A Polícia Federal (PF) enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR) o relatório final da investigação que aponta a participação direta de Jair Bolsonaro em atos que visavam a consumação do suposto golpe de Estado orquestrado pela extrema direita. O documento de 884 páginas, tornado público pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, reúne elementos que, segundo a PF, comprovam a atuação do ex-presidente para inviabilizar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva e consolidar sua permanência no poder após as eleições de 2022. Além de Bolsonaro, outras 36 pessoas, incluindo ex-ministros e militares de alta patente, foram indiciadas por crimes como tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e abolição violenta do regime democrático.
O levantamento da PF destacou oito “provas” que relacionam Bolsonaro diretamente à trama. Dentre elas, uma reunião em dezembro de 2022, convocada pelo então presidente, em que foram apresentados aos comandantes das Forças Armadas minutas de um plano para a ruptura institucional. As “provas” seriam as seguintes:
- Reunião de julho de 2022:
Bolsonaro teria convocado ministros e membros do governo para discutir estratégias de disseminação de informações falsas sobre urnas eletrônicas antes das eleições. Participaram, entre outros, Anderson Torres (Ministro da Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira (Ministro da Defesa), que apoiaram a propagação de alegações de fraude eleitoral. - Representação eleitoral do PL:
O PL, partido de Bolsonaro, apresentou à Justiça Eleitoral um pedido para anular os votos de mais de 200 mil urnas. Segundo a PF, Bolsonaro e Valdemar Costa Neto, presidente do partido, estavam cientes das inconsistências nos dados apresentados e mesmo assim apoiaram a iniciativa. - Pressão sobre o comandante do Exército:
Bolsonaro teria pressionado o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, para apoiar suas ações golpistas. Essa pressão incluiu uma carta assinada por oficiais superiores da ativa, que teria o aval do ex-presidente. - Minuta do golpe:
Uma minuta de decreto elaborada sob orientação de Bolsonaro visava criar um Estado de Defesa, instaurar uma Comissão de Regularidade Eleitoral e impedir a posse de Lula. Esse documento foi apresentado a aliados e fazia parte do planejamento institucional do golpe. - Plano “Punhal Verde e Amarelo”:
A PF alega que Bolsonaro tinha conhecimento de um plano envolvendo explosivos e veneno para assassinar Lula, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. Esse esquema teria como objetivo eliminar as principais lideranças que representavam obstáculos ao golpe. - Reunião de dezembro de 2022 com comandantes militares:
Bolsonaro apresentou a minuta do golpe aos comandantes das Forças Armadas. Na ocasião, os comandantes do Exército e da Aeronáutica recusaram o plano, enquanto o comandante da Marinha, Almir Garnier, demonstrou apoio. - Discussão do golpe no Palácio da Alvorada:
O general Mário Fernandes teria sido enviado ao Alvorada para debater o plano golpista. Bolsonaro estaria presente durante as discussões, sendo diretamente ligado ao planejamento do golpe. - Reunião com o general Estevam Theóphilo:
Em 9 de dezembro de 2022, Bolsonaro se reuniu com o general Estevam Theóphilo, que se colocou à disposição para liderar tropas caso o decreto do golpe fosse assinado. O encontro incluiu um discurso público de Bolsonaro, reforçando a expectativa de ações concretas para reverter o resultado eleitoral.
Segundo o relatório, os comandantes do Exército e da Aeronáutica rejeitaram a adesão ao golpe, mas o comandante da Marinha, Almir Garnier, se colocou à disposição, sendo o único oficial de alta patente incluído entre os 37 indiciados.
O relatório descreve a estrutura da organização golpista como dividida em seis núcleos. Entre eles estão o Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral, responsável por disseminar informações falsas sobre fraudes eleitorais; o Núcleo de Inteligência Paralela, que coletava dados para possíveis ações contra autoridades; e o Núcleo Operacional, que organizava a logística de manifestações em frente a quartéis.
Figuras de destaque do governo Bolsonaro, como o ex-vice Walter Braga Netto, são citadas como integrantes do Núcleo de Incitação a Militares, que visava convencer membros das Forças Armadas a aderirem ao golpe. Já o Núcleo Jurídico, que incluía Anderson Torres e Filipe Martins, teria fornecido o suporte legal para as ações golpistas, com a elaboração de decretos que fundamentariam juridicamente a ruptura institucional.
O caso ainda inclui delações, como a do tenente-coronel Mauro Cid, que, embora siga sob sigilo, já teria fornecido detalhes que corroboram as acusações. Moraes destacou que o acesso ao relatório foi liberado para garantir a publicidade das investigações, mas ainda há diligências em andamento relacionadas às Operações Tempus Veritatis e Contragolpe.
Apesar do volume de informações e da amplitude da investigação, cabe ressaltar que os atos atribuídos a Bolsonaro e seus aliados se limitam à esfera do planejamento e não avançaram para a execução. Assim, o processo levanta uma questão central: a criminalização de ideias e planos.
Configurar “pensar” ou “planejar” como crime estabelece um precedente perigoso, que reforça uma política repressiva e legitima a histeria de setores da esquerda. Esses movimentos pavimentam um deslocamento do regime ainda mais à direita, consolidando medidas autoritárias em nome de uma falsa segurança institucional.