senso comum das pessoas de forma maliciosa e desonesta, pois inúmeras matérias da grande mídia comparam o Sistema da Dívida com a obrigação contraída por uma família que teria se descontrolado em compras e que, por isso, depois, teria fazer sacrifícios, cortar idas ao cinema e outros gastos para sobrar dinheiro para cobrir seus gastos excessivos. São coisas completamente distintas e tal comparação chega a ser perversa.
No caso das contas públicas, a gastança está no Sistema da Dívida, cujo crescimento decorreu de seus próprios mecanismos e juros elevados e não de investimentos públicos na estrutura do Estado ou em áreas sociais, como declarou o representante do Tribunal de Contas da União (TCU) em audiência pública realizada no Senado Federal em 2019: “Nenhum investimento foi feito com recursos da emissão de títulos públicos… essa informação é do Tesouro”.
Adicionalmente, é preciso recordar que durante 20 anos, o Brasil produziu R$ 1 trilhão de superávit primário. Isto significa que durante 20 anos gastamos, com toda a manutenção do Estado (todos os poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério Público) e com todos os serviços públicos prestados à população (saúde, previdência, assistência, educação, etc.), R$ 1 trilhão a menos do que arrecadamos em tributos.
E o que aconteceu com o estoque da dívida pública federal nesse mesmo período?
- Em 1995, o estoque da dívida interna federal era de apenas R$ 86 bilhões.
- Em 2015, o estoque dessa dívida alcançou R$ 4 trilhões!
Ora, se produzimos R$ 1 trilhão de superávit primário naquele período, é evidente que o crescimento do estoque da dívida não decorreu de gastança alguma nos investimentos sociais e estrutura do Estado, mas sim no próprio Sistema da Dívida, principalmente com seus mecanismos e juros abusivos.
A partir de 2015 passou a ser divulgado um falacioso déficit primário, obtido porque deixa fora do cálculo diversas receitas públicas, distintas da emissão de títulos e que são desviadas diretamente para o pagamento dos gastos com o Sistema da Dívida e seus mecanismos e juros abusivos. Se a conta for feita corretamente, não existe o falacioso déficit.
Cada dia fica mais evidente a necessidade de enfrentamento do Sistema da Dívida por meio da ferramenta da auditoria, que deverá ser feita de forma integral e com ampla participação social. Se não for feito esse enfrentamento, entra governo e sai governo, seguimos submetidos ao mesmo Sistema da Dívida, que exige contínuos cortes de investimentos sociais, privatizações e contrarreformas, aprofundando a escassez no Brasil da abundância… Somos um país riquíssimo e temos tudo para sermos uma grande Nação, porém, o Sistema da Dívida tem travado o nosso desenvolvimento socioeconômico de forma estrutural. Auditoria já!