A imprensa burguesa está mobilizada em torno da suposta tentativa de golpe de estado perpetrada por Bolsonaro e um grupo de militares, que, segundo investigação da Polícia Federal, tinham um minucioso plano para assassinar o presidente Lula, o vice Alckmin e o Alexandre de Moraes, ministro do STF. Os sites progressistas, desta vez, fazem coro com as revelações publicadas nos jornais, elogiando o trabalho da polícia e até o Gonet, que, do alto de sua sapiência, estaria aguardando o momento certo para formalizar a denúncia e dar seguimento ao processo até engaiolar o Bolsonaro.
Está certo que o Bolsonaro não é da nossa turma, mas, deixando isso de lado por um instante e observando o modo como as coisas se articulam, temos a impressão de já termos visto esse filme. Houve até um internauta que, numa transmissão de canal progressista, perguntou onde estava o PowerPoint do Dallagnol. Quem abrir a Folha de S. Paulo vai ver o empenho em descrever o “roteiro do golpe”; a Globo, por sua vez, dedicou quase o tempo integral do Jornal Nacional ao relato pormenorizado da trama golpista.
O que mais chama a atenção, no entanto, é que o processo venha a ser julgado por Alexandre de Moraes, um dos supostos alvos de assassinato. Está certo que já sabemos que Moraes tem o hábito de se desdobrar em vários, como mostrou a própria Folha de S. Paulo, e também o de citar suas decisões anteriores como embasamento das novas, num exercício de “autojurisprudência”. Nada mais natural, portanto, que, sendo a suposta vítima, também seja o juiz da ação.
Antigamente, os juízes se declaravam impedidos quando tinham alguma relação com o delito ou parentesco com uma das partes. Até a inteligência artificial do Google sabe disso. Hoje, “juristas progressistas” vêm a público explicar que não há ilegalidade nenhuma em um juiz julgar quem o tenha ameaçado de morte.
Uma justificativa interessante, ouvida de um desses progressistas, é que, tendo sido Alexandre de Moraes ameaçado, o STF é que foi ameaçado, portanto, ato contínuo, ele deve arbitrar o jogo. Em outras palavras, haveria, de um lado, o Alexandre de Moraes pessoa física e, de outro, o Alexandre de Moraes pessoa jurídica, este a verdadeira encarnação do STF. Donde somos forçados a imaginar que, se o plano macabro tivesse dado certo, o STF teria sido extinto!
Outra explicação, esta apoiada no “costume”, é a de que os membros do PCC frequentemente são julgados por juízes ameaçados por eles. Como é o PCC, então, tudo bem. E, como é o Bolsonaro, tudo bem também. Um dia foi o Lula e amanhã pode ser qualquer um. Salta aos olhos que o campo progressista se comporte como uma tribo e repute aceitável usar a Justiça para se vingar de desafetos.
De resto, é bom lembrar que, na última eleição presidencial, enquanto o país se dividia entre Lula e Bolsonaro, a Rede Globo não demonstrava apoio a nenhum dos dois. Usou o tempo de seu principal telejornal da noite para, durante duas semanas ou mais, exibir reportagens feitas com os ministros do STF, com direito a cenário especial, biografia, elogios e entrevistas, como se eles fossem os candidatos. O discurso, obviamente, era o da “defesa da democracia” – da democracia institucional.
Para bom entendedor, meia palavra basta. O STF está a serviço da burguesia, cujo principal partido, o PSDB, se esfarelou na ausência total de representatividade. Lula e Bolsonaro não são a escolha da burguesia – e isso nada tem que ver com ideologia. O problema sério desses dois, a despeito de suas diferenças, é que são lideranças populares: eles têm voto, coisa que a burguesia não tem se não comprar ou manipular as eleições das mais variadas formas. Não interessa a essa classe um candidato que não dependa de suas “estratégias” para se eleger – não por acaso, um e outro são chamados de “populistas”, como se ter apelo popular fosse um defeito em si.
Para a burguesia, Lula é corrupto e Bolsonaro é golpista. Quem será o candidato não corrupto e não golpista? A propósito, essa burguesia, quando dá seus golpes, diz que foi “impeachment”, uma decisão da Justiça. Então, tá certo.